Já falei en passant aqui sobre o novo disco do Tetine, From A Forest Near You. O álbum, físico e virtual, saiu em 8 de fevereiro, apenas duas semanas depois de outra “obra” da dupla Bruno Verner e Eli Mejorado ter chegado ao mundo, a baby Yoko.
A dupla de brasileiros radicada em Londres há dez anos investiu em sonoridades que remetem a Brian Eno, kraut rock e pós-punk num disco “bastante eletrônico com contrapontos de guitarra, baixo, sintetizador e muita percussão”, diz Bruno. Contando as coletâneas e EPs, From A Forest Near You é o 14º lançamento da dupla.
Pra você entender rapidamente a importância deste casal que adora subverter a ordem das coisas, hoje eles estão entre os artistas brasileiros mais estabelecidos na música vivendo fora do Brasil (claro que estamos falando do cenário mais underground). Não raro eles são chamados para tocar em celebrações em louvor brazuca em museus, como a apresentação que rolou na abertura da exposição Tropicália, no Barbican Centre, em Londres.
Formado em 95 em São Paulo, o Tetine une música eletrônica, pós-punk, funk carioca, e o que mais vier à cabeça musicalmente, com arte visual e teatro. Isso graças à química entre a dupla Bruno (que veio do universo do pós-punk) e Eli (atriz e artista visual).
Esse “plus a mais” faz com que eles consigam transitar do clube Vegas, na Augusta, ao Palais de Tokyo, em Paris, sem precisar mudar radicalmente suas personas. Na última vez que esteve em São Paulo, por exemplo, o Tetine fez show de abertura da exposição Cuide de Você, da artista francesa Sophie Calle (com quem a dupla fez o disco Samba de Monalisa), e depois tocou em inferninhos, como a Livraria da Esquina, na Barra Funda.
Em meados dos anos 00, o Tetine ajudou a espalhar o tamborzão do funk carioca pelo mundo, quando lançou a coletânea Slum Dunk Presents Funk Carioca. Outro momento para entender o Tetine: em 2004, tocando no Sonarsound São Paulo, Bruno se apresentou vestido de mulher e Eli, no meio do show, que aconteceu à luz do dia, lá pelas tantas tirou o top e tocou de peitos de fora. O povo moderno que estava na pista? Ficou bege.
Daqui desse calorão para a friaca de Londres, o Todo DJ Já Sambou falou com esses pais de família, que, entre uma mamada e outra, trabalham na divulgação do novo (e ótimo) disco. Mesmo babando com a maternidade, eles não param: em breve, devem constar num disco em tributo a Yoko Ono, artista que inspirou o nome da filha. Porque com o Tetine não tem miséria.
TODO DJ JÁ SAMBOU – Como foi conceber este disco grávidos? O que mudou?
ELI – Foi incrível… muda tudo, saber que tinha um outro ser ‘colaborando’ virtualmente nas músicas, nos vídeos. Às vezes eu tinha sono, enjôo ou ficava cansada e eu falava com ela… ‘vamo aí, sista, que a mamãe precisa trabalhar!’. Começou no clipe de Mata Hari Voodoo (que é uma música do nosso disco anterior, Let Your X’s Be Y’s). No meio das gravações eu descobri que tava grávida, e aí você fica totalmente à flor da pele… seu cabelo, seu corpo, seu gosto, seu jeito de comer… tudo fica alterado, e isso reflete no seu jeito de criar também. Tem uma densidade e uma sensação de entendimento ‘maior’ das coisas e do mundo. Também nunca fiz tanta coisa ao mesmo tempo. Fizemos mais três vídeos grávidos pro disco novo, o último, o de Shiva, eu estava grávida de sete meses e tem tudo a ver com o processo todo de estar grávida. Ainda gravamos o disco From A Forest…, fomos pro Brasil fazer show do disco com a Sophie Calle, relançamos esse disco (o Samba de Monalisa), que tava esgotado. Agora nosso novo disco saindo ao mesmo tempo em que a Yoko. Também teve uma gravação que é segredo ainda e eu não posso falar muito, mas na última semana de gravidez fomos convidados pra participar de um disco tributo pra Yoko Ono! E gravamos uma música dela. Foi muito louco fazer essa gravação. Baby Yoko vs Yoko Ono 🙂
TODO DJ JÁ SAMBOU – Tem muito de kraut e pós-punk no disco, é o que vocês têm mais ouvido?
BRUNO – Sim, tem essa pegada kraut, pós-punk e às vezes minimal wave nesse disco. Acho que ele é bastante eletrônico, mas de uma maneira bem orgânica. Tem muitos contrapontos de guitarra, baixo e synth e muita bateria eletrônica com percussão. Voltamos a escutar um monte de coisas que a gente ama, e acho que isso tudo refletiu na sonoridade do disco novo. Muito Kraftwerk, Can, Harmonia, Cluster do começo… Acho que também tem muita influência de Brian Eno, principalmente dos antigos, tipo Before and After Science, que é um disco que eu adoro.
ELI – Acho que tem tudo isso que o Bruno tá falando, mas também tem um ‘quê’ espiritual de Arthur Russel, Sun RA e Rogerio Sganzerla, que foram artistas que reinaram esse ano que passou aqui em casa.
TODO DJ JÁ SAMBOU – O ciclo do batidão fechou de vez?
ELI – Uma vez Flamengo sempre Flamengo, né?! Eu acho que nesse disco não tem nenhuma faixa que tenha algum tipo de influência de funk do ponto de vista puramente musical, mas acho que o funk carioca tem um lugar na história do Tetine que é fundamental, que é um pouco como a Laurie Anderson pra mim, vai estar sempre dentro do meu coração.
BRUNO – O funk pra gente tá totalmente ligado a uma parada mais old school electro, que tem a ver com Kraftwerk, Afrika Bambaataa e chega atá o synth pop europeu. Sem falar do grau de atitude que é na verdade do que a gente mais gosta.
TODO DJ JÁ SAMBOU – Vocês estão completamente ambientados em Londres. Não consideram voltar ao Brasil, agora que o país do futuro virou o país do presente (pelo menos é o que dizem por aí)?
ELI – É, o Brasil tá bombando, né? Super país do presente! Estamos há dez anos morando em Londres no mesmo bairro. Neste momento não temos planos de voltar a morar no Brasil, mas temos planos de gravar um disco aí e isso vai ser incrível!
TODO DJ JÁ SAMBOU – Dá pra viver de arte na Inglaterra? Como é o apoio do governo?
ELI – Viver de arte nem sempre é fácil. Aqui existe apoio do governo, o arts council, e outros incentivos que podem ou não te dar uma maior segurança se você é um artista mais experimental e menos comercial. Mas também a competitividade é BEM grande. Agora, existem outros tipos de suporte que não são necessariamente ligados às artes, que os músicos, os atores, os DJs utilizam também. E que é como muitos artistas viveram e outros ainda vivem! Isso vai do Boy George ao Jarvis Cocker (Pulp), que dizem ter vivido uns bons 15 anos “on the doll” antes de o Pulp fazer sucesso comercial! Isso é uma história meio clássica em todas as cenas por aqui.
TODO DJ JÁ SAMBOU – Vocês pariram From a Forest Near You quase junto com a chegada da Yoko. Como está a vida de pais?
BRUNO – Pois é, foi tudo ao mesmo tempo, disco e filha. O que tá acontecendo é que estamos completamente apaixonados, tipo babando mesmo! Ela fica com a gente 24 horas por dia, já fez de tudo. Ela faz três semanas amanhã, mas já tem cabeça de cinco semanas 😉 Já foi várias vezes ao correio, renovou o contrato de aluguel, andou de ônibus, já foi na distribuidora dos discos e jantar no Turco, além de passadas rápidas pela [farmácia] Boots e pelo [supermercado] Tesco. A vida de pais esta BEM intensa. Ela está se adaptando ao nosso ritmo e a gente ao dela. A Eli dá MUITO de mamar! Aliás, a tigrinha aqui tem uma fome de leão.
TODO DJ JÁ SAMBOU – Nada a ver com música, agora é pergunta de mulher pra mulher: conta sobre o parto n’água, como foi?
ELI – Yoko nasceu dia 26 de janeiro aqui em Londres de parto natural na água. Nasceu com 58 centímetros e pesando 3.150 kg. O parto foi muito bonito, intenso e delicado. Só eu, o Bruno e duas parteiras que ficavam só observando numa sala escurinha com uma banheira grande e com o disco do Brian Eno que o Bruno levou. Foi um ritual de contrações na água sem remédios, sem intervenções médicas, só com parteiras, que durou mais ou menos16 horas initerruptas. Eu fiquei muito feliz de ter vivido isso, ainda não sei botar em palavras o significado disso tudo. A Yoko nadou entre as minhas pernas e veio parar nos meus braços e foi uma das sensações mais emocionantes da minha vida.
Ouça faixas de From A Forest Near You aqui