Um nerd usando óculos fundo de garrafa está ajudando a mudar o panorama da noite de São Paulo, quem diria. Carlos Capslock, o personagem criado pelo DJ e produtor Paulo Tessuto, está há 5 anos fazendo as warehouses paulistanas mais divertidas e insanas do pedaço – e olha que a concorrência de festas está forte na cidade!
Como diz Tessuto, é lounge que eles querem chegar. Mas, se você olhar para trás e perceber as mudanças que rolaram na noite de São Paulo desde que o nerd Capslock apareceu com seu bordão deformador de opiniões, é inegável que lounge eles já chegaram.
“Acredito que de certa forma causamos impacto, estou propondo um novo estilo de vida para as pessoas e acho que essa mensagem está conseguindo atingir cada vez mais os seguidores da Carlos Capslock. E não me prendo mais àquele pensamento pequeno de achar que temos que ter somente o público under, antenado, descolado na festa – como foi durante muitos anos”, diz Paulo Tessuto, criador da criatura Capslock.
Ex-jogador de basquete do clube Pinheiros, Tessuto começou a discotecar há menos de 10 anos e logo de cara já criou uma festa própria, a Plastik, ao lado de Pedro Lattari. Daí em diante não parou mais de produzir noites em que a tônica é a tríade diversão, liberdade de expressão e humor.
Eis que depois do personagem nerd, ele um dia resolveu tocar montado. Homenagem a pioneiras como Selma Self Service? Piada? Fashionismo? “Resolvi fazer uma festa de casamento de mentira. E, por que não ser a noiva?”, diz, provocativo.
Além dos 5 anos da Capslock, outra notícia legal é que a partir de agora as produções de Tessuto (do selo que mantém com L_cio e Pedro Zopelar, o MEMNTGN) serão distribuídas pela gravadora alemã Kompakt. Tanta novidade que o melhor é deixar ele falar, né? Vamos à entrevista, pois.
Music Non Stop – Como foi a sua iniciação na música?
Paulo Tessuto – Foi quando eu tinha uns 5 ou 6 anos. Minha prima comprava aquelas revistas que vinham com CD, coisa dos anos 90. Ela também ía para as matinês. Às vezes eu ía com a minha tia, que levava ela. Pra voltar, ela se virava rs. Agora nas pistas foi com 16. Na época eu tinha ido morar na república de jogadores de basquete do Clube Pinheiros e alguns rapazes íam para um tal de Lov.e ouvir um tal de Marky Marky. Na época tudo aquilo soava tão desconhecido para mim. Jamais imaginaria que hoje estaria onde estou e que o Marky era o Marky e o Lov.e era o Lov.e. De jogador de basquete a DJ, reviravolta!
Music Non Stop – Quando começou a tocar? Quem foi o/a primeiro/a DJ que vc curtiu?
Paulo Tessuto – Comecei a tocar em meados de 2006, posso estar enganado, pois minha memória às vezes me deixa na mão. O primeiro DJ que eu realmente curti foi o Oliver Huntemann.
Music Non Stop – Quando começou a Capslock, há 5 anos, que tipo de festa queria fazer? Acha que conseguiu chegar onde queria?
Paulo Tessuto – Quando o Capslock nasceu eu não imaginava que ele se tornaria uma festa. A princípio era só uma válvula de escape para extravasar minhas idéias e fazer minha própria revolução mental. Quando o lance virou uma festa, eu pensei em fazer uma festa única, libertária e que pudesse atrair um público totalmente novo para mim. Eu escondi meu nome e meu rosto e fiz uma festa que não fazia sentido nenhum, uma festa onde a pessoa precisasse se interessar em tentar descobrir o que significava para poder ir. Aos poucos comecei a idealizar a cena de Nova York no final dos anos 80 e foi aí que a coisa toda saiu do controle. Consegui chegar ainda na metade do caminho. Ainda há muito a se fazer.
Music Non Stop – Você faz parte de uma turminha que está recuperando a movimentação da cena clubber mais underground. Acha que causou um impacto na cidade?
Paulo Tessuto – Primeiro, obrigado por sua consideração. É muito legal quando vemos que nosso trabalho está sendo reconhecido. Faço parte desta turma sim! Acredito que de certa forma causamos impacto, estou propondo um novo estilo de vida para as pessoas e acho que essa mensagem está conseguindo atingir cada vez mais os seguidores da Carlos Capslock. E não me prendo mais àquele pensamento pequeno de achar que temos que ter somente o público under, “antenado”, “descolado” na festa (como foi durante muitos anos). Atingimos um limite de alcance das nossas mensagens e agora o passo é mais à frente. Queremos atingir o público que está conhecendo a Capslock agora. E tudo isso foi muito natural. É fruto do sucesso do projeto, é inevitável, então aprendemos a conviver com as mudanças.
O Rivotrio, trio organizado por Tessuto, passeia pelas ruas de SP em 2014
Music Non Stop – O que você mais gosta de fazer quando não está tocando ou produzindo festas?
Paulo Tessuto – Gosto de produzir músicas, inventar palavras, assistir a documentários, transar, etc e tal.
Music Non Stop – Você acabou de assinar com o selo Kompakt, o que deve rolar a partir de agora, você vai viajar mais vezes pra tocar etc?
Paulo Tessuto – Então, isso foi uma coisa que e eu e o Laércio costuramos pessoalmente ano passado em Berlim (lembrando que o Zopelar também faz parte). Demorou até sair do papel, estamos muito felizes em poder distribuir as músicas do nosso label, MEMNTGN, pela Kompakt. A partir de agora o que queremos é impulsionar nossa carreira como produtores através do nosso label. Esperamos que tudo continue crescendo gradativamente, um passo de cada vez. Em abril embarco novamente pra Europa. Já tenho datas confirmadas em Berlim, Londres e Istambul e em breve espero poder anunciar mais datas. E, em agosto, estamos planejando uma edição da Capslock em Berlim, mas esta segunda viagem não esta confirmada ainda.
Music Non Stop – O que diferencia as festas que você faz de uma noitada num clube?
Paulo Tessuto – Acho que o ambiente em geral é mais libertário e aberto a novas experiências. Prezamos pela liberdade acima de tudo e vamos lounge nesse lance.
Music Non Stop – Donos de clubes criticam o fato de que festas itinerantes não pagam impostos, não mantêm empregados fixos, não pagam Ecad… comenta, por favor.
Paulo Tessuto – Nossa festa é itinerante. Não existe uma frequência desses eventos que justifique essa contratação. Não somos clubes que abrem x dias por semanas e justifiquem a necessidade desse vínculo empregatício. Porém, todos são bem pagos e valorizados. Procuramos fazer todo o possível e o impossível para atuar dentro da legalidade e pagamos as taxas do Ecad sim, assim como muitas outras. Se por um lado existem essas críticas, por outro nós promovemos a inclusão e o reconhecimento de áreas abandonadas ou esquecidas e praticamos preços acessíveis a diversas classes sociais, por exemplo nossa festa de aniversário vendeu convites a R$ 25 durante uma semana e meia. Isso sem falar nas festas de graça.
Music Non Stop – Essa movimentação nova de ocupação das ruas com festas e manifestações culturais é uma forma de fazer política?
Paulo Tessuto – Como a gente aborda diversos problemas sócioculturais e econômicos acabamos por fazer política indiretamente. Tudo e política, até mesmo nossas relações de amizade.
Music Non Stop – Você usa muito humor nas comunicações das festas. Você acha que está faltando humor na noite?
Paulo Tessuto -Acho que tá faltando bom humor no mundo. E não culpo somente as pessoas. Não está fácil sorrir hoje em dia. O mundo tá uma merdinha, né? Acho que tá na hora da gente assumir. Assumir é o primeiro passo para mudar. Eu sempre tento rir e achar algo engraçado na minha desgraça… foi assim que aprendi a lidar com os momentos difíceis.
Music Non Stop – De onde veio a ideia de tocar montado? E de chamar os outros meninos DJs pra se montarem?
Paulo Tessuto – A ideia veio quando fizemos a festa no Cine Marrocos. Eu fava naquela pira de ficar inventando histórias e criando folclore. Ninguém sabia se a Capslock ia ou não acabar e onde eu estava morando. Nessa época passei a ir muito pra Europa e passar de dois a três meses por lá, isso deixou as pessoas mais confusas ainda. Então, numa dessas mentiras do bem eu inventei que ia morar em Berlim e ia casar para ter o visto. Tudo balela e então resolvi fazer uma festa de casamento. E, por que não ser a noiva? Inversão de papéis…rs. A ideia de chamar os outros para se montarem foi para encerrar o ciclo do ano passado em grande estilo e acabou virando uma tradição. Todo ano, a partir daquela festa, teremos essa condição especial… a última festa do ano só terá DJs montados.
Music Non Stop – Se você fosse um adesivo de caminhão, que frase seria?
Paulo Tessuto – “Se ter etiqueta fosse bom, ela não ficaria para o lado de dentro da roupa” – Carlos Capslock Poeta.
Music Non Stop – Já aconteceu de você tocar uma música e fazer o Moisés, ou seja, de a pista esvaziar? Como vc reagiu?
Paulo Tessuto – Já aconteceu, sim. Daí eu toquei uma outra parecida com a que estava antes… Muitas vezes nem é a música que faz as pessoas saírem, às vezes elas combinam de dar uma volta, ir ao bar… Mas no fundo, quando isso acontece, você sabe o porquê.
Music Non Stop – Quem são seus DJs preferidos (daqui e de fora) atualmente?
Paulo Tessuto – Meu DJ preferido hoje em dia é o Ryan Elliott, disparado. Também adoro o Nick Hoppner, John Talabot, Virginia, Steffi. Aqui no Brasil tenho me ligado muito no Paco Talocchi, tanto que convidei ele para ser residente da Capslock. Gosto muito do estilo do Rafael Onid também.
Music Non Stop – Que música você sempre (ou quase sempre) toca nos seus sets?
Paulo Tessuto – Olha, tem umas que sempre ficam, às vezes a gente dá um tempo e volta a tocar. Ao longo dos anos foram muitas que eu repeti. Mas uma que não sai faz tempo é Steffi, 24 Hours.
Music Non Stop – Qual foi a coisa mais louca que já aconteceu numa Capslock?
Paulo Tessuto – Nossa, essa é muito difícil. Foram muitas loucuras, mas uma das mais absurdas foi quando eu trouxe o Pachanga Boys e a mesa de som desabou… os CD-Js estavam colados com durex, o que evitou a queda, mas não evitou que eles reduzissem a apresentação de sete para três horas… fiquei muito mal.
CAPSLOCK 5 ANOS
Sábado (27), a partir das 21h
Local a ser divulgado
Ingressos: R$ 45 (terceiro lote)
Compra antecipada por aqui
Workshop gratuito com L_cio Das 17h às 21h (inscrições pelo email carloscacapslock@gmail.com)
Painel com LAERTE COUTINHO, TODD TOMORROW & PAULINHO INN FLUXUS das 19h30 às 21h (inscrições pelo email toddtomorrow@protonmail.com)
Exposição Massa Crítica por Hugo Perucci (das 17h às 21h)
Varalzinho Lixo com tattoo (19h)
Line-up: Dinky, L_cio, Tessuto, Lucas Arr (novo residente), Ney Faustini, Fractal Mood e Ohnishi