Passar por uma experiência de terremoto até é legal, se ninguém tiver sido ferido nem estragos tenham se alastrado pela cidade. Mas, dois terremotos em menos de oito horas, daí já é demais.
O QUARTO COMEÇOU A TREMER E NÃO ERA UMA FESTA, ERA TERREMOTO
Depois do chacoalhão que sentimos na madrugada de terça pra quarta, logo depois de um café da manhã regado a tamales de queijo e risadas tensas, voltamos pro quarto pra nos aprontarmos pra visitar o famoso La Mitad Del Mundo, um parque construído em 1979 no lugar exato por onde passa a Linha do Equador.
Estava separando as roupas na mala quando o quarto começou a balançar. Desta vez eu estava em pé e, num estalo, já estava no hall do meu andar, o 13o. Um funcionário do hotel me pegou pela mão e dizia: “Te quedas tranquila, te quedas tranquila”. A gente olhava juntos pro lustre de cristal do hotel, que tilintava. Olhei fundo nos olhos do Fernando, e vi que ele não estava nada “tranquilo” conforme me pedira pra ficar.
A Ellen começou a me mandar mensagens: “outra vez! Cadê você? Vem pra cá. Vamos embora daqui”. Fernando me mostrou o caminho pela escadaria de emergência e fui encontrar com ela. “Fucking shit, let’s go to Medellin”.
Daí em diante foi uma série de mensagens e telefonemas pra trocarmos nossos voos, que seriam originalmente apenas na sexta, para o quanto antes. Mais uma noite na espreita de um terremoto seria demais pros nossos corações.
Na Internet só se falavam das tais “réplicas”, que são os abalos de terra que se seguem após um grande terremoto, como o que aplacou a costa do Equador em 16 de abril. Acontece que depois de um tremor de grandes dimensões esperam-se vários, muitos outros, até que as placas tectônicas se “acalmem”.
Se restava alguma dúvida quanto a ficarmos ou não em Quito, ela se esvaziou de vez quando o promoter da festa para a qual Ellen estava bookada mandou uma mensagem dizendo que o evento havia sido cancelado pela Prefeitura, que resolveu suspender eventos públicos como medida preventiva diante da iminência de novos tremores. “So let’s really go!”.
Pegamos um táxi para fazer uma visita express, tipo pose-pra-foto-e-tchau, ao parque La Mitad Del Mundo, enquanto Ellen, pelo celular, ia organizando a troca de passagens.
Voltamos pro hotel voando, fizemos as malas e partimos de Quito encantadas por um povo doce, que se acostumou a viver entre terremotos e vulcões ativos. Mas Medelim, a selva urbana que já foi cenário de guerra civil no passado, nos aguardava, com toda a exuberância de uma cidade grande que manteve boa parte da natureza em torno e dentro de si intacta. Uma capital cosmopolista, com 5.7 milhões de habitantes, um pouco mais populosa esses dias graças aos milhares de fãs de futebol que estão por aqui, ansiosos pela partida do Nacional, time local, contra o Rosário da Argentina.
Foi bom dormir uma noite inteira sem pensar no treme-treme, já que Medelim fica a mais de 1.200 km do epicentro do terremoto equatoriano. No café da manhã, encontramos Florian Schirmacher e Jacob Seidensticker, do projeto Wareika, live fino que já lançou por selos como Perlon, Circus Company, Visionquest etc.
À tarde, fomos com Florian e Jacob conhecer o Arví, um gigantesco parque ecológico de 16.000 mil hectares, onde só se chega cruzando quase 5 quilômetros morro acima por um sistema de teleférico.
O Arví é um santuário de flora e fauna onde também se podem encontrar produtores locais vendendo… coca. Lógico, estamos na Colômbia. Mas aqui é tudo legalizado: chá de coca de diversos sabores, farinha de coca (pra cozinhar), óleo de coca pra tirar dor de cabeça, café com coca, biscoito de coca e até vinho de coca. Fiquei curiosa sobre a farinha de coca, como se usa, pra fazer o quê? “Bolos, pães, biscoitos. Mas tem que misturar com a farinha normal, senão não se dorme nunca mais”, ela conta e cai numa gargalhada.
A volta para o hotel é complicada. O trânsito é bem caótico, ainda mais em dia de jogo. No táxi, perguntou ao motorista o clássico quem vai ganhar hoje. Ele responde muito tranquilo: “O Nacional, é claro”.
Ellen e eu subimos pro meu quarto. Falamos sobre kraut alemão, que ela adora, e eu também. Falamos sobre a importância da BBC para a música, em meio a tantos outros assuntos nerds de música. Ela resolve ir pro quarto, porque tem várias entrevistas pra responder, e quer preparar o set que irá tocar na sexta.
Eu saio pra encontrar Jacob e Florian, que estão numa pizzaria com o promoter local, Jose Julian Calderon. Um telão transmite o jogo e sou a única moça na mesa.
Todos grudados na tela, o time local vai perdendo por 2 x 1 até que nos últimos 30 segundos do segundo tempo um golaço do Nacional provoca urros e abraços na mesa. “Nosso time sempre ganha no final”, comemora José. Com o empate, os colombianos se classificaram para as quartas de final da Libertadores e em seguida enfrentarão Boca Juniors ou São Paulo.
A cidade, que estava na iminência de uma derrota, de repente vira uma festa. As ruas se enchem de gente vestida de verde e nós quatro rumamos para um miniclube que se chama Head From. Não há nenhuma placa ou logo na porta, então só chega quem conhece.
Lá dentro, o DJ Jaguar toca um deep house fino numa pista minúscula ao ar livre. Parece a casa de alguém e fico muito feliz de ver essa cena under em plena efervescência no meio da selva doida de Medelim. Que cidade!
Duas da manhã, hora de voltar pro hotel. Os meninos do Wareika resolvem voltar também, já que iriam pegar cedo um avião para Bogotá, onde irão tocar no Baum, festival do qual Ellen também faz parte do line-up. Na porta do hotel, encontramos Marc Houle, que tinha acabado de chegar para o festival Paralelo.
Nesta sexta (20) Medellin vai tremer e não me refiro a um terremoto. Segura este line-up: Heartthrob, Mark Houle, Mandy, Ellen Allien, Animal Trainer, Nicola Cruz e vários talentos locais. Promete.