Mans tocando no Vegas

Dez anos sem Gregão. Entrevista exclusiva com o DJ e live em sua homenagem

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Hoje faz dez anos que DJ Grego, pioneiro das discotecagens e dono de uma biografia no mundo da música dançante brasileira, voltou pra casa.

Conforme escrevemos na matéria de lançamento da série Faxina, com sets semanais de DJs convidados, dia 16 de setembro é o “dia do Gregão” aqui no Music Non Stop e preparamos, alem do mix resgatado no Faxina que você deveria estar ouvindo agora, algumas homenagens para manter vivo o legado deste herói dos toca discos.

Hoje um live especial reúne diversos canais para homenagear o “Mans”. Claro que o Music Non Stop está nessa.

Hoje às 20 horas, no Facebook do Music Non Stop, você sintoniza o pool que transmitirá o show. Não perca. E enquanto isso, leia esta entrevista completa que Claudia Assef fez com o Gregão para o livro Todo DJ Já Sambou.

Gregão e os “greguinhos”

Antes de a disco music se consolidar como mania em São Paulo havia duas opções para o paulistano dançar: os bailes black e as boates do centrão. Casas como Cave, Tonton Macoute, La Ronde, Playboy, Plug, Medieval (o primeiro clube gay da cidade), London Tavern (no hotel Hilton), Mirage, Eddi Sebastian Bar e Belo Brumel funcionavam no esquema pré-discoteca: c ainda tinham mantinham mesas, além das pistas de dança.

O som das casas misturava hits de música francesa e italiana, rock e soul. Algo bem próximo do padrão das rádios jovens da época (a Excelsior e a Difusora). O discotecário mais conhecido era o Chicão, do Cave, casa que funcionava como uma espécie de afterhours. Era pra lá que os boêmios iam para terminar a noitada.

Outros DJs conhecidos no pedaço eram Olavo, da Playboy, Marquinhos, do Belo Brumel, e Miguelzinho, do Sasha. Chicão, porém, era o aglutinador dos notívagos que buscavam boa música. Quanto mais tarde da noite, mais ele tocava novidades e raridades. Entre as pérolas de seu repertório estavam discos obscuros de gravadoras como Motown e Stax.

Da escola de Chicão apareceram DJs mais jovens, como Robertinho, Sonia Abreu, a primeira mulher a ousar furar “a hegemonia macha” nas cabines de DJs, com sua residência no Mirage, e Grego [in memoriam]. “Meu nome é Ippocratis Bournellis. Minha mãe se inspirou no pai da medicina, Hipócrates, para me batizar. Mas acabei virando pai de uma geração de DJs, com muito orgulho”, diz Grego, que estreou nas pick-ups da boate La Ronde em 1973, aos 17 anos de idade, e se tornou um dos maiores agitadores do ultra incipiente mercado de dance music no Brasil dos anos 70 e início dos 80.

De ascendência grega, ele abriu espaço para que uma leva de DJs o acompanhasse no rádio e no mercado fonográfico – Grego foi um dos primeiros remixers do país. Seu irmão, também DJ, acabou ficando conhecido como Greguinho [in memoriam].

Com o passar dos anos, ele se tornou uma mistura de DJ, consultor musical e produtor de remixes para o mercado internacional. Grego viu de perto a evolução da dance music em São Paulo e no Brasil, manteve trânsito livre entre o povo dos bailes black, do rap e da música eletrônica. Foi um dos primeiros, junto com Sylvio Müller e Double C, a gravar LPs apenas com efeitos (DJ Construction e Beats and Breaks), especialmente para uso dos DJs.

Em 1977, lançou O Maestro Mecânico, disco mixado que, a começar pelo título, já tinha como conceito a valorização do profissional das pick-ups. Grego atuou ainda como empresário, foi dono do primeiro selo específico para DJs do Brasil – o 12 Inch for DJs – e da Rock’n’Soul, uma das lojas de disco mais importantes da década de 90. Grego foi uma espécie de arquivo da história dos DJs no Brasil. Visionário, ele não nunca parou de se atualizar. Em 2008, estreou um canal exclusivo para transmissão de sets ao vivo pela internet, a DJ TV.

E aqui ele conta tudo o que viu, ou quase tudo.

Por Claudia Assef

Na época em que você começou, como era o prestígio do DJ na boate?

Grego – Lá no início a gente era considerado como parte da equipe da casa. Fazíamos parte da brigada, mas também sempre fomos o braço direito do dono do clube. Éramos uma espécie de relações públicas da casa. E isso já te tirava do patamar do garçom. Então o DJ estava mais no nível do maître. Só que na hora em que o dono ia ter uma conversa com alguém e fechava a porta da diretoria, o maître caía fora, e o DJ podia ficar, entendeu?

Mesmo assim, a cabine do DJ só foi ganhar lugar de destaque nos clubes no final da era das discotecas…
Grego – Foi. Antes a cabine ficava em qualquer canto, separada do público por uma vidraça, ou sempre tinha uma coluna na frente. A primeira cabine legal mesmo, super bem-equipada, foi a do Ta Matete, isso em 1976. A cabine do Papagaio também era bem legal, dava um puta destaque para o DJ. Mas no Hippopotamus, por exemplo, o DJ ficava de costas para a pista.

Quando começou a se criar uma demanda por DJs nas boates de São Paulo?

Grego – Na época do circuito de boates do centrão, no começo dos anos 70. Naquele tempo não existia nada nos Jardins. O Morumbi, por exemplo, era praticamente uma fazendona. O entretenimento musical da noite se concentrava no centro da cidade. As casas eram alimentadas por músicos e bandas, mas não existia mão-de-obra qualificada suficiente para preencher todas as noites. Eram poucos os grupos legais, então ficava caro contratá-los. A alternativa mais óbvia foi arrumar pessoas que tocassem discos e fitas de rolo nas casas. Essas pessoas foram se aprimorando eletronicamente, ficando melhores. Aqui no Brasil rolou o mesmo que no exterior, só que demorou mais tempo para acontecer. A primeira preocupação do DJ foi conseguir passar de uma música para a outra sem deixar intervalos no meio. Mas bem no começo nem isso tinha. Era muito louco, o cara tocava uma música, a pista parava, ele falava alguma coisa, ou não, todo mundo respeitava, ficava esperando ele tirar o [compacto] sete polegadas do toca discos, pegar outro para, só daí, começar a dançar de novo. As casas só tinham um toca-discos.

Como era tocar sem fone?

Grego – Tinha que escutar o começo da música colando a orelha no disco. Você ouvia aquele barulhinho do sulco, não tinha outro jeito. Mas eu tive a sorte de ter um toca-discos e um gravador de rolo no La Ronde, então não tinha que parar entre as músicas. Mas, se tivesse que colocar dois discos na sequência, não tinha jeito. Tinha que dar uma leve paradinha ou inventar um efeito na fita que me desse tempo de fazer a transição. Uma das únicas casas que tinham dois toca-discos era o Cave. Ali o Chicão usava um par de toca-discos Garrard 401, importados. Foi a primeira pick-up que já vinha com pitch. O som da casa também era de primeira, foi montado por um engenheiro muito bom, o Eduardo. Ele montou a maioria dos sistemas de som das casas do centro. Nessa mesma boate instalaram o primeiro sistema de escuta. O som não saía por um fone, mas por uma caixa. Era foda mixar nesse tempo. O equipamento não ajudava, e as músicas eram todas tocadas por grupos. Todo DJ deu suas embaralhadinhas nessa fase.

Como faziam para comprar discos?

Grego – Era uma verdadeira epopeia. Em São Paulo quase não chegavam discos, então eu e outros DJs da época, como o Chicão e o Robertinho, íamos sempre para o Rio de Janeiro. Ali tinha uma máfia de distribuição. Os discos eram trazidos na moita por comissários de bordo, que, por sua vez, repassavam para os lojistas. Por isso as lojas do Rio eram muito mais ricas nos anos 70. Vários DJs de São Paulo faziam caravana até o Rio para fazer compras na Modern Sound e na Billboard, as lojas quentes da época, na rua Barata Ribeiro. A disco music na verdade começou no Rio, com as boates do Hubert de Castejá e com o DJ Ricardo Lamounier. Aliás, ele foi o responsável pela entrada do mixer e das pick-ups Technics no Brasil. O Ricardo era um monstro, já estava fazendo back-to-back em 1976. Outro cara fodido lá do Rio era o DJ Amândio, que a gente sempre ia ver tocar na boate Sótão.

Alguns DJs não compravam discos, usavam os que havia nas boates, não é?

Grego – No começo ninguém comprava disco mesmo. O dono da boate é que mandava comprar. O DJ fazia uma lista de coisas que queria, mas além das novidades tinha que tocar as músicas clássicas, os hits que os clientes gostavam. Isso começou a mudar com o movimento da disco music. Daí cada um queria ter o seu disco exclusivo. Às vezes a gente chegava a comprar todas as cópias de um disco que tinha acabado de chegar ao Brasil só para ficar com aquela música exclusiva.

Como é a história dos caras que alugavam discos?

Grego – Isso veio com a febre da disco music. Começaram a surgir muitos 85 clubes, e as rádios também queriam tocar música mais dançante. Quem transformou o aluguel de discos em negócio foi o Tony Louvato e o Heraldo Zani. Aliás, o Zani foi um cara fundamental para a dance music no Brasil. Ele trabalhava na rádio Difusora e foi o cara que botou pilha no Tutinha [Antônio Augusto de Carvalho Filho] para que ele abrisse a Jovem Pan FM. Eles traziam do Rio discos importados, montavam uns cases e alugavam para as boates. Como os dois trabalhavam em rádio e esse business dava um trabalho do cacete, acabaram passando a bola pro Machado, que ficou muito famoso como “alugador” de discos. O Machado virou uma indústria, porque começaram a aparecer as boates de periferia, e ele alugava discos de 12 polegadas para todas. Mais tarde ele passou a vender discos também.

Na fase da disco music, o DJ ia tocar sempre arrumadinho, para não destoar da boate. Era como vestir uniforme para ir trabalhar?

Grego – Quando cheguei no Ta Matete para tocar, eu tinha cabelo no meio das costas, era um puta hippão. Aí os caras encrencaram, disseram que não ia dar para trabalhar de camiseta e manter o cabelão. Eu tinha 19 anos, putz, a ideia de cortar o cabelo me deixou doido. Mas aí acabei cortando porque queria muito tocar. Sei lá, se eu tivesse insistido, se na época eu já fosse bem conhecido… Mas realmente ir tocar de camiseta não ia combinar muito com o lugar. As paredes eram forradas com pele de antílope, o teto era de uma tal de casca de tartaruga… e eu de camiseta laranja e cabelo no meio das costas? Os caras iam imaginar que eu era o faxineiro, sei lá.

Nessas casas finas havia algum código musical combinado com o dono? Tinha a hora de parar de bombar a pista para o cliente ir consumir?

Grego – O maître às vezes reclamava, falava para dar uma baixada na bola porque não tinha ninguém tomando uísque. Aprendi a fazer pista, diminuir pista, fazer o cara ir beber. Eu sempre me empolguei com pista cheia. Daí o maître falava: “Gregão, faz duas horas que a pista está lotada, mas não tem ninguém bebendo porra nenhuma. Manda alguém pro bar”. Daí você tinha que ter a manha de não perder a pista totalmente e fazer a pessoa beber. Tinha uma sacanagem que a gente fazia. Era só tocar Champagne, do Pepino di Capri, que os ricaços começavam a estourar garrafas e mais garrafas, gastavam uma puta grana. Era uma questão de sobrevivência no trampo.

Você foi um dos primeiros a mixar dance music no rádio. Como foi parar na Jovem Pan?

Grego – Fui para lá por causa do Heraldo Zani, o “teacher”. Na época eu tocava no Saint Paul, e ele falou: “Gregão, por que tocar para 500, 600 pes- soas se você pode tocar para 2 milhões?”. Pensei: “Bicho, se é para o bem da nação…”. Fiz o Jovem Pan Disco Dance, com músicas mixadas, montagens, era demais. E fazia também as mixagens do programa Mike Nelson, do Tu- tinha, que depois virou Djalma Jorge. A Jovem Pan foi um marco para a dance music no Brasil.

Assista a íntegra da live em homenagem ao Mans que rolou dia 16 de setembro de 2.020:

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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