Documentário mostra paixão de DJs da perifa pela profissão

Claudia Assef
Por Claudia Assef

O DJ Tano é um dos personagens do documentário que retrata o amor pelos discos

Numa das cenas mais tocantes do documentário Eu, O Vinil e O Resto do Mundo, que será exibido dentro do festival É Tudo Verdade, o DJ Damente fala com a maior clareza que eu já vi  sobre a profissão: “ser DJ tem bem menos de diversão do que se pode imaginar. Ser DJ chega chega a ser um peso, eu nem chamo de profissão, porque não tive escolha. Não tive como não ser DJ”, diz, pouco antes de cair no choro e pedir pra que desligassem a câmera.

Damente é um dos 11 garotos de periferia retratados no documentário, que usou o campeonato Hip Hop DJ como fio condutor para contar histórias de profunda devoção à música e à discotecagem. Dirigido por duas mulheres (Lila Rodrigues e Karina Ades), o filme mostra esse universo dominado por meninos que, mesmo tendo que encarar trabalhos em escritórios ou metalúrgicas, reservam todo o seu amor ao manejo das pick-ups e dos vinis.

Com fotografia caprichada, o filme ganha cores ainda mais especiais ao entrar no universo de seus personagens. Ao dar voz a esses meninos, as diretoras entraram mais fundo numa história que a princípio poderia parecer bobinha. Nos relatos dos DJs Pow, Sleep, Erick Jay, RM, Davi, Tano, Buiú, Basim, Max, MF e Pudim percebe-se que aqui não tem ninguém preocupado em aparecer bonitinho na foto, segurando o fone de ouvido. O toca-discos, o vinil e o mixer são as armas desses meninos para enxergar no mundo um lugar melhor para se viver.

A espinha dorsal é o campeonato Hip Hop DJ, do qual esses 11 meninos são finalistas. Claro que o espírito de competição os move na busca pela apresentação perfeita (no campeonato, cada DJ tem três minutos para apresentar sua performance), mas graças a um olhar feminino na direção, a técnica, os treinos e até o campeonato em si ficam em segundo plano, cedendo espaço para depoimentos ora engraçados ora carregados de emoção.

Doce ver as mães dos meninos dando apoio, à maneira delas, como a mãe do DJ Buiú que diz “enquanto eu viver e você gostar desse negócio aí, vai fazer, meu filho”. Damente, o mais sensível dos entrevistados no filme, também tem o apoio da mãe, mas é nos filhos que enxerga que sua profissão vale o sacrifício. “Quando eles contam na escola que o pai deles é DJ, a meninada fica louca. Tenho o maior orgulho disso aí”, diz o rapaz, que se casou aos 15 anos de idade.

Outra passagem linda de ver é a alegria de criança do DJ RM, vencedor da etapa brasileira do campeonato DMC, em sua viagem a Londres, para participar da final mundial. Enquanto fotografa os ônibus de dois andares, ele fala “preciso filmar para saber que isso tá mesmo acontecendo”.

Em tempos de celebridades que atacam de DJ, Eu, O Vinil e O Resto do Mundo acerta em mostrar que de perto o glamour passa bem longe dessa profissão.

Eu, O Vinil e O Resto do Mundo

Direção: Lila Rodrigues e Karina Ades

No Rio: 11/4, às 21h, e 12/4, às 15h, no Unibanco Arteplex (Praia de Botafogo, 316)

Em São Paulo: 14/4, às 21h, e 15/4, às 15h, no Espaço Unibanco (Rua Augusta, 1475)

Claudia Assef

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Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.

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