Em plena forma, Depeche Mode faz Allianz Park virar karaokê em noite de capuchas e fãs enlouquecidos
TEXTO CLAUDIA ASSEF
FOTOS MARCELO ROSSI
A terça-feira amanheceu com previsão de chuva em São Paulo, mas nenhum dos 25 mil fãs do Depeche Mode, ansiosos e com ingresso na mão, amarelou na missão de assistir ao show de uma das (senão a maior) bandas mais importantes do planeta. De capucha, galocha, estávamos todos lá, muitos chegaram inclusive a tempo de pegar bela apresentação do produtor paulistano Gui Boratto, um dos grandes gênios da música eletrônica brasileira.
Passava das 21h quando ouve-se Revolution, hino dos Beatles, saindo pelo potente sistema de som montado para a Global Spirit Tour, turnê que literalmente vem deixando fãs do Depeche do mundo inteiro mais felizes nos últimos meses. Anunciado há cerca de um ano, o show de São Paulo foi quase sold out. Vendeu 24.700 dos 25.000 colocados à venda.
Nada mais justo começar com Beatles. É justo dizer que o Depeche Mode, assim como os Fab Four de Liverpool, chacoalhou as estruturas do mundo com suas músicas de mensagens fortes e tonalidade melancólica. Foram e ainda são oráculo de várias gerações e isso estava nítido quando se passava os olhos no público presente no show de São Paulo; havia desde fãs do início da carreira do Depeche, já grisalhos e maduros, até adolescentes. Uma banda com tantos hits vira mesmo uma espécie de religião, por isso boa parte do rebanho estava devidamente uniformizada com camisetas pretas de procedências diversas, das nitidamente made by camelô até as bonitonas (e caras) vendidas nas várias lojinhas oficiais espalhadas pelo estádio.
E quando se fala em fãs do Depeche Mode estamos falando em milhões. Só na primeira parte desta turnês, que passou por 32 cidades em 21 países europeus, o público presente foi da casa de 1,5 milhão de pessoas.
Com os membros fundadores do Depeche, Dave Gahan, Martin Gore e Andy Fletcher à frente, acompanhados dos músicos Peter Gordeno e Christian Eigner, o show tem como base o disco de estúdio Spirit, de 2017, o primeiro do Depeche desde Delta Machine, de 2013. Um álbum com peso e personalidade, apesar de todo mundo sempre querer ouvir os velhos hits.
O coração já veio à boca quando a banda subiu ao palco tocando Going Backwards, trazendo os integrantes originais numa pegada bem diferente daquela que vimos no show do Olympia, em São Paulo, em 1994, quando o Depeche atravessava sua fase mais complicada; os integrantes mal se falavam e o vocalista, Dave Gahan, estava pesadamente viciado em heroína – ele chegou a morrer por alguns minutos. Martin Gore também sofria, na época, de instabilidade emocional e só viajava acompanhado de seu psicólogo.
Essa fase deprê ficou para trás, felizmente, e pudemos ver o trio original totalmente em forma, com aplausos adicionais a Gahan, que não só largou o vício como superou um câncer. A cada música, ficava mais claro que sua voz continua firme e maravilhosa, e, fisicamente, ele mantém o vigor de uma moleque. Gore segue marrento e tira da sua guitarra Gretsch aqueles dedilhados que arrepiam até o último fio de cabelo da sua nuca. Que dupla de frente!
A chuva não dava trégua alguma, mas isso não era motivo para desanimar nem fãs e muito menos a banda, que mostrou que tem anos de atividade pela frente, fácil. As músicas do novo disco vão muito bem ao vivo, obrigada, mas é com as velhinhas que o povo chora, se abraça, joga o copo de cerveja pra cima, perde a compostura. A banda sabe disso, e entrega em todos os shows um belo lote delas. Obrigada, Depeche.
Então não foram poucos os momentos de perder a noção e cantar junto, mesmo que num inglês de quem faltou mais do que foi ao Fisk. World In My Eyes – me soprou no primeiro segundo da música o meu comentarista particular, Gui Boratto, um dos amigos com que assisti ao show. Hitaço! Depois vieram mais tiros, e de canhão: Everything Counts,
Stripped, Enjoy the Silence e Never Let Me Down Again pra terminar a primeira leva de quase infartos. A volta do bis veio pra pegar mais pesado ainda: Strangelove, Walking in My Shoes, A Question of Time e Personal Jesus.
Ao final de quase duas horas debaixo de chuva vendo uma das bandas mais potentes do planeta tocar ao vivo no quintal de casa, constatei que não morri. Mas encontrei Jesus. E eles são três, confira: