Foto: DivulgaçãoTestando beats nas redes: Branko e o novo laboratório da música eletrônica
Fundador do Buraka Som Sistema, que celebra 20 anos em 2026, DJ português conversa com Jota Wagner
Em 2006, todo mundo já estava de saco cheio com esse papo “anti-imigrante”. Branko resolveu expressar esse sentimento fundando o Buraka Som Sistema, um grupo de Lisboa com integrantes portugueses e angolanos, mas tocando música com influência de tudo quanto é lugar, incluindo o Brasil. Na ativa por dez anos, a banda atingiu reconhecimento internacional e consolidou a carreira do DJ e produtor lusitano no universo da música sem fronteiras, reverente à terra onde tudo começou, a África.

Hoje, ele já lançou cinco álbuns, uma cacetada de EPs, faixas e mixtapes e consolidou uma bela ponte entre Portugal e Brasil, colaborando com diversos artistas daqui.
Seu mais recente single é N’Essa Rua, para o qual pegou a tradicional cantiga Se Essa Rua Fosse Minha, convidou uma vocalista brasileira — Tainá — e testou em suas redes sociais, sentindo a recepção do público, antes de disponibilizar oficialmente nas plataformas de streaming, em 03 de outubro.
Branko conversou com o Music Non Stop sobre fazer música, a volta do Buraka, as influências musicais e a experiência de promover uma canção de um jeito meio colaborativo, se utilizando da sua audiência em redes como o Instagram e o TikTok.
Jota Wagner: Branko, escolher uma música tão conhecida como Se Essa Rua Fosse Minha requer coragem ou loucura?
Branko: Eu acho que um pouco dos dois. É um tema que gosto muito, puro. E fez superbem escolher a Tainá. Uma voz que conseguisse dar a textura, o timbre certo àquilo, e que tivesse ligeiras alterações a nível de melodia e ritmo.
Antes, testávamos sons na pista de dança. Qual a diferença desse processo nas redes sociais?
Superboa questão. Eu coloquei um versão nas redes sociais antes mesmo de ter voz. Sampleei no YouTube uma voz e coloquei no meu Instagram. Era uma cantora que não conheço. Alterei um pouco para que não desse para entender quem era o dono daquela voz e fiz esse teste. Utilizei a audiência como tubo de ensaio.
E por isso, eu acho que é diferente. Eu gostei da sua pergunta, porque eu sou um DJ que testa muita música nova na pista. Um pouco menos hoje, talvez, porque estou fazendo mais concertos com formato ao vivo, com músicos no palco, então já não testo tantas músicas quanto gostaria.

De alguma forma, sinto que esse jeito de testar a nova música foi justamente pelo fato de eu não tocar com a mesma frequência como DJ, como fazia há três anos.
Antes você sentia reação das pessoas. Agora, o feedback vem por texto — ou “coraçãozinho”.
Às vezes pode ser muito agressivo também. Mas por outro lado, teve muita coisa que eu testei na pista por 30 segundos e já tirava imediatamente, porque sentia que o público não havia se conectado. Então, é a mesma coisa que apagar um post!
Como o Branko encontrou a Tainá?
Ela vive perto de Lisboa, seguia minha carreira e já tínhamos trocado algumas mensagens. Como produtor, gosto de esperar a oportunidade certa para convidar alguém. Nós estávamos muito a fim de trabalhar um com o outro. Só estávamos esperando o momento certo.

Tainá e Branko. Foto: Divulgação
Seu primeiro disco solo se chama ATLAS, um nome bastante simbólico. Como foi que você se conectou com a música de fora de Portugal?
Eu cresci numa cidade nos arredores de Lisboa chamada Amadora. É a cidade com o maior índice de imigração no país inteiro. Então, acho que vem dos amigos, da escola, das pessoas à minha volta, as pessoas com quem eu cresci e me iniciei na música.
Obviamente, depois desse espaço mais orgânico, deu-se a criação do Buraka Som Sistema. Foi quando estabeleci uma conexão entre Lisboa, Luanda e Londres, e toda essa dinâmica de ouvir os ritmos e o pulsar de um país como Angola, por exemplo. Foi algo que marcou muito aquilo que fazíamos. Todo o resto veio dos relacionamentos que surgiram dali. Quando uma pessoa passa dez anos em um projeto, o cérebro fica condicionado. E a música também vai sendo condicionada. Toda nossa vivência se altera.
Você gostou dessa experiência de compor música testando-a nas redes? Vai virar um hábito?
Não sei. Eu ouvi uma versão de Se Essa Rua Fosse Minha no disco de uma artista que eu gosto muito, Sued Nunes, da Bahia. É a última canção de um álbum chamado Segunda-Feira. Eu não sabia que essa música era conhecida no Brasil. Achava que era somente do folclore português, cantada por uma velhinha nas montanhas do norte, no interior. Percebi que era muito bonita, e tinha uma elasticidade, uma facilidade de jogar com vários ritmos. A escolha de palavras é bonita, a melodia também, e não é demasiadamente folclórica. Sinto que se reuniram nesse caso uma série de condições muito específicas.
Então, lançar nesse formato não é algo que vou adotar obrigatoriamente, mas pode fazer sentido, dependendo da canção.
Você se lembra de como se conectou com a música brasileira? Foi pela boa e velha bossa nova?
Não. Acho que ainda tive uma influenciazinha, talvez meio pelo lado familiar e também de alguns amigos. Ouvi, obviamente, os gigantes da MPB, as novelas estão por todo lado, e você tem aquelas canções básicas que todo mundo conhece: Sérgio Mendes, Gil… Toda essa música está muito presente aqui.
Como DJ, fui começando a estudar e descobrir meu próprio caminho, como o movimento Black Rio, dos anos 70. Há alguns anos, fui a São Paulo participar da Red Bull Music Academy, e aí pude conhecer todas aquelas lojas: a Baratos Afins, a Galeria do Rock… Voltei para casa com mais discos do que toda a coleção que eu já tinha.
Depois, teve a coisa da música urbana, do funk. O DJ Marlboro vinha tocar muito em Lisboa, bem quando estávamos começando o Buraka Som Sistema. Ele trouxe a Deize Tigrona, que colaborou com a gente. Um pouco dessa história começou a ser construída ali. Hoje em dia, tem muitos produtores brasileiros com quem compartilho muitas ideias. Eu sinto que não é só a mesma língua, mas a mesma cultura também.
O Buraka Som Sistema foi muito importante na vida de todos os envolvidos. Como está o relacionamento entre vocês? Falam sobre o futuro?
Anunciámos recentemente um espetáculo em 2026, no NOS Alive, em Lisboa, que foi um festival que sempre nos deu casa, palco e atenção. Vamos celebrar 20 anos desde o início do projeto. Vai ser uma festa de aniversário, com músicas dos quatro álbuns.
Com o Buraka Som Sistema, foram dez anos de muita aprendizagem. Era um tempo em que as cidades principais, Los Angeles, Nova Iorque, Londres, mandavam a música. Não se ouvia música daqui.
E é louco, porque entre 2006 e 2016, apanhamos o pior do mundo da música, com os downloads ilegais. Nós nunca soubemos quantos discos vendemos. Tudo foi sempre uma incógnita. Só o que a gente sabia era que marcávamos shows e, quando chegávamos no lugar, estava cheio de gente.
 
 
 
 


