dnb foto: capa livro / divulgação

Drum’n’bass: Novo livro resgata o nascimento do Dnb na Inglaterra. Conversamos com o autor, Paul Terzulli, sobre a história por trás de Who Say Reload

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Novo livro que acaba de ser lançado, Who Say Reload conta a história através de entrevistas dos primeiros discos e DJs que moldaram o Drum’n’Bass

Paul Terzulli, o escritor que compilou e entrevistou os primeiros heróis para o recém lançado livro Who Say Reload (Editora Velocity Press, Inglaterra), era um garoto quando o DnB explodiu no Reino Unido.  “Eu tinha 16 anos em 1994, quando tudo começou a aconteceu. Meus amigos estavam curtindo a cena de raves de hardcore e eu estava ouvindo hip-hop. Comprei alguns discos de jungle e um par de toca-discos em 95. No ano seguinte já estáva consumindo discos com regularidade. Minha primeira festa de d´n´b foi uma Helter Skelter, no The Sanctuary em Milton Keynes” – cidade a 70 quilômetros da capital, Londres – “Eu morava pertinho de Londres então para mim era fácil frequentar as festas de drum’n’bass da capital. Discotequei um pouco, tive um programa numa rádio pirata e até cheguei a prensar um disco com minhas produções”, conta Paul.

A imersão em uma cena que estava eclodindo na Inglaterra resultou, 25 anos depois, em um retorno às raízes para contar a história da vertente que se tornou um dos alicerces da cultura da música eletrônica. Who Say Rewind traz 160 páginas com entrevistas que contam a história do estilo, ilustrada com fotos de Eddie Otchere. Dentre os entrevistamos, pioneiros como Goldie, DJ Hype, Roni Size, Andy C e 4 Hero, entre tantos outros, falam sobre as dificuldades e expectativas do espaço tempo onde tudo aconteceu.

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Dilinjah – foto: Eddie Otchere

 

DJ Hype foi uma das personagens mais interessantes para se conversar” – nos conta Paul, que falou ao Music Non Stop de sua casa em Londres (quando o filhinho de apenas 2 anos de idade permitiu) – Ele está envolvido na cena desde o início e foi suas fitas cassete que fizeram com que eu me interessasse por DnB. Então, escutar sua história foi o máximo. Sentar-me com Goldie foi uma baita experiência também. Ele é muito bom ao explicar seu processo criativo. Gostaria de ter conversado com Andy C mais tempo também. Quando você o escuta falar sobre música percebe que ele ainda é bastante apaixonado, particularmente pelos ‘early days” do jungle”.

O ambiente que gerou o bigbang do estilo, em tempos de contínua discussão sobre a gentrificação da música eletrônica, confere ao Drum’n’Bass uma espécie de distintivo de idoneidade.  Não há, ao contrário do que aconteceu na cena techno e house, por exemplo, a menor perspectiva em torná-lo mais “branco” ou elitizado. Difícil de digerir e com uma estrutura rítmica complexa, nem mesmo os primeiros produtores acreditavam que poderia sair de um nicho muito restrito. “Uma coisa que me impressionou (durante as pesquisas para o livro) é que muitos dos clássicos que se tornaram eternos foram originalmente produzidos em poucas horas. Vários deles não iam nem ser prensados. Muitos artistas eram tão humildes em relação à própria música que não tinham a menor noção do impacto que causariam anos depois”.

Paul aponta o que acredita ser único na cena de Drum’n’Bass: “tradicionalmente os vários subgêneros dance music são definido pela emoção que elas criam no ouvinte – hard house, trance, souful house, happy hardcore, etc. – com o DnBvocê pode ter diferentes sensações e estilos dentro do mesmo gênero. Pode ser dark, deep, pode te derreter, ser mais reggae, hip hop ou voltado para o jazz. O fator que os une é a batida e o tempo, mas você pode fazer o que você quiser dentro deste espaço. Certamente naqueles tempos iniciais não havia nada como isso. Eram estilos muito definidos e pareciam espirar uma certa mentalidade de tribo que conectava as pessoas. Ser um junglist é algo que simplesmente nunca deixa você”.

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foto: Eddie Otchere

A nostalgia não é o único motivo pelo qual Who Say Reload está chegando às lojas em 2021. O vento tem soprado para os lados dos breaks acelerados e frenéticos do gênero. “As coisas estão bem vibrantes atualmente por aqui. Vejo uma boa mistura de estilos, novos produtores aparecendo. Além disso, os pioneiros continuam produzindo e há selos, como o Deep Jungle, prensando faixas dos anos 90 que nunca chegaram ao vinil. Obviamente os últimos 12 meses têm sido difíceis, mas há vários clubes e festivais incluindo o drum’n’bass em seus line-ups, e estão aguardando somente a autorização do governo para voltarem à acontecer”.

Paul entrevistou uma turma considerável de heróis do estilo, a ponto de seu livro ser descrito como “uma história oral do drum’n’bass”. Pergunto a ele quais as características que ele encontrou comuns em todos estes mestres:  “Muitos deles foram bastante influenciados pelo hip hop dos anos 80, como Marley Marl, Mantroni e Bomb Squad. Muitos deles ainda estavam aprendendo como produzir em um estúdio, mas tinham uma coragem para a experimentação, desejavam encontrar  seu próprio som e criar algo que eles poderiam tocar na rave do final de semana seguinte. Não havia nenhuma expectativa de sucesso comercial, em ser tocado na rádio ou na MTV. Como eles não tinham que se preocupar com isso, basicamente eram livres para fazer o uqe quisessem. Alguns artistas que entrevistei tinham uma espécie de competição amistosa entre eles. Roni Size, Krust e DJ Die poderiam estar tentando fazer músicas melhores que outros de uma panela diferente. Optical mencionou que uma vez, saber que ele tocaria depois de Andy C no final de semana fez com que ele produzisse uma música especial para a ocasião. Este tipo de atitude impulsionava a criatividade nas pessoas e, claro, muitos deles trabalhavam juntos, em colabs”.

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foto: Eddie Otchere

A conversa não poderia terminar sem que o Brasil entrasse no assunto. Dona de uma das maiores nações DnB no mundo, grande parte destes “originators” tocaram por aqui, inspirando DJs a se tornarem estrelas internacionais como Marky, Patife, Xerxes e Andy. O país pariu também grandes sucessos comerciais, chegando inclusive a invadir o universo pop, como foi o caso de Fernanda Porto & Patife em Sambassim. “Obviamente conheço Marky e Patife. O Brazilian Job (CD de Marky lançado em 2001) trouxe uma nova vida à cena. A música estava muito dark e pesada no final dos anos 90, então uma música como LK, se tornando tão popular entre DJs de vários estilos, foi renovadora e trouxe uma nova geração para o DnB. Também inspirou uma legião de imitadores que vieram logo depois. Mais tarde, gostei muito do trabalho do BTK e também as suas produções em conjunto com Optiv (in memorian), que costumava tocar muito na minha loja de discos. Talvez em uma segundo livro eu vá ao Brasil para pesquisar mais!

Só chegar!  Ficamos por aqui aguardando a visita de Paul Terzulli para falar dos nossos heróis e porque não aguardando uma versão em português para Who Say Reload?

 

 

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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