Kraftwerk Kraftwerk – foto: divulgação

Kraftwerk consolida sua arrogância simpática ao finalmente entrar no Rock’n’roll hall of fame

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Depois de 6 negativas, o grupo alemão Kraftwerk, uma das mais influentes bandas do mundo, foi admitido no Rock’n’roll Hall Of Fame. Quem ganha mais com isso?

Perguntado sobre que achava do fato do skate ser admitido como esporte olímpico,  o superstar das rodinhas Tony Alva respondeu: “eles precisam de nós mais do que nós precisamos deles”.

Fato. Um esporte que se organizou e se solidificou sozinho, após lutar por décadas contra o preconceito, e se transformou em negócio gigantesco e lucrativo sem perder grande parte da sua alma original, rueira, onde a competitividade e a excelência ficavam abaixo da diversão e do estilo, tinha muito mais a oferecer a um evento que via seu público envelhecer do que o contrário.

Vimos algo análogo acontecer esta semana na edição do Rock’n’roll Hall Of Fame. Os fundadores da associação que criou a cerimônia andam preocupados também com o envelhecimento de seu motoclube de ouro e têm tomado medidas para dar mudar as velas, corrigir algumas injustiças e mover-se na velocidade da pulga.

Seis “nãos” para um “sim”

O Kraftwerk, co-criadores do mundo como o conhecemos ao lado dos Beatles, foram indicados para ganhar sua pulserinha para o hall da fama nada menos do que seis vezes e recusados pela comissão curadora. Este ano, na perseverante sétima tentativa, foram finalmente admitidos.

Ninguém, fundador ou integrante da banda (os vivos, claro), compareceram ao evento. E isso não foi problema para ninguém. O Kraftwerk inventou a “arrogância simpática”. Qualidade que ninguém jamais conseguiu reproduziur, apesar de muito terem tentado.

Andei comentando sobre os dois shows do quarteto alemão que vi no Brasil. Eles foram tratados pelo público como os Beatles. Gritaria histérica do momento em que as batidas de Numbers começaram a sair do soundsystem (sem eles estarem nem no palco ainda), até a música final.

Nenhum “boa noite”. Nenhum “thank you”. Nenhum “we love you brazzeeeeel”. Nada. Nem um sorriso sequer. E ainda assim, foram os caras mais carismáticos em cima de um palco que eu já pude testemunhar.

Pausa para outra história do mundo da música. Reza a lenda que o pessoal da  jovem-guarda, ao ser perguntado porque odiavam os Mutantes, respondiam:  “nós não gostávamos dos Mutantes porque eles se achavam muito melhores do que nós. E nós sabíamos que eles eram mesmo”.

A gente é f#$a e sabe disso

Florian Schneider e sua turma sempre tiveram completa ciência da importância do que estavam fazendo. Do tamanho do robô. Além deles, o mundo todo da música sabe. Sempre soube, aliás.

“Eu acho que o Hall Of Fame deveria criar um outro hall, destino àqueles que criaram um gênero musical” – disse Pharrell ao apresentar o Kraftwerk na cerimônia – “porque este é o lugar a qual eles pertencem”. Simples assim.

E então, a banda que raramente dava entrevistas, quase nunca iam a programa de TV e inventaram uma espécie de “marketing do mistério” na indústria música, finalmente é admitida no Rock’n’roll Hall Of Fame.

E eles não estão nem aí. Muito menos o resto do planeta.

Mas para a o evento, para o hall da fama, a importância é gigantesca. Os outros grandes artistas, ícones da música agora podem falar que estão ao lado do Kraftwerk em algum lugar.

Na cerimônia, a banda foi saudada pelos caras do Depeche Mode, Human League, o próprio Pharrell, Run DMC e LCD Soundsystem, seguindo um protocolo de boas-vindas que os artistas admitidos sempre ganham no evento.

Quem ganhou mais?

Eu fico aqui pensando, se na cabeça engenheira dos integrantes do grupo (tanto os que estão aqui quanto os que já se mudaram para alguma estação espacial por aí), eles não estão até meio desapontados com o que aconteceu este ano. Imagino, no rosto do próprio Schneider, um sorriso irônico (sim, eles sorriem, como soube por uma testemunha ocular, o jornalista Tom Leão) em ver o Hall of Fame, este gigante monumento da música, existir sem o Kraftwerk.

Kraftwerk em Nova Iorque

Show de gravação do videoclipe de Pocket Calculator – foto: reprodução Youtube

No entanto, nunca podemos criticar quem corrige um erro. Ou neste caso, seis. Que o Rock’n’Roll Hall Of Fame faça um ótimo proveito da nova aquisição. Que as ondas eletroplásmicas que agora interferem pelo “hall” tragam a todos os seus colegas artistas toda a leveza, toda a provocação e toda a musical que por tantos anos embebedou a nós jornalistas, a nós músicos,  a nós fãs.

Afinal, O Kraftwerk criou, antes mesmo de lançar seu primeiro disco, seu próprio hall da fama. Era seu estúdio, o Kling Klang (que não tinha telefone nem campainha) e onde ninguém, além deles, podia ser admito.

E eles adoravam isso.

E o resto dos artistas do mundo também.

E nós também.

 

 

 

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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