Dia do Nordestino: Saiba como nordeste renova e revoluciona o cinema brasileiro atual
Nos últimos anos o cinema nacional vem se destacando nas mídias e festivais estrangeiros. Filmes como Aquarius e Que Horas Ela Volta? são exemplos de destaque do audiovisual nacional. No ano de 2019, Bacurau, de Kléber Mendonça Filho e A Vida Invisível, de Karim Aïnouz, são exemplos desse destaque. O primeiro venceu o prêmio do júri em Cannes e o segundo foi indicado como representante do país ao Oscar. Sobretudo ambos diretores são nordestinos, o primeiro pernambucano e o segundo cearense.
Com a retomada do cinema brasileiro, em meados dos anos 1990, diante de leis de incentivos fiscais, o cinema brasileiro gradativamente volta a crescer e apresentar maior qualidade técnica. Inegavelmente a retomada significa não apenas o retorno à produção, mas a abertura para produções além do eixo Rio-São Paulo. Assim a sétima arte que antes narrava a história do nordeste do país pela ótica do sudeste, em sua maior parte por meio de adaptações literárias, passa a ter como protagonistas das produções realizadores nascidos na região.
Com o intuito de conhecer um pouco mais dos realizadores que representam uma parcela da região deixamos aqui uma sequencia de informações e dicas de filmes do cinema nordestino para serem assistidos.
Rosemberg e a família Cariry
Na véspera do Dia do Nordestino (08.10)
Para começar, nada melhor do que uma família dedicada a produção cinematográfica. O patriarca, Rosemberg Cariry, criou seus filhos Bárbara Cariry e Petrus Cariry no cinema. O diretor cearense, nascido Antônio Rosemberg Moura adotou o sobrenome artístico nos anos 1970 ao se mudar para Fortaleza. Era essa a maneira de manter conectado o interior e a capital.
O senhor de quase 70 anos é passou pela produção cultural e literatura antes de se dedicar ao cinema. Grande entusiasta da cultura popular cearense encontra nela a fonte de sua produção. Rosemberg pensa na cultura popular como algo que fuja do pejorativamente folclórico, estereotipado como exótico. Considerado por alguns como o pioneiro do cinema do Ceará conta com dez títulos em sua carreira, como Cine Tapuia (2006), Patativa do Assaré – Ave ou poesia (2007) e Siri-Ará (2008).
Os road-movies de Marcelo Gomes
A dupla Marcelo Gomes e Karim Aïnouz realizou duas parcerias marcantes na forma de road-movie. Uma delas é Cinemas, Aspirinas e Urubus (2005), filme passado na década de 1940, sobre um farmacêutico que busca divulgar os benefícios da aspirina. O outro é Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (2009) uma jornada física e emocional sobre um geólogo em pesquisa de campo.
Da mesma forma que road-movies estrangeiros buscam romper com ideias pré-concebidas esses dois filmes apresentam ao espectador um sertão e/ou interior que, apesar de assolado pela seca ou isolado das metrópoles, é um espaço receptivo às ideias e às pessoas que por ali passam. Não são ambientes de miséria desidratada e sim espaços de afeto. Tanto em Cinemas quanto em Viajo há muitas sequências, enquadramentos e diálogos que ressaltam o isolamento. Ainda que isolados, físico ou emocionalmente, todos os personagens em cena estão sendo afetados por transformações.
Seu último filme é um documentário sobre os trabalhadores da cidade de Toritama, município de Recife. Os moradores são responsáveis por um quinto da produção nacional de jeans. Essas pessoas trabalham na fabricação de peças durante o ano inteiro, parando apenas durante o Carnaval para viajar e aproveitar os dias do feriado. Marcelo se lembra de passar pela cidade na infância e de, ao longo dos anos, perceber as mudanças no local. Com sua curiosidade desperta o diretor decidiu investigar se essa prática seria uma transgressão ao capitalismo. Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar se encontra no catálogo da Netflix. Um filme sobre labor e precariedade do trabalho.
Mulheres de destaque
Nas produções do cinema nordestino também nos deparamos com várias realizadoras mulheres. Kátia Messel é a pioneira no Pernambuco. Foi a primeira mulher a dirigir um filme, no estado, e a participar de um festival de cinema no país. Seus trabalhos são em sua maioria sobre a cultura popular. A diretora realizou em torno de trezentos projetos dentre curtas, longas, séries de TV e documentários; ora como diretora, ora como atriz e até mesmo como diretora de arte e figurino.
A baiana, de Salvador, Viviane Ferreira segunda mulher negra a dirigir individualmente um longa de ficção é também fundadora da Odun Filmes. Seu curta O Dia de Jerusa foi exibido em Cannes no ano de 2014. Em seguida, outra baiana que se encontra a frente de projetos de cinema é Mônica Simões sua obra trata de temas locais, como a cidade e seus moradores, que podemos ver no documentário-ficção Código de Hamurabi (1994), sobre a Bahia dos anos 1970.
A cearense Ticiana Augusto Lima é produtora, diretora e roteirista, se destacando no cinema de horror e fantasia. Fundou ao lado de Guto Parente a Tardo Filmes e já dirigiram quatro longas. Seu mais recente sucesso é o terror Clube dos Canibais (2019) do qual ela foi produtora.
As cores de Cláudio Assis
Pernambucano de Caruaru, Cláudio Assis começou no cinema como ator. Dirigiu em 1999 Texas Hotel seu primeiro curta, sobre um assassinato em um hotel decadente. Mas foi com seu primeiro longa metragem, Amarelo Manga (2002), que o diretor passou a ser amplamente conhecido. Esse filme retrata a vida de moradores do centro histórico do Pernambuco. Essas histórias estão, de certa maneira, ligadas ao crime do Hotel Texas, ambiente do seu primeiro curta. Em seguida o diretor retorna à periferia em Baixio das Bestas (2006) abordando a exploração sexual. Febre do Rato (2011) conta com a bela trilha de Jorge Du Peixe e segue um poeta anarquista que tem sua vida e pensamentos mudados pela paixão.
Seus filmes se caracterizam por desvendar ambientes que não eram mostrados na maior parte dos filmes. Desse modo Assis humaniza as populações periféricas trazendo a luz suas rotinas e anseios. São obras cruas nas abordagens das relações familiares e afetivas. Assim as escolhas das cores em cena mantém a vibração constante do que está sendo tratado na mise en scène.
Seu título mais recente, Piedade (2019), discute o descaso com o meio ambiente e a alteração da vida em uma comunidade diante da apropriação do espaço por uma rede petrolífera. Um filme sobre o afeto em conflito com o recurso financeiro.