dia do DJ Sonia Abreu, a primeira DJ do Brasil, nos anos 80. Foto: Acervo Pessoal

Dia do DJ – Momento em que o mundo ergue os braços aos xamãs dos pratos giratórios e diz: obrigado!

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Nove de março, o Dia Internacional do DJ

Hoje é o dia internacional do DJ. Aquela personagem que vemos lá longe, pequenininho, em meio a um enorme aparato cenográfico e pirotécnico, como um petisco na boca de um dragão, protegido apenas por alguns CDJs e um pendrive que guarda com sua vida.

A indústria do entretenimento criou este aparato para sustentar seu grande ganha pão: a idolatria. E o mais surpreendente é que a cultura dos DJs ganhou corpo justamente como uma afronta a esta relação entre consumidor e provedor de música.

Quando todos nós estávamos enjoados de passar duas horas olhando para um palco escandaloso em um estádio, observando um cantor com pretensões de semideus ensaiando rebolados sensuais, dando ora a vez a um guitarrista com ar místico empunhando seu estridente instrumento em um solo (solo mesmo… solo) interminável, estridente e masturbativo, começamos a olhar para os lados e procurar outra coisa.

Procuramos pela cidade em busca de algo novo… vasculhamos suas ruas, caminhamos pelo centro velho, pelos lugares esquecidos, obscuros e perigosos à noite. Até que, vagando pela rua fria e úmida, ouvimos um surdo som de uma batida repetitiva vindo detrás da porta daquele prédio velho, que dava para uma escada que conduzia a um porão.  Uma estranha fumaça saía pelas frestas da porta. O coração apertou. A respiração acelera um pouco e sem saber, sabíamos: encontramos!

DJ Anna – foto: divulgação

Com ou sem coragem, abrimos a porta e entramos. Descemos a escada e antes de mergulhar em uma piscina de gente estranha, extravagante, excêntrica… avistamos do outro lado do porão uma garota ou um garoto de rosto surrado, origem humilde, normalmente da periferia da cidade, comandando através de um par de pratos giratórios os movimentos de toda aquela centena de rebeldes e excluídos.

O encontramos, como um xamã ancestral com discos no lugar de tambores, compenetrado em sua missão de não deixar a peteca cair, de ser sempre progressivo em seu mantra, de aliviar a tensão quando estávamos prestes a explodir ou nos puxar pela mão quando o relaxamento nos faria deitar. Lá estava ele, compenetrado, em transe meditativo, sempre à procura da batida perfeita.

Os DJs surgiram nas rádios, consolidaram-se como autoridades musicais graças ao acesso antecipado aos novos lançamentos. Quando lhes pareceu divertido, saíram para rodar seus discos em pontos de aglomeração: lanchonetes, clubes sociais, becos e quebradas.

Então meros prestadores de serviços sensoriais, logo foram cooptados pelos nightclubs e “acomodados” em salinhas fechadas, atrás de balcões de bares ou dentro das cozinhas com suas pilhas de discos. Com o tempo, o público exigiu que eles viessem mais para perto da pista de dança, em cabines onde o contato entre DJ e dançarino era imediato. Foi como tirar o motorista de dentro do banheiro e colocá-lo na frente do ônibus.

Porquê o DJ é, sim, o motorista de um ônibus sonoro. Ele te pega em um ponto, desvia dos buracos, capricha nas curvas com a missão de te levar até seu destino. Com um DJ no pilote, você jamais vai sair no mesmo lugar em que você entrou. O tempo, o espaço, o seu conhecimento sobre música e sobre si  já não é mais é mais o mesmo.  Você é outra pessoa, em outro lugar e em outro momento.

Quando entrevistamos a DJ inglesa Harry (Amazonica), cuja vida é um pêndulo entre sua banda e a discotecagem, ela afirmou que “ser DJ não tem a ver com o seu ego. Você é só um condutor, uma espécie de xamã mágico. Quando eu entendi isso, minha vida mudou completamente”.  Jane Fitz, pioneira da cena eletrônica britânica convidada para os maiores festivais do mundo nos conta que se sente feliz, mas “meu foco ainda é tocar discos em lugares obscuros”. É disso que estamos falando.

Conheci durante a vida gente que saía vários dias por semana, sem consumir álcool ou qualquer outra droga, fazia da dança seu ato sexual e voltava para casa. O que as fazia suportar a semana era a certeza de que voltariam a dançar em alguns dias. “Last Night a DJ Saved My Live“.

Se a dança não fosse tão poderosa, não estaria presente em rituais ancestrais desde que o homem se reuniu em volta de uma fogueira. E a partir do último século, coube a um solitário profissional cuidar para que tal ritual seguisse da melhor forma possível: o DJ.

Porque no nightclubbing a figura mais importante da noite sempre será o dançarino. O DJ voltará para casa do mesmo jeito que saiu. O dançarino, jamais. E os melhores, maiores e mais geniais DJs da história foram os que mais rapidamente compreenderam isso.  Hoje, dia 09 de março, é o dia deles.

Hoje é o dia de quem passa horas de seu dia vasculhando prateleiras empoeiradas (virtuais ou físicas) através de peças de um quebra cabeça cuja imagem ainda não lhe foi apresentada. Do primeiro a chegar e do último a sair. Hoje é o dia do artista a quem eu entrego as chaves da minha cabeça no começo da noite, certo de que meus pensamentos estão bem guardados.

Um ditado muito popular tempos atrás dizia “joga pra Deus”. Se “Deus é DJ”, como cravou o Faithless, então joga pro DJ que está tudo certo.

Parabéns a todos e a todos os DJs do planeta. Pendurado num guindaste, enfiado em um porão fumacento, comandando um soundsystem na rua, transmitindo da cabine da rádio ou segurando a festa de um casamento. Sem vocês a roda não gira!

dia do dj

Mau Mau, Magal, Renato Cohen e Anderson Noise foto: acervo Music Non Stop

 

 

 

 

 

 

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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