A VICE fez uma matéria sobre uma pesquisa que eu acredito que muita gente já tenha feito: o que rola quando alguém que toma remédio para ansiedade ou depressão toma drogas? O senso comum diz que não dá bom. Tá, mas o que ‘não dar bom’ significa de fato? Vai atrapalhar a ação do medicamento ou vai dar a famosa bad trip? Em um mundo pós-pandemia, houve um aumento do uso de medicamentos antidepressivos e ansiolíticos – e consequentemente também houve um aumento na busca por terapias alternativas. Essa busca talvez seja um reflexo da quantidade de testes clínicos que já acontecem. No Reino Unido, por exemplo, vira e mexe rolam testes para pessoas que têm histórico de ansiedade ou depressão, para fazer tratamento a base de Ketamina. Tudo na legalidade, com acompanhamento médico que dura alguns meses. Mas tem o pulo do gato: quem toma qualquer tipo de medicação do tipo antidepressivo ou ansiolítico, está automaticamente fora da possibilidade de fazer parte do teste. E aí quem quer tentar fazer por conta própria e está sob medicação, o que obviamente não é aconselhado, acaba caindo num mar de pesquisas online sobre o que pode acontecer se misturar as duas coisas. A VICE foi lá, falou com um monte de especialistas sobre o assunto e dissecou o que acontece com as principais drogas. Você pode ler o texto na íntegra, mas achamos bacana separar as partes mais interessantes desta pesquisa:
LSD
A serotonina é um neurotransmissor que ajuda a regular as emoções. Os antidepressivos ISRSs funcionam inibindo os receptores que transportam a serotonina, aumentando assim seus níveis no cérebro. LSD e psilocibina (encontrados em cogumelos) funcionam ativando um subtipo desses receptores, chamados 5-HT2A, que são responsáveis pelos efeitos visuais e pela alteração da consciência.
Se você toma ISRSs, pode ter uma resposta menor a essas drogas psicodélicas, de acordo com o professor David Nutt, diretor de pesquisa da clínica Awakn e uma das maiores autoridades em drogas e terapia psicodélica. Ele diz: “Muitas pessoas que usam psilocibina e LSD em ambientes não clínicos relatam efeitos menores se estiverem tomando ISRSs”. Ele ainda sugere que ISRSs e psicodélicos poderiam um dia funcionar em conjunto em pesquisas anteriores. “Mas ainda há muita incerteza nessa área.” Ele contou que “Não há efeitos adversos significativos relatados ao combinar os dois na combinação limite: 200 µg de LSD / 25mg de psilocibina.” No entanto, uma revisão do John Hopkins Center for Psychedelic and Consciousness Research sobre o uso de psicodélicos e do estabilizador de humor Lítio (principalmente prescrito para transtorno bipolar) descobriu que 47% dos 62 relatórios de viagens on-line envolviam convulsões.
Psilocibina
A psilocibina (presente em alguns tipos de cogumelo) e os antidepressivos que afetam a serotonina, como ISRSs e IRSNs, podem não combinar bem. Um estudo de John Hopkins de 2022 mostrou que esses antidepressivos enfraquecem os efeitos da psilocibina. Reid Robison, diretor clínico dos serviços psicodélicos terapêuticos da Numinus, diz que isso pode ter a ver com o controle emocional das pessoas. “Uma parte pode ser uma habilidade única de ‘levantar paredes’”, diz ele. “Alguém pode ter uma condição de supercontrole, como TOC, anorexia, ansiedade extrema, resultando em uma sensação de controle sobre sua experiência de vida. Isso pode limitar a experiência psicodélica tanto, ou mais, quanto uma dose de antidepressivo.”
E embora essa combinação seja geralmente considerada segura, há relatos individuais de pessoas que tiveram más experiências. É o caso da Kate, que tem 27 anos e toma Fluoxetina (também conhecida como Prozac) entrevistada pela VICE. Ela diz: “No dia seguinte de usar cogumelo, me sinto emocionalmente desanimada e muito vazia”. Até por isso, o Dr. Matthew Johnson, da John Hopkins University diz que precisamos de mais estudos sobre essa combinação.
MDMA
Muita gente não sabe, mas o MDMA também é classificado como um psicodélico que ativa a serotonina no cérebro, assim como o LSD e a psilocibina. Mas o MDMA faz isso de forma diferente: ele libera uma grande quantidade de serotonina, enquanto o LSD e a psilocibina apenas se ligam aos seus receptores. Matt Baggott, CEO da Tactogen e especialista em MDMA, diz que os antidepressivos ISRS podem diminuir muito os efeitos do MDMA. Ele também diz que os ISRSs podem evitar alguns dos problemas cognitivos causados pelo MDMA. O Matt Baggott relata que “Existem vários estudos que administraram MDMA e um ISRS a voluntários saudáveis e compararam os efeitos com o MDMA sozinho. Esses estudos mostram que mesmo uma única dose de um ISRS pode reduzir os efeitos psicológicos do MDMA em até 80%”. E ele foi ainda mais a fundo nos testes: “Quando eu dei a voluntários MDMA em um ambiente de laboratório, eles tiveram um desempenho pior em uma tarefa cognitiva exigente em cinco e 26 horas após a ingestão do MDMA.” Em uma sessão separada, ele deu a eles MDMA, e depois de três horas uma dose de Citalopram . Ele diz que isso “evitou as dificuldades de desempenho induzidas pelo MDMA sem alterar visivelmente os principais efeitos emocionais do MDMA. Isso apóia a ideia de que os ISRSs podem reduzir os efeitos colaterais indesejáveis do MDMA”.
Isso pode significar que cronometrar sua medicação antidepressiva prescrita algumas horas depois de usar o MDMA ajuda na recuperação, mas é claro que esse experimento ocorreu em um laboratório controlado. Isso certamente não significa que o raver de plantão deva começar a tomar ISRSs sem receita médica – especialmente com a força do ecstasy em níveis recordes e imprevisíveis. E por mais que Baggott diga que “a combinação de MDMA e um ISRS em doses razoáveis [normalmente 80 mg a 125 mg, ou cerca de meio comprimido, dependendo de sua potência] não parece ser dramaticamente mais arriscada do que o próprio MDMA”, há de se levar em consideração que mesmo assim há grandes chances de haver a diminuição de 80% do efeito do MDMA, ou seja será que vale a pena mesmo arriscar?
Ketamina
A Ketamina é a única que parece não ser afetada pelos ISRSs. Também é geralmente considerada uma combinação relativamente segura, que é um conhecimento reconfortante quando falamos de uma substância comumente caracterizada por ser “incômoda”. O especialista chamado pela VICE diz que “A ketamina funciona, na maior parte, em um sistema de neurotransmissor completamente diferente – o glutamato”, diz Robison. “E alguns de seus efeitos são mais independentes dos neurotransmissores em comparação com os outros psicodélicos.” É por isso que você pode sentir a Ketamina com mais intensidade do que outras drogas que causam o embotamento, como o MDMA e sua diminuição de 80% no efeito.
Robison também aponta que a Ketamina bloqueia o “modo de explosão habênula lateral” do cérebro. A habênula lateral é uma região associada a emoções negativas e não é focada pelos ISRSs, portanto, tomar Ketamina além de um SSRI pode ser eficaz para melhorar seu humor. Essa é uma das razões pelas quais a Ketamina foi originalmente desenvolvida como medicamento e ferramenta terapêutica, ajudando pessoas com depressão resistente ao tratamento convencional. Ele diz que “A Ketamina ajuda você a se sentir um pouco mais leve e menos estressado”, “Pode durar apenas uma ou duas semanas, mas pode ser útil para alguém que precisa ser retirado de um episódio de depressão.” Vale lembrar que isso se aplica à Ketamina prescrita clinicamente. Não entenda isso como um aval para ir para festinha e se jogar, a probabilidade da droga induzir uma queda nessas situações recreativas é aumentada – especialmente quando misturado com álcool, que pode ser uma combinação perigosa de qualquer maneira.
De qualquer maneira, lembre-se: sem saber a procedência da droga a ser consumida, mesmo sem estar sob SRRIs, o risco de dar ruim existe. Não abuse, e reduza potenciais danos.