Ella De Vuono. Foto: RECREIOclubber/Divulgação

Conversamos com Ella De Vuono sobre sua carreira, o cenário atual e seu último single, Assédio

Jota Wagner
Por Jota Wagner

A DJ e Produtora Ella de Vuono alia competência e talento com posicionamento e atitude, tão necessários atualmente para artistas que realmente entendem sua função neste mundo: mudá-lo.

O Music Non Stop conversou com Ella e o resultado deste papo interessantíssimo você lê agora. Divirta-se!

Papo reto e necessário com Ella De Vuono

Music Non Stop: Rafa! Tudo bem? Você sempre foi uma artista muito enérgica, que chama a atenção pela performance nos palcos… imagino que esse momento off tem sido bem difícil para você. Como você tem trabalhado a sua rotina e o lado emocional?

Ella De Vuono: Oie!!! Obrigada pelo convite. Pois é, tem sido difícil, mas foi bem pior no início, passei os primeiros dois meses em depressão. Minha rotina, tirando o fato de não ter nem eventos, nem aulas presenciais e ter uma renda menor, continua bem como era: trabalhando 24/7 para minha carreira.

O lado emocional sempre cuidei com terapia, mais para entender o quê se passa dentro de mim e como posso lidar com certas situações, por exemplo: a falta de perspectiva, algo novo em minha vida. Além disso, estou sempre em contato com as pessoas mais importantes de minha vida e tenho o privilégio de passar a maior parte dos dias fazendo o que amo.

MNS: O ano de 2020 estava sendo marcado como seu start na produção musical. Teve o lançamento de assédio, que reverberou muito bem, e mais outros três singles, o último inclusive pelo Warung Recordings. O que mais você tem guardado por aí?

Ella:Na verdade não foi meu start na produção musical, foi ano em que lancei músicas que fiz há alguns anos, pois entre fazer uma música e lançá-la, existe um abismo.  Eu tenho bastante tracks, mas a real é que tem muita coisa eu não sinto vontade de lançar neste momento, pois foram feitas para a pista de dança e o grande propósito delas é o horário de pico de uma festa e não temos nem clima para isso, então meus planos de lançamentos foram adiados. Mas ainda deve rolar mais três lançamentos esse ano, um inclusive, de uma compilação com vários artistas que eu mesma selecionei para um label babadeira.

MNS: As gigs presenciais e o contato direto com o público foram, por tempo indeterminado, substituídas pelas transmissões ao vivo. Recentemente você integrou até mesmo um line up que era majoritariamente constituído pela cena mainstream. Conta um pouco pra gente como foi essa apresentação…

Ella: Se preparem que lá vem textão [risos]. Foi uma experiência muito louca, inesquecível. Eu sempre fico muito nervosa antes de subir no palco e desta vez eu fiquei muito mais! Acredito que o fato de ser filmado influencia muito, do tipo: se acontecer algo de errado, está tudo gravado.

Outra coisa é o clima, como eu citei na resposta anterior: não tem vibe pra festa, eu não me sinto confortável. É meu trabalho? Sim. Mas o clima está pesado, todos estamos tentando seguir em frente, mas não consigo relaxar.  Ainda mais porque no lugar da pista, tinha uma equipe de filmagem e transmissão, toda mascarada e séria. Então foquei na técnica, nos equipamentos e não olhei muito pra frente não…

Eu fiz um set 100% com músicas de artistas que fazem parte de uma categoria, que eu detesto o nome por sinal, mas chamada de minoria. Além das minhas produções, as tracks eram de artistas negros, transsexuais, homossexuais, mulheres, pioneiros e artistas independentes. Levantei bastante o questionamento de sempre os mesmos nomes ocuparem os line ups e também do quão absurdo é ver os DJs/produtores mais famosos do Brasil sem moverem uma palha para ajudarem artistas independentes.

E o mais incrível foram os feedbacks, todo mundo gostou muito, fui muito elogiada pelo meu posicionamento e os próprios produtores do evento, que costumam fazer eventos mainstream, me disseram que estão tentando mesclar mais. E eu acho que a mudança tem que partir daí, dos curadores, de quem fomenta a cena.

MNS: Teve também aquela live com o Tessuto realizada em parceria com a Prefeitura de São Paulo. Você tem visto outras ações ou iniciativas que têm ajudado a classe artística neste momento?

O que eu tenho visto são as próprias festas ou clubs, fazerem as ‘Zoom parties’ com venda de ingresso pela Sympla. Daí tem rolado uma graninha, a Capslock fez, o Caos também, Gop Tun… Enfim, isso tem ajudado. Não entra nem um quinto do cachê de uma gig, mas ainda assim é alguma coisa.

Então é mais a galera do meio, sabe? Como eu falei anteriormente, eu fico indignada de ver DJs/produtores famosos, com fila de patrocinadores, não arrecadando nada para essa classe artística. A gente já vivia no perrengue antes, pois os cachês sempre eram menores, a quantidade de festas também. Agora, então, ou estamos vivendo de ajuda da família e amigos, ou têm muitos que tiveram que interromper suas carreiras para fazerem bicos e botar comida no prato.

Todo artista grande já foi pequeno um dia, mas me parece que eles se esqueceram de onde vieram…

MNS: Apesar de serem mundos distintos, não podemos ignorar o mainstream e vice versa, união sempre. Fazendo uma reflexão, o que de melhor podemos tirar dessa cena?

Ella: Eu acho que não podemos enxergar como uma guerra e sair distribuindo ódio. Estamos todos ali pela música, pela vibe, pela dança, para se divertir. No fim das contas eu acho que ambos deveriam se abrir mais, serem menos restritos. Ou seja, o mainstream fica muito restrito à popularidade do artista e daí repetem sempre os mesmos nomes e não abrem espaço para um artista menor mostrar seu trabalho.

Para entrar num line up mainstream, o artista já tem que ter 100k de seguidores em tudo ou ter um hit estourado nas paradas. Por que não arriscam mais e apostam em um som que eles gostam de ouvir quando saem para se divertir? O que eu mais ouço da galera que trabalha com mainstream é: ‘eu não gosto desse som, aqui é onde eu tiro minha grana, mas quando eu saio para curtir eu vou mesmo nas festas underground’ Pô! Arrisca colocar um nome do underground no seu line up também…

E o underground é muito restrito ao som, não pode tocar um tech house que ‘nossa, é comercial, saia já daqui’. Não é porque o estilo é popular que ele é ruim e nem porque é underground que é bom. Já conversei com alguns DJs que têm medo de tocar um certo tipo de som e ser tachado como comercial em algumas festas. Música boa existe em qualquer esfera.

MNS: Há algum tempo atrás lemos que a média global dos lineups divididos entre homens e mulheres era de 80-20 e que aqui no Brasil esse número era menor ainda. Da sua ótica, essa mudança tem acontecido, mesmo que de forma gradativa?

Ella: Tem! É pouco ainda, mas já tá rolando uma situação irreversível, que é: vai pegar mal se só tiver homem nesse line. Por mais que muitos ainda não entendam, eles acabam abrindo esse espaço para não pegar mal mesmo.  Ainda não é o ideal, mas é por aí que começa…

E essa conscientização tem que envolver não só mulheres, mas negros, trans, pioneiros… Quantos artistas que têm aí 30 anos de carreira e têm dificuldades para entrar nos line ups? É preciso tornar os lines mais mistos, pois tem muito artista sensacional dentro das minorias. Que fique claro: minorias em direitos e oportunidades, não em quantidade.

MNS: agora mais sobre você… no seu Instagram têm rolado algumas “entrevistas” através do Proseando, já teve L_cio, Euvira, Camilo Rocha… O papo em geral é sobre o que?

Ella: Essas lives que rolaram já foram muito legais e a próxima pretendo fazer com a Silvia Campi, artista plástica e responsável pelas minhas makes mais bafônicas!

A Proseando, como o próprio nome já diz, é mais uma prosa mesmo do que entrevista. A ideia não é o convidado falar sobre o trabalho dele, mas sim mandar a visão dele sobre diversos temas. Com o L_cio, por exemplo, proseamos sobre feminismo e estados extraordinários da mente.  Eu acho divertido os convidados contarem histórias e também darem dicas de livros, filmes, álbuns. No fim, é mais para descontrair e aprender mesmo.

MNS: Bom, para fechar, então, que tal indicar algumas mulheres fodas que devemos acompanhar de perto o trabalho? Pode ir além do campo DJ/produção… Valeu, Rafa!

Ella: Uma mulher foda que eu sempre falo é a Silvia Campi, artista plástica e tatuadora, ela arrasa muito na sensibilidade dos desenhos. Sou fã e tô ansiosa pelo proseando com ela!

Outra é a Elisa Audi, que é DJ e produtora e tem um projeto paralelo com a baixista Krys Freitas chamado Mandala Vermelha. Elas criam umas músicas sensacionais, acredito que ano que vem elas lancem um álbum.

A Veridiana Weinlich, cantora e compositora, uma poeta de sensibilidade ímpar, suas letras são profundas e suas músicas tocam a alma.

E pra fechar a Aretha Sadick, atriz, modelo, performer e cantora também. Sou fã dessa musa, ela é realmente inspiradora em qualquer ramo da arte que se apresente.

 

Ella De Vuono

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Fotos: Recreio Clubber

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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