Curol Foto: Divulgação

Da banda da Igreja ao Rock in Rio: a jornada de Curol na afro-house

Vitória Zane
Por Vitória Zane

Vitória Zane conversa com uma das principais artistas brasileiras da hypada vertente de música eletrônica

Carolina Ribeiro começou tocando na bandinha da igreja, quando adolescente, influenciada pela sua avó, que a colocou no caminho da música. Mas transformou-se em Curol assim guardou a câmera fotográfica, após um burnout na profissão, e deu o play no destino que a levaria a ser uma das maiores representantes da afro-house no Brasil.

Alcançando frequentemente posições altas em rankings das plataformas de música eletrônica, a DJ e produtora caiu no gosto de artistas respeitados do circuito da vertente, como o trio Keinemusik e Lee Burridge, da All Day I Dream.

Com sua sonoridade que valoriza elementos brasileiros, conquistou seu lugar em line-ups que passaram pelas cidades mais importantes da cena, como Tulum (MX), Ibiza (ES) e Amsterdam (NL), bem como na Casa Brasil durante as Olimpíadas de Paris.

Agora, prepara-se para o Rock in Rio nesta sexta-feira (20) e para o Tomorrowland Brasil, no dia 13 de outubro. Confira o papo que tivemos com Curol sobre sua jornada!

Vitória Zane: Você fez uma turnê na Europa dias atrás, e tocou na Casa Brasil, nas Olimpíadas. Como foi esse rolê por lá, e como foi essa turnê na Europa? Você vai voltar para lá em outubro, né?

Curol: Sim. Essa primeira turnê foi uma coisa meio que… foi planejado, mas foi uma experiência de marinheiro de primeira viagem, né? Eu não sabia como seria, tava muito ansiosa antes de ir, e eu ia passar por lugares bem legais, que vários DJs até renomados ainda não passaram. Eu fui com uma carga de responsabilidade um pouco alta em cima de mim mesma, e ainda em tour a gente recebe a notícia das Olimpíadas. Era uma coisa muito grande.

No dia do show, na Casa Brasil, tava lotado, mas do meio pro final começou a chover. E aí as pessoas meio que correram, porque era aberto, né? Mas tava muito, muito, muito, muito legal.

E querendo ou não, é um ambiente diferente, né? Porque as outras festas que você foi é da galera da música eletrônica, mas lá era um pessoal que não necessariamente curtia esse mesmo estilo…

Sim, foi legal, porque como a minha música é totalmente ligada à afro-brasilidade, eu levei muita música brasileira, que muitos conheciam. Todo mundo se entregou, de crianças a idosos.

E aí você volta agora em outubro porque você tem show no Amsterdam Dance Event, certo?

Sim, tenho dois no ADE, talvez três, ainda não sei.

Como tá a expectativa pra maior conferência de música eletrônica do mundo?

Vai ser a primeira vez que eu vou, eu tô muito ansiosa também pelo network ali, conhecer as pessoas e tal. Eu tenho um probleminha com o meu inglês, eu sei falar, entendo perfeitamente, mas eu travo muito. Eu me cobro muito em tudo que eu faço, e no inglês não é diferente. Então, eu tô com essa expectativa de sair de lá com muita bagagem, mesmo que eu tenha uma fala um pouco limitada.

Você tem uma relação bem legal com um dos maiores nomes da cena afro-house, o Keinemusik — já fez show com eles, participou do radio show… Como que isso começou, e de que forma te ajudou a crescer internacionalmente?

O Paulo, meu booker internacional, tem uma amizade muito forte com o empresário deles, e apresentou o meu trabalho de forma genuína mesmo. O que é interessante no Keinemusik é que é um coletivo, de musicalidade e de inclusão.Então, eles viram o meu corre, a vontade de fazer acontecer do meu lado, e eles também têm uma questão de inclusão feminina muito forte. O Paulo puxou isso, trouxe os olhares deles para o meu lado.

Na primeira vez que a gente tocou em Tulum [México], fiz questão de conversar com todos os três, me aproximei mais do Adam [Port]. E tanto que ele anotou o meu WhatsApp, e a gente tem conversado bastante nesse aspecto, ele até fez uma proposta, que eu ainda não vou dizer aqui porque tá em análise, mas já tá quase fechando, pra gente fortalecer um pouco mais essa relação. E aí o Rampa também, uma relação mais direta, me pedia algumas demos, promos, o &Me também, que já é um pouco mais fechado.

Então começou com um interesse business e hoje a gente tem uma relação direta, de parceiros de música, sabe? Tudo o que eu mando para eles, o Adam me dá feedback nas músicas. O segundo break da Ogum, por exemplo, tem a direção do Adam.

Você tem conseguido bons lugares em rankings com as suas faixas. Isso é algo importante na hora que você vai produzir ou é apenas uma consequência?

Olha, tem sido uma consequência. Os patamares mais fortes atuais da minha carreira são música, relacionamento e um bom time. O meu time todo é muito esforçado em prol do meu projeto. Eu fui a primeira mulher brasileira a lançar na All Day I Dream, e isso aconteceu justamente pela abordagem de business, porque eu já tinha tocado com eles, e aí a gente foi amadurecendo o relacionamento. Eu conheci o Dimitri Nakov em um aeroporto, a gente ficou amigo, e aí ele pediu pra remixar uma música dele que saiu pela ADID, então foi uma forma de eu conhecer melhor também o Lee Burridge. E o Lee amou o remix — que pegou o top 1 de organic house no Beatport — e quis fechar datas de tour com a label. Eu fiz México e duas em Ibiza. Ia fazer até mais, só que eu tive problema de visto.

Tudo isso começou através da minha agência e do meu time de management, que abordou a equipe da ADID. Por isso que eu falo que é música e relacionamento. A Deixa Fluir, por exemplo, era uma música que ninguém queria, até o Keinemusik tocar. E aí ela foi subindo, foi subindo, foi subindo… Hoje a gente tem presença no Beatport, que é onde tá a galera mais hype do afro, e no Tracksource, onde tá a galera mais “cabeçuda”.

Se minha carreira fosse só pra vender disco, eu tava feita, porque nesse aspecto de vendas, graças a Deus, eu sou muito forte. Já no streaming, eu ainda sinto um pouco de deficiência. É por isso que a gente tem aí estratégias pra preencher as lacunas.

Ah, eu vou falar porque já vai lançar mesmo. Eu vou lançar com a Armada [Music] em novembro. Vai ser uma collab oficial com o Gadjo e o Scorz da So Many Times [música original de Gadjo], clássico hit da música eletrônica.

Vai na pegada da afro-house mesmo, do melódico…

Não, vai na minha pegada mesmo, a minha pegada afro, a minha pegada mais Brasil. E obviamente que sendo um clássico, tendo um nome forte desses, é óbvio que o stream vai dar bom. Então hoje a gente trabalha essas lacunas no projeto.

Você começou fazendo parte de uma banda da Igreja Católica, foi fotógrafa… Quando você pensou em mudar para a música eletrônica, e de que forma isso foi bem-aceito pela sua família? Porque seu som tem pegada afro, que obviamente tem influência das religiões de matriz africana. Parecem universos meio distintos…

Eu fui criada em família católica e a minha avó me incentivou muito na música porque eu era uma adolescente rebelde, e ela viu que um adolescente no caminho da arte ou do esporte, não tem erro, né? Aí ela me colocou na Igreja pra tocar. Só que eu saí porque eu vi muita coisa errada dentro da própria Igreja, muita hipocrisia. E fora que também eu estudava, fazia faculdade e trabalhava, estava sobrecarregada. Mas eu sempre tive uma ligação mais de mediunidade com as religiões de matriz africana. Nunca entendi o motivo. Até a primeira vez que eu fui, eu fui um pouco resistente, mas eu tinha ciência de que eu precisava conhecer.

Eu sempre gostei muito de música, e era fotógrafa de DJ. O start pra eu mudar pra música foi devido a um burnout com fotografia. Eu tive um surto, e precisava de algo que me tirasse da casinha. A música sempre cura, né? Não foi diferente comigo. E aí um amigo me puxou pra me ensinar a tocar e tal. Aprendi rápido e já tinha guia. Aí eu falei: “peraí, esse negócio aqui já tá ficando um pouco sério”.

Eu gostava de afro, mas não entendia o que era o afro. Era algo que no Brasil eu só escutava pelo duo Movement, que sempre fazia o warm-up pro Gui Boratto. Quando eu fui fazendo as aulas, eu fui mostrando pro meu amigo e professor: “cara, eu quero tocar isso”. E aí ele foi me dando o caminho das pedras pra ouvir Fulano, Ciclano e Beltrano. Nisso eu já comecei a entender o que é que eu ia fazer.

E para fazer o que eu queria, em paralelo, eu já estava amadurecendo a conexão com a Umbanda. Foi ali que eu me descobri, que eu vi onde eu ficava mais à vontade. Essa questão da marginalização, a gente sabe muito bem que é uma tradição racista, então eu não me sentia mais confortável de estar num lugar onde os meus antepassados não estavam apenas pela questão da cor. E eu sempre tive um sangue de justiça, né? Eu já fiz concurso pra Polícia Militar, eu já fiz concurso pra Polícia Civil…

Caramba!

E não deu certo. Hoje a gente entende porque não deu certo. Eu queria uma mensagem, um objetivo muito forte além da música. E hoje eu carrego isso, mas sem levantar muita bandeira. Deixo de forma subjetiva, e as pessoas que têm que se identificar, se identificam.

Curol

Foto: Divulgação

A afro-house conquistou todo mundo. O que você acha que tem nela que a galera se identifica tanto?

A gente tem uma síndrome de vira-lata, de achar que o Brasil sempre é o último, e o gringo ama música brasileira. Se toca um samba lá na França ou na Espanha, eles ficam loucos. Eu tenho muito orgulho de falar que carrego comigo uma mensagem afro-brasileira raiz de representatividade, e tem outros brasileiros também fazendo. A gente conseguiu exportar isso de uma forma muito natural. Tem várias músicas que carregam os instrumentos brasileiros.

A gente tem visto muito afro-house com a mesma fórmula, e isso tem me incomodado, mas quem tem essa raiz consegue colocar um tempero brasileiro original na parada, e é isso que eles [os gringos] gostam. A gente tem três nomes muito fortes hoje no Brasil carregando o estilo:  eu, Maz e Antdot. Os sets são diferentes, né? Todo mundo tem a sua identidade, e eu tenho esse diferencial que é colocar um afro ainda mais groovado, mesclando o afro-africano e o afro-brasileiro.

Você já tinha tocado no Rock in Rio em 2022, e agora vai voltar em B2B com a Barja. Como que é se apresentar por lá?

É o maior festival de música do mundo. É uma oportunidade muito boa da gente pegar, inclusive, públicos de outros segmentos. São vários palcos. Acho que a música eletrônica poderia ter um pouquinho mais de atenção dentro do Rock in Rio. Eu acho que poderia ser algo não só pra preencher lacunas, digamos assim. Porque vai ter vários projetos legais batendo de frente. No último, por exemplo, eu bati de frente com Coldplay. Eu era a única mulher do dia e tinha pouquíssimas pessoas na minha pista. Então, às vezes é bom fazer de forma direcionada, não só para dizer que preencheu. Mas querendo ou não, é um festival muito bom.

Todos os festivais grandes são muito bons para fazer nome, e quando a gente tem um bom resultado, a gente faz uma boa entrega e tem um bom retorno em cima disso. Porque, obviamente, se a minha pista estivesse cheia, talvez um retorno desse ano seria melhor. Mas eu tive uma sorte, porque eu toquei e foi transmitido no Canal Bis. Quase todo retorno que eu tive do Rock in Rio foi pelo Canal Bis, de pessoas que não me conheciam e passaram a conhecer, porque se tinha 40 pessoas na minha pista, era muito… Então, por um lado não foi tão bom, mas por outro, foi ótimo. Mas este ano a gente espera que tenha mais público na pista.

A gente tem agora o Tomorrowland Brasil, em outubro, e você toca no palco Core. O que você está preparando?

Olha, eu tô preparando uma mistura de estilo Tomorrowland com afro-brasileiro. Não sei como é que vai ser isso. Tô preparando algumas versões inéditas de clássicos, de EDM, inclusive, dentro do afro. Eu tô com uma expectativa muito grande, pra ser sincera. Tô bem ansiosa. A curadoria desse palco é muito interessante. Eu quero mostrar uma coisa dentro da proposta do festival com a minha identidade, que é o que eu faço em todas as festas que eu toco, mas de uma forma bem diferente dessa vez. Exclusivo para o Tomorrowland.

Como você faz a curadoria de quem vai lançar pela sua gravadora, a Nature?

A Nature hoje é uma sociedade entre eu e os meus empresários. Eu sou A&R, então eu meio que escolho realmente quem entra. Eu sempre procuro umas coisas diferentes, um afro mais original, algo que eu realmente vejo como tendência.

Eu vou mais pela música do que pelo artista. Às vezes é um artista muito pequeno, mas eu tento trazer porque eu vejo que tem futuro. Um dos pilares da Nature é esse senso também de coletividade, de que não é só eu que vou à frente, eu trago mais pessoas que eu vejo que têm talento.

Todas as capas são voltadas a isso, valorizar ali as pessoas pretas, e dar mais espaço também pra mulher. Eu tô sentindo muita falta de receber demo de mulher, inclusive, mas eu tô sempre buscando. É um label de coletivo mesmo.

Vitória Zane

Jornalista curiosa que ama escrever, conhecer histórias, descobrir festivais e ouvir música.