Foto: ReproduçãoDe Esperanza Spalding a Jeff Mills: 10 entrevistas exclusivas com referências pretas
Neste Dia da Consciência Negra, relembramos dez grandes artistas que trocaram uma ideia com o Music Non Stop nos últimos meses
Artistas negros fazem música boa o ano todo. Bem, a bem da verdade, inventaram a música que gostamos, desde os primórdios. Por que não — pensamos nós aqui na redação do Music Non Stop — homenageá-los compilando dez entrevistas que fizemos nos últimos meses, relembrando a sua visão da arte, da vida e, claro, da luta? Porque é para isso que serve este Dia da Consciência Negra, dia da morte de Zumbi dos Palmares, há 330 anos. No dia a dia, o povo preto segue experienciando o racismo estrutural, lutando mais do que as outras etnias (com exceção da indígena) para conseguir o mesmo espaço.

Muita gente boa falou com a gente no último ano. Vencedores triplos do GRAMMY, deuses do techno, talentos dos toca-discos que estão conquistando o mundo e monstros do jazz!
Bora relembrar como foram as conquistas dos nossos artistas, e aproveitar os links para ler as entrevistas completas!
Jonathan Ferr

Foto: Renan Oliveira/Divulgação
Esse desespero pela liberdade criativa aí tem a ver com uma luta contra a disciplina de ter estudado música? De ficar preso a regras?
Eu sempre fui fora da regra, cara. Minha mãe esses dias me disse que eu sempre fui o “diferentão” da família. Estudei música erudita por pouquíssimo tempo. Mas meus colegas concertistas são assim. Se não estiver na partitura, não conseguem tocar. Por isso que o jazz me interessou muito.
Love Supreme, do John Coltrane, mudou minha vida e a minha escuta. A primeira vez que ouvi… caraca, não entendi nada. Mas foi tão forte que eu falei: “preciso estudar isso aqui”. Minha alma entendeu, me provocou. E o Coltrane também ficou a vida dele buscando fazer coisas novas com o saxofone. Era uma obsessão.
Então sobre o Charlie Brown Jr., peguei as partes das músicas que faziam sentido para mim. Que falam de liberdade, de poder sorrir. A alegria é algo instantâneo. Porque, Jota, a tristeza é subjetiva, algumas coisas te trazem tristreza, outras te deixam meio triste. O amor é subjetivo. Cada um ama de um jeito. Mas a alegria não é subjetiva.
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Curol

Foto: Divulgação
Você começou fazendo parte de uma banda da Igreja Católica, foi fotógrafa… Quando você pensou em mudar para a música eletrônica, e de que forma isso foi bem-aceito pela sua família? Porque seu som tem pegada afro, que obviamente tem influência das religiões de matriz africana. Parecem universos meio distintos…
Eu fui criada em família católica e a minha avó me incentivou muito na música porque eu era uma adolescente rebelde, e ela viu que um adolescente no caminho da arte ou do esporte, não tem erro, né? Aí ela me colocou na Igreja pra tocar. Só que eu saí porque eu vi muita coisa errada dentro da própria Igreja, muita hipocrisia. E fora que também eu estudava, fazia faculdade e trabalhava, estava sobrecarregada. Mas eu sempre tive uma ligação mais de mediunidade com as religiões de matriz africana. Nunca entendi o motivo. Até a primeira vez que eu fui, eu fui um pouco resistente, mas eu tinha ciência de que eu precisava conhecer.
Eu sempre gostei muito de música, e era fotógrafa de DJ. O start pra eu mudar pra música foi devido a um burnout com fotografia. Eu tive um surto, e precisava de algo que me tirasse da casinha. A música sempre cura, né? Não foi diferente comigo. E aí um amigo me puxou pra me ensinar a tocar e tal. Aprendi rápido e já tinha guia. Aí eu falei: “peraí, esse negócio aqui já tá ficando um pouco sério”.
Eu gostava de afro, mas não entendia o que era o afro. Era algo que no Brasil eu só escutava pelo duo Movement, que sempre fazia o warm-up pro Gui Boratto. Quando eu fui fazendo as aulas, eu fui mostrando pro meu amigo e professor: “cara, eu quero tocar isso”. E aí ele foi me dando o caminho das pedras pra ouvir Fulano, Ciclano e Beltrano. Nisso eu já comecei a entender o que é que eu ia fazer.
E para fazer o que eu queria, em paralelo, eu já estava amadurecendo a conexão com a umbanda. Foi ali que eu me descobri, que eu vi onde eu ficava mais à vontade. Essa questão da marginalização, a gente sabe muito bem que é uma tradição racista, então eu não me sentia mais confortável de estar num lugar onde os meus antepassados não estavam apenas pela questão da cor. E eu sempre tive um sangue de justiça, né? Eu já fiz concurso pra Polícia Militar, eu já fiz concurso pra Polícia Civil…
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Jota.pê

Foto: Divulgação
Você está celebrando o seu ano. Muita coisa acontecendo (três GRAMMYs!). Como fica sua cabeça: comemorar o momento ou pensar no futuro?
Eu acho que tá um pouquinho de pé no presente e um pouquinho de pé no futuro. Porque eu vivi coisas esse ano que eu achei que talvez eu vivesse durante a carreira inteira. E outras coisas que eu nem imaginava que aconteceriam. Então eu nem consegui absorver tudo, eu tô um pouco anestesiado. Eu me vi em algumas situações nos últimos 30 dias que eu tenho certeza que se fosse o cara de cinco anos atrás, de dois anos atrás, eu ia estar surtando de tanta coisa. De repente, um monte de coisa incrível começa a acontecer e você tem de se dar conta disso, aproveitar isso para conseguir mais. Fica aquela mescla de comemorar, só que não dá tempo de comemorar muito. Tem de pensar no próximo, no ano que vem, porque uma carreira tem altos e baixos, então você precisa aproveitar a loucura.
Acho que me anestesiei um pouco para conseguir aproveitar esse momento. Mas tô muito feliz com tudo o que tem rolado. Eu acho que o que me tranquiliza para o futuro foi o processo de criação desse disco. Foi muito saudável. Comecei a trabalhar nele três anos antes. Na hora de gravar, pude escolher o melhor time possível. Fomos para uma fazenda com os produtores. Ficamos uma semana e meia lá, fazendo tudo com carinho, com amor. Quando vejo o resultado, isso me tranquiliza quando a galera fala: “agora que você ganhou três GRAMMYs, precisa fazer outra coisa”. Eu digo: “não, não…”.
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Jamz Supernova

Foto: Reprodução
Estamos vivendo em mundo de ponta cabeça. E a música, em cada era, sempre teve um significado mais profundo do que a mera diversão. Nos anos 50, era se livrar das correntes. Nos 60, mudar o mundo, fazer a revolução. E hoje?
Olha, eu acho que a música conta a história de seu tempo, de como olhamos o que está na sua volta. É como você disse. Naquela época elas causaram mudanças. E mesmo com o mundo tão mudado, aquelas canções continuam nos tocando. Definitivamente, hoje estamos fazendo música sobre o que está acontecendo agora. Sobre não estarmos nem um pouco orgulhosos do que fizemos e que devemos buscar um mundo mais unido.
Assim, muitos artistas de hoje em dia estão tentando buscar suas raízes através da música, onde quer que estejam. Eu nos vejo vivendo este momento. Um momento muito poderoso para os artistas jovens. Mesmo que não pareça, no futuro vamos olhar para trás e saber como a vida acontecia nos dias de hoje. Aprecio o que os artistas estão fazendo e falando. A internet pode ser um lugar horrível sem música. Além disso, tem vezes que a gente só quer esquecer onde estamos, se perder e festejar. Mesmo que as pessoas não estejam entendendo naquele momento o que você está tocando, ainda assim é poderoso.
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Malka

Foto: Divulgação
O álbum Chão foi feito na dor, na resistência literal. Qual a sensação de vê-lo nas ruas? Missão cumprida ou o começo de tudo?
É o começo. O primeiro disco que lancei com meu nome. Acho que a ponta de um iceberg. Já vou gravar o segundo agora. No final do ano, estava sem fazer nada, saíram oito músicas de um projeto paralelo de rock comigo cantando também. Já até gravei. Quero terminar mas três e lançar esse álbum no segundo semestre. Está nascendo muita coisa vinda do cantar, sabe? E assim vou abrindo novas parcerias.
Daqui para frente vai ser assim. Eu tinha algum receio também por produzir tantos bons artistas. Você faz The Town com Marina Lima, rearranja as músicas, grava com Luísa Nassin, Potiguara, Matheus Aleluia… É foda tu pegar o micorfone e cantar, a régua fica muito alta, né? Isso acabou virando um monstro, com o tempo.
Mas agora desencanei. Acho que no começo de um trabalho, fiz um disco jovem, enquanto ainda sou relativamente jovem. Tenho outras músicas, outras ideias mais maduras pela frente. E eu queria fazer um disco de funk, com umas putarias, porque o funk tem um lugar muito louco na minha vida. Foi uma libertação do meu corpo trans.
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BADSISTA

Foto: Victor Cazuza/Divulgação
Você é um dos martelos que derrubou o muro entre a música eletrônica tradicional e o funk…
Eu acho que nada disso foi pensado. Era a minha mentalidade mesmo. Sempre gostei de viver o presente e sempre me guiei muito pela música. Amor, eu já fui parar em cada buraco atrás de música! Eu não estou nem aí. E quando a gente para e pensa, dentro da quebrada, essa separação nunca existiu. Em raves, tinha um DJ de funk e um de psytrance. Essas coisas sempre coexistiram na periferia. Para mim, é assim. Se tá no mesmo BPM, dá pra tocar de tudo e foda-se.
Ninguém tá nem ai se é psytrance, ou minimal, ou qualquer outra coisa. Eu acho que esse lance de ser um dos martelos, como você falou, que quebrou esse muro, é porque eu sempre fui meio Pica-Pau. Sentia o cheiro de algum novo tipo de música e ia atrás. E por isso comecei a entrar nesse mundo da música eletrônica.
Eu sempre vivi o que tem dentro de mim e ao redor. Eu estava muito imerso no mundo dancehall feito nos anos 80 e 70. Ao mesmo tempo, começaram a rolar umas festas de graça, como a Mamba Negra, e eu fui até lá com um irmão e um amigo nosso. Ninguém me conhecia e eu também não conhecia ninguém, só fui para ouvir a música. Pensei: “é diferente e é legal”. E ali, naquele movimento de música eletrônica, eu achei uma grande plataforma para experimentar milhões de coisas. Não foi uma coisa consciente, mas eu sou meio hipster, não gosto de estar no mesmo balaio que todo mundo. Se todos estão tocando uma música, eu já não a toco mais, ou faço uma versão diferente para tocar.
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Budah

Foto: Reprodução
Interessante que o seu nome artístico é meio unissex. Como surgiu o “Budah”? Tem a ver com sua personalidade ser meio zen e bem na paz?
Zero paz, amor. Eu sou uma pessoa pacífica até onde eu posso ser, mas eu tenho uma personalidade bem forte. E como eu grafitava, precisava de um apelido. E eu tinha o cabelo alisado, usava coque, usava largador, e sempre usei muita roupa larga. Um dia, uma amiga pegou e falou que eu parecia um Buda, sabe? E aí, como eu tava precisando de um apelido, aí eu falei: “Mano, não tem ninguém que se chama ‘Budah’ no Espírito Santo. Vou pegar pra mim”. É simples, é impactante. Aí adicionei o “h”, porque meu nome, Brendah, tem “h” também. Antes de fazer música, já era Budah.
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Esperanza Spalding

Foto: Holly Andres/Divulgação
Você estudava música clássica na infância. Entrar de cabeça no jazz foi um jeito de fugir de todas aquelas regras e partituras que você aprendeu?
Cara, o jazz demanda muito mais técnica e estrutura do que a música clássica. Você precisa ter todos os requisitos técnicos de tom, ser capaz de ler música, conhecer harmonia e teoria. Os fundamentos mesmo. É só a partir daí que você pode ser capaz de utilizar isso para continuar em um contexto em que você não pode mais controlar.
É engraçado. Eu estava tocando em um festival nesse final de semana e alguns familiares meus foram. E minha melhor amiga disse: “nossa, vocês estavam fazendo uma jam tão legal no palco!”. Então eu entendi que há uma suposição sobre esse tipo de música. No entanto, todo mundo que pensa sobre isso um pouquinho percebe que não tem jeito de nós fazermos aquilo somente no esquema do improviso.
No meu caso, o jazz veio após um background da música clássica. Ele foi um lugar onde eu realmente poderia usar tudo o que aprendi, porque a ideia de ter de passar o resto da vida lendo partituras e interpretando-as não era muito satisfatória. Então, quando você entra num cenário musical que precisa de improvisações em grupo, pode aplicar toda a técnica e os fundamentos, criando em tempo real, representando o presente e a verdade daquele momento.
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Jeff Mills

Foto: Jacob Khrist/Divulgação
Em sua discografia, encontramos um item raro e curioso: o EP Niteroi. Há uma faixa chamada Aeroporto Santos Dumont, outra chamada Alcântara, e possivelmente uma referência ao arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer… Qual é a história por trás desse disco?
Já estive no Rio algumas vezes e, sim, este álbum derivou dessas viagens e da arquitetura de Niemeyer. Minha observação começou com suas obras na capital, Brasília, e depois, em locais espalhados pelo país. Fiquei especialmente motivado pela paisagem árida e sem cor de Brasília porque, na época, eu também estava pesquisando a superfície lunar e o que seria necessário para que os humanos vivessem mentalmente lá, permanentemente.
Eu queria saber se havia algo que pudesse ser aprendido vivendo perto de uma paisagem tão insípida, porém expressiva e inovadora. Então, eu estava até pensando em morar temporariamente em Brasília, arrumar um emprego de meio período para poder conhecer certos hábitos das pessoas que vivem lá e nas redondezas. Assuntos como estilo ou preferência de cor. Isso nunca aconteceu, mas continuo admirando o país, especialmente sua música, design e cultura.
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KENYA20Hz

Foto: Divulgação
Você pensa no que os europeus pensam de você, quando vai tocar por lá?
Eu gosto de tocar coisas que me colocam em um estado quase de absurdo. Não é sobre violência, não é sobre agressividade, mas é sobre algo que eu não espero. É saber o que o público quer ouvir, mas ao mesmo tempo colocar aquilo que ele não espera. É engraçado você fazer essa pergunta. É uma eterna expectativa que é atendida e é quebrada. O ritmo é esse. E eu acho que quem acompanha o meu som, meio que espera isso. De quem foi de certa forma ali pra me ver, eu ouvi duas opiniões. Uma: ‘cara, o que foi aquilo que você tocou?’. E, ao mesmo tempo, tinha a pessoa que esperava o inesperado.
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