Depois de festa bombada, Selvagem vira disco em vinil. Falamos com os meninos

Thiago Ney
Por Thiago Ney
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Augusto Olivani e Millos Kaiser não são mascarados… eles são selvagens

Em meio a beats que nos remetem a um final de tarde ensolarado, aos 2min12 aparece uma voz grave, melancólica:

“Que sol quente que tristeza/ Que foi feito da beleza/ Tão bonita de se olhar/ Que é de Deus e da natureza/ Se esqueceram com certeza”.

Esses são, originalmente, os primeiros versos de Cancão Nordestina, emblemática faixa que faz parte do primeiro disco de Geraldo Vandré (aquele de Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores), homônimo, lançado em 1964.

A tristeza da voz de Geraldo Vandré contrasta com a estrutura dançante da faixa, e essa estranheza, em vez de algo esquisito, esquizofrênico, transcorre em uma viagem fluida e deliciosa.

A voz do cantor vai e vem durante os 7 minutos de duração de Vandré, música que faz parte do EP Disco Halal Brazil. Com lançamento em 29 de fevereiro, o disco tem três faixas autorais da dupla Selvagem em parceria com o produtor carioca Carrot Green (além de um remix de Vandré).

Carrot Green & Selvagem – Vandre (Marvin & Guy Halal Sensation)

Ossain e Dengo, as outras faixas do EP, conservam o mesmo espírito disco-retrô-quente-black-Brasil que transborda nas já clássicas festas pelas quais a dupla Selvagem ficou conhecida desde o final de 2011, quando os amigos Augusto Olivani, 34, e Millos Kaiser, 29, resolveram juntar forças.

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A festa Selvagem começou como um projeto tímido, em que Augusto e Millos misturavam brasilidades com faixas de raiz house e disco no bar Paribar, em uma praça na região central de São Paulo. Sempre aos domingos à tarde e de graça, reuniam 500, às vezes 800 pessoas que se amontoavam pelo bar e pela praça. Esse número foi aumentando – em 2015, a dupla tocou para cerca de 3 mil pessoas. Por isso, a Selvagem agora é realizada em um galpão à beira de um trilho de trem na Mooca (ainda aos domingos à tarde, mas não mais gratuitamente).

Em uma cidade como São Paulo, em que produtores se desdobram para chamar gente para suas festas, a Selvagem tornou-se um mini-fenômeno.

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“Quando começamos a tocar, não havia ninguém fazendo algo parecido”, conta Millos. “Misturávamos Masters at Work com Fágner, por exemplo. Parecia que não tínhamos muito critério, mas na pista fazia muito sentido”, diz Augusto. “Pegamos o começo da onda de festas na rua e a partir daí tentamos criar uma identidade própria, não seguimos nenhuma moda.”

Os sets da dupla são recheados de edits feitos a partir de faixas antigas de funk, soul, disco, principalmente brasileiras. “Tocar vários edits que nós mesmos fazemos foi algo que deu uma identidade sonora para a gente. Porque tem muito produtor que não sabe discotecar. E há casos de vários DJs que não produzem e, por isso, perdem espaço”, explica Augusto. “Aqui no Brasil nem tanto, mas lá fora o mercado é feroz. Os DJs são meio que forçados a produzir, a remixar e até a ter o próprio selo”, diz ele.

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Millos e Augusto sendo Selvagens

O fato de a dupla além de discotecar produzir a própria festa também ajudou. Mas Millos afirma que não é suficiente: “Ter uma festa própria é ótimo apenas localmente, porque não dá para levar o clima da festa para outras cidades. Quando vamos para fora, o que atrai os gringos é o que tocamos, os nossos discos e os nossos edits”, diz.

Produção autoral

O sucesso dos edits que tocavam nas festas motivou a dupla a se arriscar em produções realmente autorais. A primeira a conhecer o mundo foi Magic Bahia, que saiu em 2015. “Ali percebemos que podíamos fazer produções mais seriamente”, conta Augusto. “Nós íamos ao estúdio do Carrot Green e levávamos discos, editávamos músicas, colocávamos linhas de baixo, de sintetizador. Era como uma experimentação”, conta.

O produtor carioca Carlos Gualda aka Carrot Green

O produtor carioca Carlos Gualda aka Carrot Green, parceiro dos Selvagens do EP Disco Halal Brazi.

As faixas dos Selvagens normalmente têm como ponto de partida um sample que faz as cabeças da dupla. “As músicas foram saindo como se fossem jams”, diz Augusto.

Millos conta que Vandré saiu porque “eu amo aquela música e sempre achei que poderia criar algo em torno dela.” E o fato de Geraldo Vandré não estar exatamente associado à dance music foi um combustível para que a dupla acertasse a mão.

“Temos acesso a coisas que os gringos não conhecem”, diz Millos. “Todo o mundo sampleia faixas de disco ou de black music americana. O que os gringos mais sampleiam daqui são as faixas mais conhecidas. Nós queremos mostrar que há muitas músicas brasileiras que merecem ser mais ouvidas”, conta.

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Com o trabalho finalizado, os dois passaram a mandar as faixas para gente de fora. Então um israelense que mora em Berlim e é dono do selo Disco Halal se interessou e chamou a dupla para lançar o EP.

Carrot Green & Selvagem – Ossain (Disco Halal)

E vem mais por aí. Os Selvagens querem lançar o segundo EP em junho, com um tempero mais “disco music brasileira”.

Na mesma época, partem para tour por Escócia, França e Itália.

Bom, acho que tá todo mundo tranquilo e favorável esperando já o próximo disco dos Selvagens, assim como o Vitório (filho do Augusto) tem estado em algumas das festas, olhas só.

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Hang Loose 🙂