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Entenda por que fka twigs, Björk e outras divas devem suas carreiras à banda oitentista Cocteau Twins

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O Cocteau Twins nunca foi de tocar muito nas rádios nem de encher estádios mundo afora. Quase sempre preenchiam os intervalos de tempo da velha MTV. Não venderam os tantos milhões de discos que a indústria exigia. Em vez disso, eles calmamente fizeram uma mudança fundamental na percepção da música, exercendo uma influência seminal que é universalmente sentida, mesmo depois de completar 19 anos que a banda decidiu parar, em 1997, pondo um fim a uma história de 15 anos juntos e 8 álbuns oficiais.

Eles são um fenômeno atemporal. Não porque influenciam até hoje toda e qualquer girl band de voz aguda e timbre infantil, não porque Björk bebeu muito nessa fonte ou The Cranberries seja sua versão pop elevada à quinta potênica – ou até mesmo porque as atuais divas indies Fka Twigs ou Grimes poderiam muito bem ser consideradas uma espécie de Liz Frazer contemporâneas.

O CT está entre os poucos artistas cuja música resiste ao tempo e absolutamente tudo deles soa fresco e novo como se tivesse sido registrado ontem. Seus devotados fãs (antigos e novos) são muito mais que fãs, são discípulos da ordem “Cocteauana”, que, quando podem (como este que vos escreve), não medem adjetivos, elogios e escrevem uma matéria de joelhos no milho por ter acompanhado em tempo real (sim, estou velho!) a trajetória da banda.

Cocteau Twins nasceu na Escócia em 1981 e tinha na sua formação inicial Elizabeth Fraser (vocalista/ letrista), seu companheiro, Robin Guthrie (guitarra), e o amigo Will Heggie (que participou como baixista apenas no primeiro álbum da banda, sendo substituído depois por Simon Raymonde).

Garlands,  o primeiro álbum, de 1982, nos apresentou a um som esquisito, num disco não muito fácil de digerir lançado pela não menos cult-indie-incrível gravadora inglesa 4AD. O álbum tem forte influencia pós-punk, mas é definido pela critica como um disco de ethereal waveLiz Phraser ainda buscava seu melhor timbre e disputava com as guitarras dark e nervosas do disco a atenção dos ouvintes. Destaque para as faixas Shallow Then Halo, Wax And Wane e Blind Dumb Deaf , além da faixa que dá nome ao álbum. Garlands não desce fácil e aconselho aos ao novatos de CT deixar esse álbum para o final da audição na discografia.

Shallow Then Halo – Cocteau Twins (1982)

Liz, como é chamada pelos fãs, tem um estilo vocal único, angelical e misterioso. Voz de sereia, hipnótica, relaxante, quase lírica, mas com guitarras no DNA, ela compunha letras indecifráveis, motivo de muito debate ao longo dos anos – uns dizem que, devido ao alcoolismo, ela nunca lembrava das letras e saia juntando os fonemas mais melódicos, outros dizem que ela criou um dialeto próprio que se repete em algumas músicas. A própria Liz tem feito a “Kátia cega” (neste caso, surda) e muda de assunto quando indagada sobre esse fato, nas poucas entrevistas que já deu (melhor manter o mistério, né?).

Em 1983, era lançado Head Over Heels, segundo álbum da banda. E como esse intervalo de um ano fez diferença na sonoridade da banda! As guitarras de dedos ensanguentados diminuíram e pareciam cicatrizar, dando lugar a uma música com textura mais densa e mais destaque para a voz de Liz e suas letras incompreensíveis. Já podíamos ouvir claramente o que seria a sonoridade marcante do grupo em faixas como Five Ten Fiftyfold

… e Sugar Hiccup

… que pareciam anunciar que algo muito maior e influente estaria prestes a nascer nos próximos álbuns.

Há um detalhe crucial sobre Head Over Heels, que vai além da música. A arte da capa do disco, feita por Vaughan Oliver e Nigel Grierson, também conhecidos como 23 Envelope, foi a primeira a ajudar na formação da estética visual do grupo. Essa estética espelhava o conteúdo sonoro dos discos como poucas artistas conseguiram. Os tons glaciais, imagens que parecem líquidas e congeladas, gotas d’água que caindo aleatoriamente, dando um ar etéreo e abstrato, tudo já dava uma ideia do som que estava prestes a ser degustado pelo ouvinte.

Mas foi em 1984, com o terceiro álbum, Treasure (que figura em quase todas as listas de discos mais importantes e influentes de todos os tempos), que o CT entrou para a história da música definitivamente. Da era Garlands-pós-punk pouco sobrou e muito menos dos heróis alternativos e enigmáticos de Head Over Heels. Agora eles tinham aumentado a quota de dream pop para fazer um álbum mais do que perfeito. Todas as faixas são encharcadas de sonhos victorianos e de quebra ainda criaram o famoso som de flange na bateria – coisa que vários tentaram imitar sem sucesso.

Lorelei – Cocteau Twins (1984)

Em Treasure, já com a ajuda de Ivo Watts-Russell como coprodutor e dono da 4AD, eles são possivelmente o exemplo perfeito de uma banda que habita seu próprio universo hermeticamente selado. A voz de Liz chega a ser algo sobrenatural, uma mistura de lírico e etéreo, misturando o emocional e o racional, evocando nostalgia, tristeza, e  vertigem.

Beatrix – Cocteau Twins (1984)

Foi em Treasure que a “voz de deus” (como fãs e críticos costumavam chamar a voz de Liz) se tornou a marca maior do CT, e Liz realmente inventa sua própria língua aqui. Existem várias expeculações sobre os nomes das faixas de Treasure (todas são nomes de pessoas). Mas no final, como acontece no decorrer de todos os seus discos, mais parece que os títulos foram escolhidos depois das músicas prontas, mais pela sonoridade e musicalidade do que pelo seu significado. Talvez seja ele o maior tesouro que o CT nos deixou.

Victorialand, de 1986, retira qualquer possibilidade de o CT de ter sido algum dia um grupo de rock. Nas 9 faixas do álbum (nota-se a quase e total ausência da bateria, deixando ainda mais o álbum lento e introspecitvo), eles criam algo completamente original (talvez o álbum pai do chillin, chillout, lounge e música de meditação. Liz parece recitar liricamente lamentos em seu particular idioma por cima da camadas de uma música pra lá de atmosférica e relaxante.

Conceitos como heavenly e eterheal são elevados à máxima potência. A faixa Lazy Calm,  que abre o álbum com seus quase 7 angelicais minutos, flui preguiçosamente como uma caricia nos nossos ouvidos. Throughout The Dark Months Of April And May tem elementos quase barrocos, como arpas e Liz mais lírica que uma Maria Callas numa paisagem gélida.

Lazy Calm, Cocteau Twins (1986)

Victorialand cimentou a reputação do Cocteau Twins: leveza, delicadeza, emoção, anjos, velas e incenso. O álbum mais delicado é perfeito para colocar de madrugada e ver o amanhecer nascer com um sorriso no rosto.

Com mais um hiato de dois anos, em 1988, vem o quinto álbum, Blue Bell Know, onde Liz parece falar não mais um dialeto, mas outra língua intraduzível. Os títulos das músicas são impronunciáveis. A volta da bateria e das guitarras, com Liz mantendo todo o lirismo vocal, deixa Blue Bell Know mais glorioso ainda.

Mesmo sem oferecer nenhuma novidade sonora (como vinha acontecendo nos álbum anteriores), eles incluíram elementos bem eletrônicos provenientes de sintetizadores, mas sem perder a veia acústica. Carolyn Fingers é talvez a mais emocionante música deste álbum (chegando a parecer um b-side de Treasure). Liz eleva sua voz aos céus e faz você sentir arrepios na coluna vertebral.

Carolyn Fingers – Cocteau Twins (1988)

Destaques para The Itchy Glowbo Blow, que fecha o “lado a” do vinil, Cico Buff, que abria o lado B, e A Kissed Out Red Floatboat (bem eletrônica), talvez um fio condutor para o próximo álbum, Heaven Or Las Vegas, de 1990 (que no Brasil saiu pelo selo nacional Stiletto), álbum que marca o final do casamento do CT com o selo 4AD.

Talvez Heaven… seja o álbum mais comercial do CT, por ter uma sonoridade mais pop. Sempre indico esse álbum para alguém que queira conhecer o CT; ele é melódico, fofo, bonito, carrega a essência dos anos 80 (ainda) em todas as suas faixas, é coeso e poderia ate se chamar Treasure parte 2, porque é uma coleção primorosa de grandes melodias da banda. Sinta o poder do CT ouvindo o álbum inteiro de uma vez.

Heaven Or Las Vegas – Cocteau Twins (1990)

Três anos depois e já fora da 4AD (agora pela Fontana/Capitol Records), eles lançam seu penúltimo álbum, Four-Calendar Café, momento de transitar de banda indie para um som mais pop rock. Liz, mesmo lírica, veio desta vez falando uma língua que quase se entende.

Apesar de estarem numa gravadora grande, eles mantiveram a essência e o lirismo em Four-Calendar Café. A faixa Bluebeard é uma prova disso; pura poesia. O álbum é um dos mais fáceis de digerir para novos fãs, e o mais próximo de uma sonoridade comercial que eles puderam chegar. Mesmo assim é belíssimo do início ao fim.
Bluebeard – Cocteau Twins (1993)

O último álbum da banda, Milk & Kissses, de 1996, também pela Fontana/Capitol Records, mesmo não tendo sido concebido como o derradeiro, é um disco consistente e forte, com o velho pop ambient sonhador que marcou toda a trajetória da banda. Impossível ouvir Serpentskirt e não se emocionar, assim como acontece quando se ouvem as faixas Seekers Who Are Lovers e Rilkean Heart, na qual o lamento de Liz é tocante.

Serpentskirt – Cocteau Twins (1996)

11 CURIOSIDADES E MOTIVOS PRA VOCÊ MONTAR UM ALTAR DO COCTEAU TWINS EM CASA

1. O projeto coletivo da gravadora 4AD, This Mortal Coil, traz a participação de
Liz em duas faixas no primeiro álbum, It’ll End In Tears (de 1984). Liz regravou duas covers, Song to the Siren, de Tim Buckley e Another Day, de Roy Harper . Simon Raymonde e Robin Guthrie participam em quatro faixas do disco como instrumentistas.

Song to the Siren – This Mortal Coil

 

2. Em 1986 (entre Treasure e Victorialand), o Cocteau Twins junto com o músico Harold Budd lançou o álbum ambient The Moon And The Melodies (é praticamente um álbum extra do CT).

Eyes Are Mosaics – Cocteau Twins ft Harold Budd

3. Singles (em vinil, CD e até disquete) são inúmeros. Mas o box set Cocteau Twins Singles Collection traz todos os singles em CD (até a era Heaven on Las Vegas), além de um CD com extras.

4. Tá com preguiça de ouvir toda a discografia? Indicamos três coletâneas que resumem bonitinho a obra completa:  Lullabies To Violaine – Volume 1 e 2 e o CD duplo Cocteau Twins – BBC Sessions.

5. Em 1990, Liz participou do EP solo Candleland de Ian McCulloch do Echo & The Bunnymen. Chorem.

Candleland – Ian McCulloch feat. Liz Frazer

 

6. Em 1997 Liz gravou a balada This Love no álbum The Space Between Us do músico Craig Armstrong



7. Em 1998, ela soltou o gogó em três faixas do hypado álbum Mezzanine do Massive Attack
, incluindo o hit Teardrop – acho que dá pra dizer que é uma das músicas mais bonitas de todos os tempos, não?

8. Liz particiou do projeto Ovo de Peter Gabriel em duas faixas: Downside Up e Make Tomorrow, um controverso projeto conceitual que tratava da comemoração da chegada do novo milénio.

9. Você também irá ouvir a voz da sereia na trilha sonora dos filmes O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel e O Senhor dos Anéis: As Duas Torres.

Elizabeth Fraser – Lament For Gandalf (Lothlorien)

10. Em 1995, o Cocteau Twins lançou dois EPs, Otherness e Twinlights, ambos sem nehuma inédita. Twinlights é praticamente um EP unplugged com quatro músicas, onde Liz é acompanhada por um piano e um quarteto de cordas. É algo surreal de bonito.

Cocteau Twins – Pink Orange Red (Acoustic Version)

11. Último trabalho de Liz foi o single Moses de 2009. Lindo, não?

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