TEXTO POR LIGIANA COSTA E EDSON SECCO (NU)
Nesta turnê pela Europa, o duo NU se propôs a registrar os encontros musicais e afetivos que vão acontecendo on the road em artigos e entrevistas exclusivas para Music Non Stop. Para começar, fomos ao encontro de um duo que tem um belo sucesso na Europa e ainda é pouco conhecido em nossas terras brasilis, os franceses AaRON.
AaRON (iniciais de Artificial Animals Riding On Neverland) é um duo de electropop formado por Simon Buret e Olivier Coursier, que no palco conta com outros dois músicos, e estourou depois de ter uma música, U-Turn (Lili), incluída no filme Je Vais Bien, Ne T’en Fais Pas (que no Brasil ganhou a tradução Não Se Preocupe, Estou bem!), de 2006, dirigido por Philippe Lioret. De lá pra cá, o duo lançou três discos, o último deles no final de 2015, e mantém todo um universo de mistérios em torno de si. Esses mistérios e as histórias e inspirações do duo foram tema do nosso papo, que aconteceu antes de um show fechado para uma marca de moda na clássica casa de shows parisiense Elysée Montmartre, que reabriu as portas depois de um incêndio.
AaRON – U Turn (Lili)
Antes de ser cantor e compositor do duo, Simon Buret era ator, e talvez isso explique sua enorme desenvoltura e rapidez em responder as perguntas, enquanto Olivier Coursier (que tocou por anos no grupo de metal francês Mass Hysteria) faz poucos comentários e observa tudo com aquele charme típico dos tímidos.
Simon explica que a Neverland (o N do nome AaRON) é “a terra do espírito, da imaginação, um dos poucos lugares deste Planeta que ainda é livre, onde não há uma única forma de pensar, de amar, nem de viver”. Para aproximar o público desse universo e dos sentimentos que cada canção sugere, o duo pensa em cada detalhe visual: “hoje em dia tudo pode ser abraçado pela música, a imagem de um clipe, as roupas que queremos usar, as luzes do show, graças aos meios tecnológicos podemos nos aproximar das pessoas. Acreditamos que uma boa música deve inspirar boas imagens”, diz Simon.
De imagens inspiradas se trata exatamente o clipe que nos levou a conhecer o duo. Blouson Noir conta com a participação do lord mais chique do mundo, John Malkovich. Simon conta como a parceria aconteceu: “mandei uma carta a Malkovich falando sobre a canção, ele ficou tocado e topou nos encontrar. Malkovich encarna de certa forma o espírito deste disco, ele tem algo de obscuro na voz, temos a impressão de que ele está sempre na beira de um precipício, a ponto de cair, no risco. Queríamos exatamente essa qualidade, esse estado para apresentar nosso quarto disco. A fala dele no início do clipe, um poema de colagens, serve como um prefácio do álbum”, resume.
AaRON – Blouson Noir
O lançamento do álbum, We Cut The Night, foi também uma espécie de performance, uma provocação cheia de mistérios: “Como AaRON teve muito sucesso nos dois primeiros discos queríamos fazer as coisas com calma e voltar ao público pela música e não pelo nosso nome. Por isso pegamos a primeira música que fizemos para o novo disco, Blouson Noir, e lançamos sem identificação. As pessoas achavam que era de uma banda nova chamada Blouson Noir… teve até gravadora tentando achar a banda para assinar contrato”.
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O interessante é que duo foi a fundo na ideia de ficar incógnito num primeiro momento e sentir a reação do público à música puramente e propuseram a um grande festival que seu show não fosse anunciado como AaRON e sim como Blouson Noir. Simon comenta: “nossa sociedade coloca as pessoas à frente daquilo que elas fazem, a embalagem antes do conteúdo, e é difícil colocar à frente o que nos importa de fato, ou seja: a criação artística”.
Falando ainda da sociedade, de nosso tempo, de nossas crises atuais, os meninos do AaRON são diretos: “um artista é sempre reflexo de seu tempo, sendo ele engajado politicamente ou não. É impossível ser insensível às coisas que te atravessam e pelas quais você atravessa. Acreditamos mesmo que toda forma de arte e criação, sendo você famoso ou não, é uma forma de combate. Acho que hoje em dia, graças à internet, sabemos de tudo com muita rapidez, o sensacionalismo vende mais que a beleza, e o mundo nos parece em constante crise, mas acho que temos sorte de viver neste momento, em que sentimos que podemos mudar as coisas. Acho que as pessoas estão acordando aos poucos e que, quando eu estiver velho, o planeta estará muito bem, não tenho dúvida”, pondera Simon. E Olivier completa: “sinto que estamos em cima de um fio, há um mundo velho que está em vias de desaparecer e tentamos nos agarrar às coisas, mas temos que olhar pra frente e criar o novo”.
Sobre as redes, a internet e as descobertas sonoras, falamos um pouco sobre como Simon e Olivier descobrem música nova e quais têm sido seus “coups de coeur” (a paixão musical atual). Ambos dizem ouvir música pelo site Pitchfork e adorar fuçar em blogs. Simon tem ouvido Mykki Blanco há mais de um mês, já Olivier não para de ouvir o último do Vince Staples. E ao falar de clássicos, daqueles discos que nunca saem da cabeceira, Olivier cita In Rainbows do Radiohead e Simon fala de Nina Simone, sua artista preferida. Nina, aliás foi uma das inspirações que fizeram com que AaRON decidisse gravar sua versão do clássico imortalizado por Billie Holiday (e pela própria Nina Simone mais tarde), Strange Fruit.
Simon comenta que quando começou a cantar essa canção (que nasceu de uma poesia de um judeu americano sobre a chocante visão de negros linchados e pendurados no sul dos EUA) alguns negros vieram lhe dizer que ele, por ser branco, não poderia cantá-la. Para ele, isso prova que a música é continua atual pela violência que, de alguma forma, ela suscita (lembrando que questionamentos sobre a apropriação branca de Strange Fruit já foram feitos, como depois da gravação de Annie Lennox.
Nos despedimos dos meninos do AaRON para reencontrá-los mais tarde em vestes de palco. O show é de fato eletrizante, um espetáculo redondo, com luzes belíssimas e arranjos cuidadosos. Eles ainda não tocaram no Brasil e torcem para que este dia chegue logo. Nós também. Veja aqui um pouquinho de como foi nosso papo com eles.