Craig Ouar, o francês que é uma jukebox de sons dançantes de qualidade, toca neste sábado em São Paulo

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Por music non stop

POR ALAN MEDEIROS

Se há algo que separa um bom DJ dos demais sob toda e qualquer perspectiva, esse algo é a capacidade individual de um artista de elevar mais e mais suas pesquisas. O francês Craig Ouar é frequentemente lembrado como um exímio pesquisador musical por colegas de profissão. Ele é convidado da próxima edição da SOUL.SET, neste sábado (11), em São Paulo.

House, techno, disco, sons de todas as partes do mundo. Difícil encontrar um estilo musical em que Craig se sinta desconfortável: “Pra mim o importante é ser feliz. Preciso sempre descobrir coisas novas para isso, preciso de diversidade.” comenta. Basta uma rápida audição em alguns de seus DJ sets e você entenderá cada detalhe dessa afirmação. Ouar é sedento por descobertas e extremamente entusiasmado com a possibilidade de levá-las para a pista de dança.

A música brasileira, tão adorada por grandes DJs mundo a fora, também ocupa um lugar especial no coração desse amigável francês. “Cheguei ao Brasil por conta da minha paixão por MPB em geral”, diz o artista, que atualmente mantém um projeto chamado Echoes, que retrata a ligação entre Brasil e Europa através de uma visão leve e cativante.

Às vésperas de sua gig na SOUL.SET, encontramos Craig para um bate-papo sobre a influência de cidades como Nice e Paris em sua caminhada, paixão pelo Brasil, os desafios de viver de música, versatilidade e discotecagem com vinil. Antes de seguir pro papo, dá um play no Soundcloud do DJ.

Music Non Stop – Aqui do Brasil olhamos para a cena francesa com muita admiração. A atmosfera do país contribuiu para sua formação artística?

Craig Ouar  Com certeza. O público é bem diferente do público francês, há uma maneira própria de fazer festas, ouvir músicas. Por aqui, é necessário ter uma linha mais enérgica do que na França, é mais difícil tocar composições longas, preciso fazer mixagens mais rápidas do que lá. O Brasil tem uma energia muito interessante em torno da música, acho que as pessoas são muito atentas a isso.

Do exterior, parece que há diversos públicos presos a um estilo: as festas de techno têm duas pistas de techno e outras são unicamente dedicas a house ou música brasileira, por exemplo. Eu estava com medo disso antes de chegar aqui, já que adoro a diversidade. Mas, finalmente, percebi que essa visão estava errada quando peguei uma pista bem techno, toquei muitas coisas diferentes, e as pessoas pareciam muito felizes. Acho que naturalmente o povo brasileiro está preparado para ouvir qualquer coisa, contanto que a energia se mantenha alta.

Music Non Stop – Nice e Paris… como cada uma dessas cidades influenciou sua jornada na música?

Craig Ouar  Então, acho que Nice não é a melhor cidade para aprender e descobrir música. Lá temos um mundo bem particular onde o “bling bling” está bem mais presente que o mundo alternativo. Felizmente meu grupo de amigos foi bem curioso musicalmente. A gente trocava muita coisas de funk, soul, disco e mais tarde música eletrônica. A dance music chegou bem tarde na minha vida, há uns 20 anos. A vontade de descobrir mais sobre a música eletrônica foi o que me deu vontade de mudar para Paris.

Com a explosão da cena “club” em Paris, tive a melhor escola do mundo. Cada semana havia mais e mais DJs incríveis, novas festas e descobertas de novas lojas. Aprendi muito assistindo esses caras tocar. Quando eu ouvi pela primeira vez DJs como Floating Point, Ben UFO, Antal ou mesmo Ron Morelli, eu entendi o que era tocar de verdade. Eles tocavam música e não apenas sons de pista. Cada estilo é uma carta dentro de um jogo, você precisa saber usá-las, pois cada carta transmite uma emoção diferente. Vamos perceber a pista, usar cada momento com a emoção certa. Isso pra mim é a definição de um DJ set.

Music Non Stop – Quando exatamente você começou a colecionar discos? Na sua visão, a discotecagem em vinil traz um sabor especial, não somente para o DJ, mas para o público também?

Craig Ouar – Comecei a comprar discos quando cheguei a Paris, há 8 anos. Trabalhei com arquitetura e engenharia lá e gastava cada euro que eu ganhava em vinil. Cada dia tinha um pacote novo quando eu chegava no meu escritório… uma doença total [risos].

Esse assunto sobre mídias é bem confuso pra mim. Tem pessoas que são colecionadoras e outras que não são. SGosto de discos por uma razão, a memória. Eu me lembro melhor de meus vinis do que meus sons digitais. Conheço perfeitamente meus discos, sei o drop, quando vai ser entrar o vocal etc. Pra mim o vinil dá bem mais facilidade de entender que é o bom momento para acabar com uma música. A transição não precisa ser sempre perfeita. Um set de vinil tem um movimento constante e as imperfeições, que fazem parte dessa aventura. Mas, isso não quer dizer que um set com CD-J seja pior. A tecnologia oferece muitas coisas interessante para ir mais a fundo na mixagem, ela também te dá a possibilidade de tocar algumas coisas que não estão disponíveis em vinil.

O CD-J é bom se utilizado da maneira simples, tipo um vinil. Quando vejo um DJ tocando com computador, percebo que ele passa muito tempo olhando pra tela. Quando vejo alguém assim sempre penso: caraca, esse negócio é o muro de Berlim [risos]

Music Non Stop – House, disco, soul, jazz, techno… seu arsenal é grande e permite a você construir sets para diferentes públicos em diferentes momentos. Na sua visão, quão importante é a versatilidade nos tempos atuais?

Craig Ouar – Pra mim o importante é ser feliz e para isso eu preciso sempre descobrir coisas novas, preciso de diversidade. Isso é a riqueza da sociedade. Gosto de muitas coisas, então toco uma grande variedade. O problema é que no mundo da discotecagem as pessoas precisam colocar etiquetas: “ah, esse é um DJ de techno, esse é um DJ de disco”. A gente esquece que a principal essência de um DJ é fazer dançar e passar um bom momento para a galera que está ali na frente. Se um artista gosta de várias coisas, ele não pode tocar isso tudo? “É um after, vamos tocar techno… estamos na praia, vamos ouvir um jazz…”. Pra mim o mais importante na vida é a adaptação e a diversidade.

Music Non Stop – Fale um pouco sobre o seu relacionamento com a cultura brasileira e o projeto Echoes na Phonographe Corp.

Craig Ouar – Eu cheguei ao Brasil por causa da minha paixão pela MPB em geral. Várias músicas que eu gostava de colecionar estavam aqui. Tem uma ligação enorme nesse país entre o social e a música. Mas agora, desde que eu moro aqui, essa paixão ganhou uma outra dimensão. São tantos estilos nacionais que eu descobri: hip hop, reggae, street soul, funk antigo. Muitas coisas de qualidade… um digging sem fim!

O projeto Echoes é um projeto de vídeo reportagem que faz uma ligação entre Europa e Brasil. Há diversas épocas da música e diversas cenas. Mais uma vez a ideia é mostrar a diversidade. A paixão para a música deve ser mais forte que os problemos sociais.

Music Non Stop – Trabalhar com música eletrônica exige uma renúncia constante de muitas situações que são consideradas normais na vida de muitas pessoas. Em seu cotidiano, quais são os principais desafios enfrentados por conta da sua escolha de profissão?

Craig Ouar – Isso é uma boa pergunta! Claro que trabalhar com música é uma coisa legal, gostosa mesmo. Parece um sonho, mas não é dessa maneira que rola todos os dias. É impossível não se perguntar sobre o futuro, e música acaba sendo viver um dia após o outro – pessoalmente isso me coloca muita pressão. Talvez ainda mais porque eu sou de um outro país. Acredito que isso é válido para cada tipo de artista, é uma escolha bem específica, que cada ano te bota mais fora do sistema “normal” da nossa sociedade. Ser DJ no meu nível não traz segurança de nada, preciso fazer outras coisas paralelamente. É por isso que eu coloco muita energia no meu projeto de coletivo no Rio, DOMypwl. Mas eu gosto dessa vida, então eu aprendi a viver de uma outra forma, com menos dinheiro, mas muito mais autonomia e autossuficiência. Decidi morar em uma favela por essa razão, ter um espaço só pra mim, pagar um aluguel barato, cultivar uma hora na minha cobertura…

Music Non Stop – Como está e expectativa para tocar na SOUL.SET? O que você está preparando em especial para essa gig?

Craig Ouar – Estou muito ansioso por essa gig. Descobri a festa no mês passado, gostei muito, pois tem uma energia bem smooth, familiar. Na verdade, não existem tantas festas de house em São Paulo, então fiquei muito feliz quando a organização me contatou. Farei o warm-up, é um momento que eu gosto sempre. Pra mim, esse set você geralmente toca para as primeiras pessoas e para as paredes, é necessário colocar uma boa energia no lugar, fazer com que essas primeiras pessoas se sintam bem, para que elas se dirijam rapidamente à pista. Ainda não sei o que vou tocar, talvez eu faça algo “roots”, começando com jazz modern soul, indo até a house. Há uma amiga que vai chegar da França com os discos que eu encontrei no último mês. Não sei se vou resistir, acho que acabarei usando. Lá tem muita coisa, um pouco de isla, tipo Haiti, Guadalupe, música zouk, afro, coisas da França mais fora da curva. Vamos ver!

Music Non Stop – Anos trabalhando com música certamente oferecem a você uma vasta experiência profissional e humana. Quais foram os grandes aprendizados e conexões que você obteve até aqui?

Craig Ouar – É muito difícil responder sobre isso. Esse estilo de vida, todos os encontros e experiências que eu tive nesse universo, guiaram uma enorme evolução pessoal. Acho que pra mim a coisa mais importante é conhecer tantas pessoas incríveis em lugares diferentes. Sou muito feliz por isso. Muito obrigado pela entrevista! E ah… se vocês estiverem na SOUL.SET, guardem o celular no bolso e se quiserem saber o nome de alguma música, venham falar comigo. Sou mais simpático que o Shazam… verdade!

SOUL.SET
Sábado, 11 de novembro, a partir das 16h
Shopping Light
Rua Coronel Xavier de Toledo, 23, São Paulo
Line-up: Craig Ouar, Joutro Mundo, Benjamin Ferreira e Thiago Guiselini
Preço: R$ 35 (antecipado) e R$ 50 (porta)

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