Quem é David Cronenberg: conheça mais do diretor canadense que arrancou aplausos em Cannes
Conhecido pelo body horror de suas produções o diretor tem uma obra que vai além dos filmes de terror
Nascido em 1943, em Toronto, Ontário, Canadá, David Cronenberg carrega a reputação de ser o Barão do Sangue ou Rei do Horror Venéreo. Entretanto sua produção está além dos filmes de terror que marcaram o início de sua carreira, bem como sua mais recente produção, Crimes do Futuro.
Seus pais eram, respectivamente, um jornalista e editor e uma pianista. Assim sendo, Cronenberg sempre teve contato próximo com diferentes manifestações de artes. Na infância, chegou a tocar violão ao mesmo tempo que já se dedicava a escrita de contos especulativos. Posteriormente, se formou em Língua Inglesa e Literatura, na Universidade de Toronto.
Primeiras criações
Em entrevista dada a José Geraldo Couto, em 1999, para a Folha de São Paulo, David afirma que sua primeira motivação foi a literária e que ele acreditava que seria romancista. Ao mesmo tempo que relata o quanto os livros fizeram parte de sua formação intelectual, o cineasta também manifesta que foi voraz consumidor de filmes, de gêneros variados.
Após largar a faculdade de Ciências e migrar para o curso de Literatura, Cronenberg se interessou pela produção de cinema. Ainda durante sua formação, dirigiu dois curtas metragem: Transfer e From The Drain.
Segundo David que foi diretor, roteirista, coeditor e coprodutor, Transfer era um filme surrealista. Assim sendo, vemos uma sessão de terapia acontece em meio a um campo coberto de neve, após o psiquiatras ser perseguido seguido por seu ex-paciente. A estranheza que conhecemos nas produções mais famosas e em longa metragem de Cronenberg já se encontra presente nos seis minutos do curta.
Após alguns anos dirigindo curtas e filmes comerciais, em 1975, lançou seu primeiro filme comercial, Calafrios (Shivers) e em seguida, em 1977, Enraivecida Na Fúria do Sexo. De maneira idêntica os títulos abordam a perda da racionalidade, a liberdade sexual e modificação genética. Enquanto no primeiro um parasita criado em laboratório pode substituir qualquer órgão do corpo, no segundo partes do corpo humano são transformadas em uma substância semelhante aos tecidos. Além disso, ambos filmes falam de rupturas ao conservadorismo ora ao inserir uma trama de terror escatológico em um condomínio tradicional burguês, ora transformando uma mulher comum em uma zumbi-vampira compulsiva sexual e homicida.
Literatura e Cronenberg
Cronenberg foi leitor assíduo de escritores de ficção como Ray Bradbury e Isaac Asimov. Além desses nomes que estavam no auge durante sua juventude, também lia clássicos como William Burroughs, Vladimir Nabokov e Henry Miller.
O contato com essas obras literárias o motivaram a escrever inicalmente de maneira amadora e posteriormente de maneira profissional, como roteirista. Uma prova disso é o fato de que a maior parte dos filmes que dirigiu eram també roteirizados por ele. Mas um sonho não deve morrer e o desejo de ser romancista se realizou em 2014, com o lançamento de Consumidos, lançando aqui pela Alfaguara.
No romance um casal de jornalistas que investigam um suposto caso de canibalismo, Naomi e Nathan vivem em busca de matérias sensacionalista, e suas vidas mudam ao investigarem histórias que envolvem morte, tratamentos médicos fora de ética, viagens para outros países, parafilias e sobretudo objetos tecnológicos sendo descritos com bastante visceralidade.
Corpo e mente
Em Marcas da Violência, de 2005, o passado do protagonista deixa marcas em seu corpo e em sua história. Não há deformidades físicas visíveis como nos filmes das décadas de 1970 e 1980. Entretanto, o espírito anárquico que vemos lá em seu primeiro sucesso comercial permanece: uma rotina perfeita dentro do vislumbrado american way of life sendo alterada bruscamente. Ademais, o protagonista vive uma relação de dualidade de identidade com sua identidade presente e passada.
Da mesma maneira, em Senhores do Crime, de 2007, uma grávida sem identidade muda a vida de uma enfermeira que esconde um passado violento. Além da enfermeira o capanga do chefe do tráfico também carrega em si um passado misterioso, marcado em sua pele por tatuagens. Já em Cosmópolis, de 2012, um jovem bilionário anda em sua limousine por Manhattan e tem sua vida afetada pelas pessoas que cruzam seu caminho. Nesta produção a tecnologia se faz presente por meio da rede de encontro, comunicação e diversidade promovida pela globalização. A violência é mais verbal do que gráfica, entretanto bem presente nas diferenças culturais, na sede de poder do protagonista e na hierarquia estabelecida entre eles e aqueles com que se encontra.
Os três filmes supracitados foram adaptados de quadrinhos ou livros, considerados complexos de serem adaptados, mas que ganharam versões muito bem elaboradas nas mãos de David Cronenberg.
Influencias na cultura pop
Um cineasta com uma produção tão vasta e marcante não conseguiria se manter distante de produções da cultura pop. A prova disso são os Cronenbergs, mutações humanas que apareceram pela primeira vez no episódio 6 da primeira temporada da animação Rick e Morty. Essas criaturas geneticamente modificadas foram feitas acidentalmente por Rick no episódio quando ele tentou transformar as “Mantis-people” novamente em humanos normais.
Sem dúvida, filmes com horror corporal lançados após Videodrome ou A Mosca foram afetados por eles. Da mesma forma, a música referenciou David. A canção Cronenberg da banda Surf Curse diz: Eu gostaria de poder ser você/Eu gostaria que pudéssemos amar/Me abrindo/Me cortando/Fora do seu corpo/Fora do seu sangue. O cara é tão genial que até uma canção surf-românica virou algo cronenberguiano.
[link da música https://open.spotify.com/track/2GIi8hqrrJbgMODQncpYBz?autoplay=true]