Liana Padilha e Luca Lauri estão de volta dez anos depois, mostrando como o No Porn firmou-se como um dos nomes mais cultuados da eletrônica nacional. Em 2006, o primeiro álbum, homônimo, destacou a dupla de DJs/produtores como viscerais poetas das pistas, com um electro afiado e de versos ritmados (mais falados que cantados), que perduraram até hoje no ideário clubber. Tanto é que eles estão de volta com um segundo álbum, Boca, com dez canções quase prontas, a ser lançado em setembro pelo ótimo selo de música brasileira Joia Moderna, do DJ Zé Pedro.
O clipe da intensa e romântica faixa Tanto já está disponível, assista abaixo. E Cavalo, faixa ainda inédita, você ouve em primeira mão aqui, um presente do No Porn pros leitores do Music Non Stop.
Liana e Luca dizem que nunca pararam, apenas não mostraram ao mundo as músicas e demos que continuaram criando depois do primeiro disco. “A gente não lançou nada em seguida porque achávamos que não tínhamos o que contar com um disco”, explica a articuladíssima Liana, com sua voz deliciosa e indefectível do hit electroclash nacional Baile de Peruas. “Eu e o Luca só falamos algo quando temos o que contar. E depois desses 10 anos, o que a gente quer contar agora tem a ver com sexualidade, libertação sexual, com os direitos, com violência, com sexo, com amor. É de tudo isso que Boca fala, depois de um primeiro álbum mais melancólico, que era sobre perda”.
Liana explica como eles sempre tiveram como pressuposto falar dos vários tipos do amor, em particular o amor físico, sem pender à pornografia – por isso o nome No Porn. “O novo disco é sobre encontros, a descoberta de paixão e o amor. Tem música sobre a rotina amorosa, que é quando você quer outras coisas, e músicas sobre o fim. No meio dessas músicas sobre o fim há uma letra que fala de violência, e no meio das letras sobre os encontros surge a Cavalo, que é sobre alguém que aparece na sua vida e te leva para outro portal, um mecanismo de força, de incorporação; quando você está tão apaixonado que se transforma no outro”.
Luca explica que o processo de elaborar um novo álbum foi rápido, impulsionado pela percepção de que a nova geração, principalmente os meninos gays, na casa dos 18 a 24 anos, conheciam e eram devotos de um disco lançado em janeiro de 2006, quando esse público ainda era criança ou adolescente. “Tivemos como impulso a repercussão do primeiro disco com esse público, que sabia cantar todas as letras, com as músicas tocando nas festas, nas pistas hoje em dia”.
Ao mudar-se para o Rio, Liana também notou como os jovens gays se sentiam muito representados pelo No Porn. “É essa coisa do eu sei quem eu sou, de ser gay. As drags da nova geração dublando, gente que tatuava frases do disco, esse foi um grande start para voltarmos”.
Xingu, aliás, foi tocada quase que integralmente em Beira-Mar, filme juvenil brasileiro de 2015 premiado no circuito LGBT.
Para Boca, Liana traz mais de seu spoken word para letras românticas e ainda mais carnais. “Quando você fala um sentimento que é seu, você vai alcançar um monte de gente que sente aquilo mas não sabe expressar”, reflete. Musicalmente, o disco vai um pouco além das limitações do electro fashionista de dez anos atrás, mas, como Luca atesta, ainda é “muito eletrônico, todo construído de um jeito bem matemático”.
O DJ/produtor cria bases aleatórias em aplicativos como o portátil Figure e a controladora Push, e agora também usando o baixo, que ele aprendeu a tocar, sempre acoplando suas ideias sonoras às rimas e versos de Liana (no primeiro disco seu set-up era mais em torno do Reason). Ou o caminho inverso, Luca pensando em sons e camas musicais que se adequem aos textos dela. “Cada música é uma história”, diz.
Entre muitos rascunhos, demos, poemas de Liana e versos de artistas amigos – além da pressão de Zé Pedro para o lançamento, Boca começou a ser feito no fim de 2015, impulsionado por um revival “espontâneo, natural” do No Porn, como frisa Luca, por uma nova geração que está dançando nas pistas sob os versos sagazes e mecânicos do No Porn, de faixas como Xingu, Sonia e Baile de Peruas.
“Fizemos um show na Rebola, uma festa bem bacana aqui no Rio, e eram mais de 2.000 pessoas cantando nossas músicas. A gente percebeu que tinha algo acontecendo ali, que as pessoas gostavam. E foi com a música que encontrei uma aceitação maior pra minha expressão”, reflete Liana, que já se envolveu com pintura, moda, televisão, performance… “A música é mais completa porque faz você sentir outras coisas, ela te transporta”.