Obra do artista plástico está exposta no projeto Museu de Arte Urbana de Belém (MAUB)
Ilustrando as ruas e suportes de Manaus (AM) há 25 anos, Alessandro Hipz é um artista plástico muito politizado. Iniciando sua trajetória como grafiteiro, ele tornou-se também muralista e artista visual. Seu mais recente trabalho ocorre em Belém/PA e faz parte da terceira edição do Museu de Arte Urbana de Belém (MAUB), uma exposição street art que ocorre na cidade desde 2021, democratizando a arte e ocupando lugares públicos.
Neste ano, o projeto acontece em parceria com o Museu Paraense Emílio Goeldi e revitaliza os muros do Parque Zoobotânico e a fachada dos prédios do Campus de Pesquisa, tornando-os uma galeria de arte urbana a céu aberto em Belém. Os trabalhos dos 19 artistas, incluindo o do manauara, retratam fauna, flora, arqueologia, heranças afro-amazônicas, saberes indígenas e biodiversidade, bem a tempo da COP30, que chega a cidade em novembro.
O mural de Hipz retrata e exalta a figura da mulher do Norte, assim como a maioria de suas obras. Sua pesquisa artística é muito pautada pela etnografia. Mas ainda há grande influência do hip-hop em sua arte.
“Essa foi a minha segunda participação no Museu de Arte Urbana de Belém. Estive na edição passada, esse ano fui selecionado novamente, e foi uma edição especial de ocupação do museu, que tem uma simbologia muito grande para a cidade. O museu tem um acervo etnográfico grandioso, e o meu trabalho tem um pouco dessa pegada etnográfica de vivências na Amazônia. O meu processo artístico nasce dessas vivências, com pessoas conhecidas ou não”, contou ao Music Non Stop.
“Nessa obra, eu quis trazer um pouco também sobre a tecnologia ancestral. Às vezes, quando falamos de tecnologia, a gente se remete à Inteligência Artificial, algo computadorizado, que também uso bastante no meu trabalho. Mas, para além de isso, as tecnologias ancestrais, o quanto elas nascem e vão evoluindo de alguma forma. Nesse mural, por exemplo, os remos em marchetaria foram a base. Foi uma forma simbólica de mostrar um pouco da tecnologia ancestral.”
Levando cerca de nove dias, Hipz produziu o mural de 42 metros por 42 de largura e por 3 de altura. E mesmo mantendo uma relação intensa com o sol, por ser manauara, o artista viveu dias massificantes em Belém. Mas era presentado com chuvas no fim da tarde.
“Eu sempre trabalho com fone de ouvido, consigo me conectar mais com o que estou fazendo. E eu ouço muito o hip-hop dos anos 2000. Enquanto eu estava pintando o mural em Belém, eu estava ouvindo muito o Clã Nordestino, que é um grupo maranhense dos anos 2000. A faixa Regando Flores tem um som político-social, e isso foi algo presente nesse mural. Mas gosto muito também de Black Allien, Don L, Djonga, Froid…”
Alessandro Hipz. Foto: Bruno Carachesti/Divulgação
Autodidata, ele iniciou sua carreira no grafite, com um olhar sempre atento à realidade, retratando personagens que, muitas vezes, são pessoas de seu convívio. Ilustrando as ruas de Manaus desde 2001, a Amazônia que Hipz retrata é urbana, mas sem perder a ancestralidade.
“O hip-hop teve uma grande importância na minha formação artística e pessoal. Conheci o grafite dentro do movimento, no início da adolescência, no ambiente escolar. E isso me fez me situar no mundo, me ajudando a entender o meu local de pertencimento, minha identidade, e como é ser amazônico, as dificuldades que temos geograficamente. Como costumamos falar por aqui, a gente faz parte da periferia do Brasil. Estamos, de alguma forma, exclusos dos grandes centros, o que gera inúmeras dificuldades de circulação”, continua Alessandro Hipz.
“E o hip-hop nasce nas periferias. Essa formação que ele me deu enquanto ser humano, que me situa no território no qual faço parte, me faz querer compreender mais a minha identidade de ser amazônico e me estimula a ter a compreensão de entender nossa cultura, nossos costumes. Isso reverbera muito na minha arte. Falo muito dos povos da Amazônia de um modo geral, porque é justamente isso que eu busco: mostrar um pouco do nosso costume e das nossas vivências. Minha força artística, social e política foi desenvolvida nesse lugar.”
Alessandro Hipz. Foto: Bruno Carachesti/Divulgação
Levando a poesia da Amazônia para as ruas, Alessandro tem como elementos simbólicos o peixe, a mulher e a vida rebeirinha, numa abordagem cheia de dignidade e beleza. Essa manifestação artística é a forma que o manauara teve de retratar comunidades e povos marginalizados, historicamente silenciados. Estampar a realidade social em arte é dar oportunidade de expressão. É dar voz a quem está no silêncio. Não tem nada mais hip-hop que isso.
As obras de Alessandro Hipz, And Santtos, Cely Feliz, Kekel, Graf, Wira Tini, Deco Treco, Wes Gama, Ayala, João Nove – Digital Orgânico, Éder Oliveira, Chico Ribeiro, Alex Senna, LENU, Dudi Rodrigues, Dedéh Farias, Amanda Nunes, Dannoelly Cardoso, e a dupla Gabz e Tsssrex ficarão expostas nos murais de Belém por cerca de um ano. O processo curatorial foi conduzido por William Baglione, fundador do coletivo Famiglia e participante do MAUB desde 2023.
“Foi um grande desafio, mas a gente conseguiu executar o trabalho e entregar. Acredito que pelo retorno tido durante o processo, muitos comentários afetuosos, muita gente parando para elogiar e entender o trabalho, foi algo bem marcante e interessante, que vou levar para a vida como um dos murais com que eu tive o maior retorno do público constantemente”, finaliza Hipz.