Criadora da festa Dûsk, DJ Amanda Mussi foge de fórmulas fáceis em seus sets, que vão do Detroit aos breaks

Claudia Assef
Por Claudia Assef

Se você olhar bem no cenário da noite de São Paulo e procurar por um set atual e que – até por fazer parte dessa nova ordem pouco rotulável da cena underground – transite lindamente por muitos estilos, você deverá trombar com o nome da DJ e designer Amanda Mussi. Criadora da festa Dûsk, que celebra dois anos de nite com fervo intenso neste sábado, e ex-integrante do coletivo Metanol, Amanda é uma das DJs mais atuantes na nova cena de noite da cidade.

Mesclando techno e house e passeando por acid, dubtechno, minimal, Detroit e breakbeats, ela vem construindo para si uma identidade única em forma de sets, que podem ser construídos sozinha ou em parceria, como a que vem apresentando em dupla com a produtora Érica Alves.

Ouça DRKNS #2, segundo episódio de uma série de podcasts de Mussi em que ela foca em sonoridades mais obscuras. Não tem tracklist não, meu filho…

Filha de um paraguaio com uma brasileira, Amanda morou no Paraguai dos 5 até os 13 anos. Na pré-adolescência, começou a andar de skate e conheceu seu meu melhor amigo, P. Lopez, hoje em dia uma referência de música eletrônica no país, com o projeto e selo LPZ. “A Dûsk com o P. Lopez  foi especialíssima. Ele já se apresentou por vários clubes na Europa e na América Latina e está lançando material pela AEON, Get Physical, além de ter recém inaugurado seu próprio selo LPZ Records onde eu estou colaborando como designer, e está em seu quinto release. Fora isso ele é fundador do melhor club de Assunção, o Sequence Club, apenas o meu lugar favorito de tocar, toda vez que viajo pra lá faço uma mini residência com eles, onde sempre aprendo muito”, diz Amanda.

Autodidata, Amanda nunca teve aulas, e aprendeu vendo os amigos tocarem. “Eles são em três e têm um estúdio, onde ficam o dia inteiro produzindo. Na época era hip hop e drum’n’bass, eu ficava horas vendo e ouvindo o que eles faziam. Quando voltava pro Brasil sempre trazia milhões de músicas novas. Meus primeiros repertórios surgiram muito por conta dessa troca”, conta.

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Gata. Apenas. (Fotos de Felipe Raizer)

“Não achava que eu seria capaz de ser DJ, todos eles são homens. Lembro que fui num after do [finado festival] Skol Beats, e a Lika Marques estava tocando. Fiquei hipnotizada. Foi nesse dia que eu decidi que queria aprender a discotecar, vendo uma mulher arrasando na cabine”, lembra. Em casa, com os pais, Amanda cresceu ouvindo música clássica. “Meu pai toca mil instrumentos, minha mãe cantava muito com ele. Desde cedo fui acostumada a ouvir Beethoven, Bach. Fiz balé, depois jazz e foi nas aulas que eu comecei a dançar house e garage dos anos 90, tocavam muito em rádio esses sons”, lembra a DJ.

“Um dia veio um cara falar que meu som era pesado, que não parecia uma mulher tocando. Tenho pena apenas.”

mussi-02No começo, o fato de ser menina a fez ter mais vontade de se virar sozinha. “Eu pedia pros caras me ensinarem a tocar e todos falavam: ‘vai lá em casa que eu te ensino’, com um tonzinho malicioso. Acabei comprando um controlador e comecei a tocar com Traktor, que é tipo ultrafácil, até pegar o jeito e ter uma oportunidade de treinar num CD-J e comprar um par de toca-discos. Ainda rola aquele clichê também dos caras duvidarem de mim antes de eu entrar no som, acharem que não sei o que tô fazendo. Tem esse lance de você ter que provar que sabe 300 vezes mais pra ser levada a sério, mas não dou mais abertura pra esse tipo de coisa.”

Amanda faz parte de uma nova cena surgida nos últimos anos em São Paulo, ainda que se sinta um contraponto a ela em vários momentos. “Acho que nos últimos cinco ou seis anos deu uma expandida legal, com as festas independentes, na rua, em galpões, e saindo dos clubes. Mas ainda vejo um pouco de medo de arriscar, muita gente tocando o mesmo tipo de som, certos line-ups e repertórios deixando a desejar. Nessas fórmulas engessadas eu encontro a brecha para fazer minha festa e mostrar sonoridades diferentes pro público”, acredita.

A Dûsk tem sido sua festa-piloto onde ela tem ajeitado seu lado produtora de eventos, ao mesmo tempo que tem que tocar, promover, se divertir… “Armar uma festa é uma coisa de gente louca, não recomendo pra ninguém. É um stress danado, mas no fim a gente ama o que faz e acaba dando certo, outras vezes dão errado, mas a cada edição aprendemos mais e mais, é muita tensão coordenar as datas com outras festas, armar line-ups diferentes sempre prezando a proposta musical da festa e escolher um VJ com a linguagem perfeita para encaixar em cada uma das edições, é um jogo de quebra cabeça que é muito gostoso quando você vê as peças se encaixando.”

“No Brasil existe um culto muito grande ao deep house comercial e ao tech-house.”

“É muito árduo remar contra a corrente, mas acredito que estou construindo uma base sólida e consistente que não se baseia em modismos nem ‘no que dá certo’. Não tem tanto público para techno e sonoridades mais experimentais e sérias. Nossa cena é bem pequena ainda em comparação a outros lugares. Mas acho que estamos num caminho de expansão contínua, cada um representando o estilo que mais curte e bastante gente talentosa envolvida”, avalia Amanda.

  • ELA ACABA DE VOLTAR DE UM TOUR PELOS EUA

    “Toquei em 8 eventos: um after chamado Unter (em Bushwick) onde a DJ Volvox é residente; depois no programa das Discwoman na The Lot Radio, que é uma rádio local montada dentro de um container numa pracinha fofa em Greenpoint (NY), Toquei na festa SALVATION, no Bossa Nova Civic Club; em Boston no evento Question Box, no after Bushwick A/V, na Jack Dept no Bossa Nova Civic Club e a na loja de discos Halcyon, que é voltada para música eletrônica. Senti uma liberdade musical muito grande por lá, onde não precisei segurar meu som, nem me adequar a nada, as pessoas queriam ouvir exatamente o que eu gosto de tocar, percebi que por lá o pessoal gosta mesmo de Techno, pelo menos na cena por onde circulei, e não tinha medo de som pesado.

Minas que tocam e agitam: Mussi, Volvox, Haruka Salt e Frankie (discwoman) nos EUA

Minas que tocam e agitam: Mussi, Volvox, Haruka Salt e Frankie (discwoman) nos EUA

A DJ também está se jogando na produção musical de uns tempos pra cá e já tem faixas prontas. “Aprendi a usar drum machines e synths e percebi que tenho bastante habilidade para criar linhas de bateria, mas ainda tenho mais dificuldade com melodias, pois não sou musicista”, diz. Seus grandes incentivadores têm sido os colegas Seixlack, Pedro Zopelar e Érica Alves, entre outros.

“Não acho fundamental o DJ produzir o próprio som, até porque tem DJ que prefere focar só em pesquisa. Mas acredito que é uma forma consistente de firmar seu trabalho, além do que você vai sempre ter aquele plus de ter tracks que foram feitas como você imagina, colocando sua marca registrada. Fora o incrível prazer de ver seu trabalho num disco de vinil, #sonho”, diz Amanda.

Sonho que a gente já espera que vire logo realidade 🙂

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DÛSK 2 ANOS-LUZ 
Sábado, 30 de julho, a partir das 23h
Local: a ser anunciado, fica de olho
Line-up:
CASHU (Mamba Negra)
JUBA SPROVIERI (DSviante)
CAIO BARONTI
AMANDA MUSSI

Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.