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De “Psycho Killer” a “20th Century Women”: a herança sensível dos Talking Heads

Talking Heads

Cena de 20th Century Women. Imagem: Reprodução

Pegando o gancho do novo clipe de Psycho Killer, Luiza Padilha fala sobre o diretor Mike Mills e seu profundo filme de 2016

Há 50 anos, os Talking Heads faziam seu primeiro show, abrindo para os Ramones no CBGB. Como uma forma de celebração, o quarteto de Nova Iorque anunciou na última semana o lançamento de um novo videoclipe do hit imbatível Psycho Killer, estrelado por Saoirse Ronan (Little Women, Lady Bird, Brooklyn) interpretando o dia a dia repetitivo e extenuante de uma pessoa que trabalha no meio corporativo.

O responsável pela direção é o cineasta estadunidense Mike Mills, que há algum tempo já demonstrou, de outras maneiras, seu apreço pela banda. Em 2016, Mills lançou 20th Century Women (Mulheres do Século 20), um longa-metragem que se passa no ano de 1979 e gira em torno de um garoto de 15 anos chamado Jamie (Lucas Jade Zumann) e sua educação sentimental sendo orientada por três mulheres de diferentes gerações: sua mãe (Annette Bening), que é solitária e emocionalmente distante; sua melhor amiga (Elle Fanning), que é um pouco mais velha e que reproduz comportamentos impulsivos; e uma fotógrafa (Greta Gerwig), que é amiga da família e está se recuperando de um câncer. 

Logo no início do filme, ouvimos Don’t Worry About the Government, faixa do álbum Talking Heads: 77. A mesma obra estampa a camiseta que Jamie veste em uma das cenas mais marcantes, quando dá uma lição sobre o orgasmo feminino para um garoto mais velho, e leva uma surra por isso. O que muitos não sabem é que aquela camiseta em questão é do próprio Mike Mills, que a ganhou de presente de sua irmã mais velha.

“Como homem hétero, um dos meus maiores medos era apanhar. Garotos brigam entre si. É uma das coisas que você precisa negociar no mundo”, disse Mills ao The Cut, em 2017. “O punk muitas vezes era muito machista. Muitas daquelas bandas de hardcore de Los Angeles tinham algo tremendamente catártico naquela fisicalidade crua, bruta, não treinada.”

Mas os Talking Heads prometiam algo diferente: o cineasta se identificava com a versão mais cerebral e criativa de subversão que eles representavam. Em Mulheres do Século 20, isso é explicitado quando o garoto que bate no adolescente chama ele — e os fãs da banda de David Byrne — de “art fags” (algo como “bichas das artes”). E posteriormente, picha o carro da sua mãe: de um lado, art fag; do outro, Black Flag, influente banda punk californiana formada em 1976.

Esse acontecimento resulta em uma das cenas mais bonitas, embalada por The Big Country (do álbum More Songs About Buildings and Food, de 1978), quando a mãe de Jamie e um amigo da família (interpretado por Billy Crudup) resolvem dar uma chance para ouvir os discos que os mais jovens apreciam, tentando entender o que era o Black Flag e quem eram os art fags. Quando escutam o primeiro, não aguentam nem um minuto. Mas quando colocam Talking Heads, dançam juntos dentro do quarto e afirmam que eles preferem, sim, os art fags.

20th Century Women é, em essência, um filme sobre como nos formamos através da cultura, da política e da escuta. Música, feminismo, sexualidade, leitura, convivência e resistência estão costurados com delicadeza e inteligência, com uma trilha sonora impecável que ainda inclui DEVO, Siouxsie and the Banshees, Suicide e David Bowie. É um daquelas obras que nos marcam e que a gente sai indicando para todo mundo que também ama música e, obviamente, David Byrne e sua turma.

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