Balaclava Fest Fernando Dotta e Rafael Farah, fundadores do Balaclava Fest. Foto: Mô Bertuzzi

Balaclava Fest: 10 anos de paciência, paixão e persistência

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Jota Wagner conversa com Rafael Farah e Fernando Dotta, sócios por trás do conceituado festival alternativo brasileiro

O anúncio dos dois headliners da edição 2025 do Balaclava Fest fez tremer o chão da redação do Music Non Stop: Stereolab e Yo La Tengo juntos, na mesma noite, no palco do Tokio Marine Hall dia 09 de novembro. Na reunião de pauta, não houve espaço para hesitações: precisamos falar com os caras responsáveis por essa bomba sonora.

Rafael Farah e Fernando Dotta, colegas de banda que viraram fundadores de uma gravadora, de uma revista independente, de uma agência de artistas, de uma editora musical, de uma produtora de shows e… do Balaclava Fest, rolê que começou em 2015 e foi crescendo ano a ano, ganhando corpo e respeito no mercado internacional, a ponto de botar, um do ladinho do outro, dois expoentes do rock alternativo mundial em um palco brasileiro. A francesa cool e noir Stereolab, e o trio mais low profile da música, dono de uma discografia indispensável, os estadunidenses do Yo La Tengo. Para quem quer se adiantar, os ingressos já podem ser adquiridos aqui.

O Balaclava Fest ainda contará com Geordie Greep, Fcukers, Gab Ferreira, Walfredo em Busca da Simbiose e Jovens Ateus. Na entrevista, Dotta e Farah contam toda sua história, os desafios, sua visão do que é fazer um festival e muito mais. Confira!

Jota Wagner: Stereolab e Yo La Tengo juntos na mesma noite… Como essa história foi possível?

Fernando Dotta: São duas bandas que, para nós, sempre foram uma prioridade, um sonho. Stereolab, por muitos anos, foi quase impossível. Mas quando ele anunciaram sua volta, no Primavera Sound de 2019, já fomos com tudo para cima deles, para tentar fazer. A gente já tinha o Stereolab fechado em 2020, mas aí veio a pandemia. Iríamos fazer na semana seguinte ao dia em que foi anunciado o lockdown. Depois disso, nunca mais conseguíamos retomar o papo de uma remarcação, foi bem frustrante. Mudou a agência que trabalhava com eles. Tivemos que começar do zero. Já o Yo La Tengo é uma das bandas da minha vida. E do Farah também, tenho certeza.

Fleet Foxes no Balaclava Fest

Fleet Foxes no Balaclava Fest 2011. Foto: Rodrigo Gianesi/Divulgação

Yo La Tengo é uma banda que envelheceu bem pra caramba…

Fernando Dotta: É, e a Balaclava começou com eu e o Rafael tendo uma banda de rock aternativo, a Single Parents. Para você ter uma noção, a nossa primeira referência era o disco Sugar Cube, do Yo La Tengo.

A gente sempre amou a banda. Tentamos trazê-los desde a última vez que eles vieram ao Brasil, em 2014. É como o Dinosaur Jr., que fizemos na última edição. São essas bandas atemporais, que sempre vão funcionar pra gente. Eles tem um crossover muito especial, uma referência de música brasileira e também um negócio meio noir, meio avant-garde. Quanto as duas histórias casaram, vimos que dava para tentar. Não cabe só a nós, dependemos também de outros contratantes na América do Sul.

O Balaclava Fest é um evento genuinamente independente e por isso, pergunto-lhes sobre a curadoria. Como funciona a escolha? Vocês só trazem bandas que pessoalmente gostam?

Rafael Farah: Tem muito disso que o Dotta falou. A gente tem uma lista imensa de bandas que ama e que sabe que funcionariam aqui. Porque há o gostar da banda e o fato de ela também ter um público e um cachê que faz sentido para um evento do tamanho que a gente quer. Então temos essa listona de artistas que, assim como o Stereolab, estamos tentando trazer desde 2020.

Teve artista que já demoramos sete, oito anos para fechar. O Yo La Tengo é um caso em que estamos tentando há dez anos. Neste momento, estamos fazendo ofertas para outros artistas, não só para o festival, como para a agenda do ano todo. Nós também temos uma certa identidade na curadoria. O festival é o quebra-cabeças maior. Todo ano temos 900 versões diferentes do line-up do Balaclava Fest.

O fato de não haver mais Primavera Sound no Brasil, mas continuar rolando na Argentina e no Chile, facilitou a história para vocês, uma vez que grandes artistas já vêm para a América do Sul e obviamente querem incluir o Brasil na tour?

Rafael Farah: Eu acho que ajuda. A gente sabe que as grandes agências vão mapeando os festivais em cada território. Aqui temos o Rock in Rio, o The Town, C6 Fest, Popload, eventos grandes e importantes. E a gente está ali no meio, mas com um tamanho menor. Claro que eles tentam receber ofertas de todos esses festivais, mas o fato de não termos um Primavera Sound aqui agilizou alguns processos para nós.

Fernando Dotta: Eu acho também que a gente se destaca por ter um festival com um recorte mais trabalhadinho, mais de um nicho que faz com que os artistas se sintam bem. Às vezes, uma banda como Stereolab poderia estar tocando às 17h em um festival grande, mas com a gente, ganha a pompa de headliner. Temos uma curadoria que flerta bastante com o próprio Primavera Sound original ou o Pitchfork Festival, e estamos conseguindo fazer com que as agências notem isso como uma puta oportunidade de conversão para os artistas deles.

Tratar bem um artista pode contar mais do que dinheiro…

Fernando Dotta: Ser bem organizado, tratar bem o artista… As agências conversam entre si, né? Às vezes pode pesar mais, sim.

Rafael Farah: Temos tido, inclusive, esse feedback das agências, o que é muito legal. Nos dizem que têm outras propostas para o Brasil, mas que gostariam que eles viessem com a gente. A Balaclava tem uma comunidade em volta, e isso é um diferencial. Como a gente divulga, como tudo isso chega para as pessoas… Muitas vezes, as pessoas descobrem uma banda porque ela está vindo via Balaclava.

Que bandas vocês amariam ter trazido, mas que não são mais possíveis?

Fernando Dotta: O Girls, porque era uma banda que a gente amava muito, na época do auge, do disco Father, Son, Holy Ghost… Porra, aquilo era muito especial pra nós! Acho que My Bloody Valentine, também. Todo mundo quer, todo mundo gosta. Neil Young é outro nome que sempre amamos.

Rafael Farah: O próprio Blur, que veio recentemente, mas é incompatível. Uma baita banda que queríamos muito trazer.

Fernando Dotta: Tem muita banda e artista que é uma bica lá fora, mas que não tem uma base de fãs tão forte aqui no Brasil. Manic Street Preechers e Paul Weller, por exemplo. Não rola pelo que a gente converteria de ingresso. Acontece também de ficarmos olhando o timing certo para fazer uma proposta, que é quando o artista está olhando para a América do Sul. Recebemos sete “nãos” do Yo La Tengo. O oitavo já nem doeria mais, mas então veio o “sim”.

Slowdive no Balaclava Fest

Slowdive no Balaclava Fest 2017. Foto: Divulgação

O que começou primeiro, a gravadora ou a produtora de shows?

Rafael Farah: O selo! A gente tinha uma banda, tocava com uma galera legal pra caramba, e a gente via que tinha essa identidade musical parecida. Mas a galera estava solta. Cada um fazendo o seu. Entamos pensamos em criar uma marca, começar por algum lugar, para facilitar esses intercâmbios. Pegar uma banda de Minas, uma de Natal, uma de Porto Alegre, colocar debaixo do mesmo guarda-chuva e então estimular trocas, e também fazer festa, para poder aparecer para o público.

A história dos shows entra um pouco depois porque nós, na real, sempre brincávamos de rascunhar festivais. Fomos aprendendo com o tempo. No começo, eram só shows nacionais com as bandas que a gente lançava. Porque havia uma necessidade maior, de fazer algo 360. Não só o lançamento. Hoje temos selo, agência, bookings, empresariamento… Cobrimos todas as pontas.

O que um artista brasileiro precisa ter para vocês falarem: “esse vale a pena trazer para a Balaclava”?

Rafael Farah: A gente acaba falando muitos “nãos”, até para bandas proximas da gente, que já convidamos para tocar no Bar Alto, onde fazemos a curadoria, por exemplo. É uma soma de fatores que é difícil dizer porque não tem uma coisa só. Gostamos de ver a banda ao vivo, para entender qual é. Isso já é um diferencial foda e importantíssimo. Temos que confiar no show não só para poder vendê-lo, mas também pensar em qual mercado a gente vai inserir aquilo. E se tem contexto para tocar com outras do próprio selo.

Temos que ver se ela dialoga com aquilo que a gente imagina. Às vezes falamos: “putz, não vai dar para ter seis bandas de shoegaze na Balaclava ao mesmo tempo e rolando”. Não é um negócio consciente, porque as oportunidades vão vindo. Tem raros momentos de termos oportunidades em um nicho, como a música instrumental, e as bandas do nosso casting estarem em pausa. Então vamos buscar alguém nesse perfil. Recebemos muitas indicações de pessoas próximas também, de coisas que são “a cara da Balaclava”.

Fernando Dotta: No geral, a música tem de bater muito, pra gente falar: “vamos assinar”. Há vezes em que nem queremos gente nova, porque já estamos lotados de trampo, mas então ouvimos algo muito fora da curva, que com um trabalho de dois ou três anos pode dar bom.

Mac DeMarco no Balaclava Fest

Mac DeMarco no segundo Balaclava Fest, em 2015. Foto: Pedro Galiza/Divulgação

Como é lidar com a pressão pelo crescimento, a de ficar cada vez maior, no Balaclava Fest?

Fernando Dotta: Já rolou de a gente quer isso, e sentir o cheiro do que poderia ser. Pensamos assim: se for para dar um passo maior, a gent quer ter total controle da parada. Não quer perder a mão na curadoria. E a gente sabe que, para atingir públicos maiores, vai ter de abrir o leque e isso significa abrir mão da curadoria. Por isso ainda não topamos. Recebemos propostas par acrescer e então fomos atrás de entender como seria. Um exercício natural pra gente também, como um plano de expansão para ter 15 mil pessoas, dividir em duas noites, aumentar palcos…

Vocês já estão fazendo shows o ano inteiro…

Fernando Dotta: Exato, e acho que isso ajuda a gente a não se seduzir pela ideia. O show do Smashing Pumpkins foi maior do que o nosso festival. É justamente nessa mão que a gente não pode perder a essência. E não é nenhuma síndrome do underground, é pensar na marca a longo prazo. Esse senso de comunidade da Balaclava vem ao longo dos anos por sermos muito frequentes em nossos pontos de contato: lançando disco, produzindo show nacional, trazendo os gringos “soltos”, fazendo o Bar Alto, tínhamos a revista… Essa pluralidade que eu acho que traz uma noção de cuidado com a marca.

Mac McCaughan no Balaclava Fest

Mac McCaughan no primeiro Balaclava Fest, em 2015. Foto: Divulgação

Muita gente afirmou para o Music Non Stop que seus festivais foram obrigados a crescer, por causa do aumento de preços da pandemia. Vocês passaram por isso?

Rafael Farah: Passamos, sim. É recorrente. Como fazer para crescer sem perder a essência? Durante a pandemia, resolvemos abrir várias unidades de negócios. Abrimos uma editora musical, algo que não tínhamos. Uma nova frente que funciona muito bem dentro do nosso ecossistema. Só foi possível porque tivemos de parar tudo durante a pandemia. Nossa loja também voltou forte desde 2020. Atacamos por esses lados.

O festival cresceu depois que foi para o Tokio Marine Hall, são 1.200 pessoas a mais. O ano passado foi o maior da história do Balaclava em eventos internacionais. Estou muito feliz em como a gente conseguiu estruturar isso, com passos bem-medidos e risco calculado. Somos independentes, não podemos tomar um tombo muito grande. Estou muito feliz com como a gente tem conseguido estruturar isso.

Quais foram os melhores shows da história do Balaclava Fest?

Fernando Dotta: Slowdive!

Rafael Farah: Sim, Slowdive, puta show!

Fernando Dotta: O do Ride

Rafael Farah: Mac DeMarco. Foi muito icônico.

Fernando Dotta: American Football também foi muito, muito especial!

Rafael Farah: Fleet Foxes, para mim, um negócio bom demais!

Fernando Dotta: Cara, e por mais que tenha sido muito pequeno, o Mac McCaughan, porque ele foi o primeiro artista a topar. Foi a primeira edição do festival no Centro Cultural São Paulo, e a gente lançou um álbum solo dele no Brasil, licenciado pela Balaclava. A essência do seu trabalho, com o Superchunk e a Merge Records, foram uma extrema inspiração pra gente. Isso deu um baita gás pra nós.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.