DJs e turmas ecléticas, cerveja de garrafa, loucura até de manhã: um dos picos mais fervidos de SP, a festa Debut! (Torre) está de volta
Relembrar é viver. E o que se viveu na saudosa Debut!, a famosa noitada da “Torre de Quinta”, não está no gibi. Ou melhor está – agora aqui nas nossas páginas retrospectivas!
Misto de clube e boteco escondido na rua Mourato Coelho, em Pinheiros, que de 2002 a 2009 rendeu noitadas absurdas ao som de DJs e estilos ecléticos, a festa Debut! foi o principal acontecimento notívago e cultural dos diversos momentos da Torre.
Surgida em 1997 como Torre do Dr. Zero, a casa durou até 2002 e reabriu em 2004. Nesse hiato, um boteco de pagode vizinho, o Rabo de Saia, recebeu algumas festas que antes eram da Torre, como noitadas de techno e a própria Debut!, que nasceu após o CIO de Gláucia ++ mudar-se para o Stereo, na Barra Funda. “Antes de ser DJ, eu era o programador das noites, procurei colocar uma noite para cada estilo musical da torre”, lembra Alexandre Bispo, o DJ Bispo, protagonista do Debut! ao lado do artista plástico Adriano Costa.
Bispo tem na ponta da língua os núcleos e festas que passaram na Torre: “O Positive fazia os sábado rock com o Focka, as sextas eram Drum and Bass com o Xerxes e o Marky, os domingos eram do pessoal do Sub-club e tocava black com o Eugênio Lima, Will Robinson, Alexandre Tahira, as quartas variavam e ficou um bom tempo com o CIO 80’s da Glaucia. Tivemos momentos que enchia de terça a domingo e cada noite tinha um público diferente”.
Ainda na “primeira torre”, a Debut! surgiu em 2002, com a iniciativa de Bispo e Adriano Costa em fazerem uma noite para tocar de tudo: rock, soul, disco, MPB. A ideia era descompromissada e eles não esperavam que desse certo – mas deu. “Éramos jovens, queríamos encher a cara e tocar o que nos viesse na cabeça”, lembra bispo. “As pessoas começaram a entrar no clima, e foram aparecendo pessoas que agregaram muito à proposta. Surgiram os personagens da Torre, devemos tudo ao público, foram eles que moldaram a noite”.
Nosso colaborador Edu Corelli foi DJ do Debut! desde os primórdios, residente mensal em sua época nobre. Observador atento da noite, ele sabe muito bem mapear as principais turmas do Debut!. “De tudo um muito, do povo que migrava das boites gays, bares e shows de rock, com quem passava na rua, via o fervo e entrava. A cara do lugar pra mim foi Zel Campos, Adriano Costa , a turma dos abravanistas e Jota Jota (RIP) , Bispo, Positive e a Fera do Mar (apelidada sabe Deus por quem, que de fera é uma fofura)”. Corelli frisa ainda como, por volta de 2005, ninguém ainda “ascendia vela para Berlim”- o legal era ser um bar com cara de Londres. “O look do povo, a música e as garrafas ajudaram muito a nos sentirmos em um pub inglês ou na histórica noite inglesa Heavenly Social”.
Bispo também lembra no ato das turmas que frequentavam sua noite – “todo mundo era amigo”, com destaque para o falecido Jota Jota, “sempre impecável na porta”. “A Fera Do Mar era frequentadora assídua, e ganhou este apelido por lá. Bebel, Zel e Possuída sempre nos ajudando, Bianca Exótica que no começo da Torre se chamava Bianca Byington, Jack Mugler e suas performances absurdas, Ronalda Bi sempre uma aparição. A turma da Luma Assis, o pessoal hippie das Raves antigas, a turma Bertolinesca e Juju, brechó do Rato e suas travas, o povo das artes, o povo Rocker, a new generation, pessoal do Rolê. Eram tantos, espero não ter esquecido ninguém. Era um lugar que misturava todo mundo”.
O sucesso de um clube ou de uma festa é criar um senso de comunidade entre as pessoas, ou algum grande apelo estético – e o ideal é a plena união dos dois mundos. O fotógrafo Paulo Batalha foi um bom exemplo do magnetismo do público da Torre. Ele hoje nem sai tanto mais, à época do Debut! virou rapidamente frequentador assíduo principalmente pelos amigos que fez. Lá, desenvolveu a particularidade do trabalho fotográfico de como chegar nas pessoas para registros espontâneos, no momento de sua diversão mais livre, em que clubbers e notívagos mostram como realmente são (ou exageram seus artifícios na boemia).
“Quem faz este tipo de trabalho acaba pegando o jeito de como chegar nas pessoas, o que para mim era um grande desafio. Fotografar a Torre foi um aprendizado, não apenas pela fotografia, mas principalmente pela relação que mantive com as pessoas”, nos conta Paulo, que em 2011 lançou B.O., livro que traz suas fotografias na Torre de quinta ao longo de quatro anos, imagens que também ilustram este artigo. Volta e meia Paulo solta o chamado para vendas especiais do livro, que você pode acompanhar e já ver as imagens no Facebook e em seu site.
Paulo registrou o povo da Debut! em câmeras analógicas, “às vezes demorava um mês pra revelar”, e o livro B.O. foi seu lançamento que mais vendeu, sendo a “lembrança de uma casa noturna muito louca, que era a casa noturna preferida de muita gente, um espaço pequeno, escuro, com música excelente, cerveja barata, gente de todo tipo junta”.
É curioso como todos os entrevistados ressaltam lembranças em torno da cerveja de garrafa, um detalhe rentável e intoxicante na energia da festa que fazia toda a diferença. Lembram muito também da mistura de públicos e também da mistura de sons.
A Torre de quinta foi o lugar que muita gente curiosa, “não-DJ” que botava som (Facundo Guerra, por exemplo), e cabine onde alguns que são DJs até hoje começaram, ou afiaram suas técnicas – sempre inebriados pela espuma da boa cerva e tropeçando em copos, muitas vezes metade-cheios, uma lambança só no recinto.
Herminia Monari era a simpática moça loira no caixa da Torre proprietária do ponto desde 1999. Ela conta que o consumo de breja em garrafa era elevado – “eu chegava a vender 20 caixas de cerveja 600ml numa noite”. Alto índice etílico, mas que não significava que o pessoal ficasse breaco e mal-educado, como ela mesmo atesta.”Meu público nunca deu trabalho. Acabei conhecendo a história de vida de cada um ali dentro, e me divertia muito sim. Final da noite sempre ia pra pista (risos)”, lembra. “A Torre fechou num momento em que a maioria das baladas estavam migrando para a Augusta: imóveis mais baratos e maiores e, você sabe, lugares novos que o povo quer conhecer. Aí veio um investidor e comprou o imóvel”.
Ad Ferrera, famoso nos anos de ouro do Bar Secreto e hoje pela festa tropical Mel tem ótimas lembranças de lá. “Eu chegava bem cedo pra ouvir o Bispo e o Adriano Costa tocar, não conhecia quase ninguém e adorava a pesquisa musical deles bem diferente do mainstream, com muitos clássicos e lindas músicas estranhas. Na época eu gravava coletâneas de músicas em CD para amigos e frequentar a Torre me influenciou muito para que eu começasse a discotecar”.
Numa noite em que o residente Adriano Costa viajou, Bispo chamou Ad para tocar na Debut!, noite que, segundo Ad, sobrava simplicidade e um charme que era natural, “como nos bons botecos de gente amiga”. “Fui aprendendo a mixar na raça lá na hora, e depois fui aperfeiçoando ao longo do tempo. Tenho lindas lembranças da alegria contagiante das festas da Torre, como no dia que a Deize Tigrona foi cantar lá. Foi foda.”
A música que mais lembra a Torre de quinta para Ad? The Human League – Don’t You Want Me.
Bispo reforça como, apesar de buscar que o som da Debut! fosse “o mais eclético possível”, era possível mapear as principais sonoridades da casa entre disco punk, electro e space disco, sempre “com um rock ou uma música do além junto”, entre músicas antigas e principalmente muitas novidades. O residente Edu Corelli chamava de “saladão” o que era mixado por lá: “disco , soul, MPB, reggae, ska, rock, rock e rock – se preferir indie rock, rock clássico e rock News”.
Sucesso da Torre de quinta era tanto que virou até tema de rock!
As lembranças musicais também são fartas, como quando os rapazes do Block Party tocaram com Corelli no som, dando ao DJ residente este remix fresquinho do Erol Alkan na época. Bispo diz que noites atuais como a Tenda remetem hoje ao espírito musical e de fervo da Torre de Quinta (Corelli concorda e cita ainda a Selvagem), mas o DJ residente e criador da Debut! diz que, até hoje, nunca achou um lugar em que se pudesse tocar de punk a jazz, de jazz a funk carioca, de funk carioca a gótico numa boa, como era o caso na Torre.
Ad e Bispo lembram com carinho também de uma noite com Deize Tigrona (leia nossa entrevista com ela aqui), em que “não cabiam mais ninguém e as paredes suavam”, com o pessoal indo ainda para o after no Susi in Transe sexta às 9h da manhã. É por essas festas memoráveis e outros motivos que a Torre de quinta marcou época, lista Bispo: “Acho que o deboche, o espírito punk, o não se levar a sério, a falta de carão e a cerveja de garrafa associada ao primeiro lugar a consumir catuaba aos tantos – era tanto o consumo que o nosso fotolog se chama Catuaba”.
Entre indas e vindas na “primeira Torre”, no Rabo de Saia e na sua época áurea nas quintas-feiras, a Debut! acabou com o fechamento da Torre em 2009. Problemas com a polícia, com os vizinhos, e a concorrência que brotava ali com o surgimento de novos clubes e noites acabaram levando a um desfecho orgânico, natural para a Torre, o que não acabou com as boas lembranças de seus agitos.
“Fiquei muito triste porque participei da construção do imóvel”, diz Bispo, “e vê-lo hoje em dia como Brucutu Escapamentos é muito bizarro (o pessoal do novo comércio nos conta que sempre aparece gente querendo entrar e “matar as saudades da boate que tinha ali”). Mas prefiro pensar que é uma ironia do destino, uma homenagem a um amigo frequentador que tinha o apelido de Brucutu e faleceu”, completa o DJ, com bom humor.
(Foto de capa por Ad Ferrera. Fotos do artigo: Paulo Batalha – B.O.)
Debut!!! Quinta da Torre
Quinta, 8, a partir das 23h
Entrada gratuita somente pros maravilhosos que confirmarem presença no evento (sem confirmarção será cobrado 10 merrecas reais de entrada)
Line-up:
23h à 0h30: Carlinhos Costa
0h30 à 1h30: Hugo Frasa
1h30 às 2h30: Rubens Teixeira Binho Mr. Hat
2h30 às 3h30: Benjamin Ferreira
3h30 às 4h30: Benjamim Sallum
4h30 ao Final: Marcelo Elídio & Andrea Gram
Pista Banheiron:
Samuel Creme
Paula Pretel
e amigos!
Hostess convidada: Claudia Pinheiro
Expo: Felipe Chianca
Live Visual: Guilherme Pinkalsky
Performances: Alma Negrot e Cherry Pop
Brechó indoor: Rato Fabio Franca.
Organização dos Alves:
Alexandre Bispo Alves e Taty Alves