Conheça o paulista Paulo Santos, uma das maiores autoridades em sintetizadores do mundo
A primeira vez que ouvi falar do Paulo Santos foi há uns 15 anos, quando procurava um comprador para alguns synths que tinha na época. Ele publicava músicas sob o manto de PS Project, sempre com uma pegada electro forte, altamente influenciada pelos sons de pioneiros como Kraftwerk e Tangerine Dream.
A faixa The Doctor, ficou nos meus playlists desde sempre ao lado de clássicos como Computer Love.
O Paulo é um daqueles caras meio professor Pardal, que nos últimos anos abandonou o status de ser um dos maiores colecionadores de sintetizadores do mundo para se tornar um fabricante de synths modulares com sua empresa EMW.
Conheça aqui um pouco da história de um cara que tem música eletrônica na veia, e é capaz de te contar sobre cada circuito que tem dentro de um Moog ou um Prophet.
Music Non Stop – Como surgiu a ideia de produzir synths modulares no Brasil?
Paulo Santos – A ideia nasceu primeiramente do meu interesse por sintetizadores e da vontade de construir algo que produzisse os sons que eu tinha em minha mente. Como fui dono de uma grande coleção de sintetizadores, ganhei referências e conhecimentos muito importantes durante o tempo que mexi com essas máquinas de síntese, tanto na área sonora quanto na área eletrônica, que é minha formação. Quando comecei a projetar os primeiros circuitos, que foi por volta do ano 2000, não tinha ideia de tornar isso em um negócio, isso foi se desenvolvendo naturalmente ao longo dos anos e também por perceber que o resultado do que estava produzindo era bom o suficiente para poder disponibilizar para outras pessoas.
Music Non Stop – Porque synths modulares?
Paulo Santos – Porque para quem gosta de criar sons eles são a ferramenta ideal. Os sintetizadores em forma de teclado, que são a grande maioria, são apenas a ponta do iceberg, eles são aproximações cheias de ideias preconcebidas e formatações técnicas que limitam muito o poder da máquina. Os modulares são sintetizadores de arquitetura aberta e que propiciam a criação de um número quase infinito de timbres, sequencias e atmosferas sonoras.
Music Non Stop – Como é produzir no Brasil e concorrer com fabricantes estabelecidos lá fora?
Paulo Santos – A chave é a qualidade do produto e a originalidade. Para mim não está sendo difícil, o difícil foi chegar em um padrão que eu mesmo aceitasse e desse a cara para bater frente a um número imenso de concorrentes no mercado internacional. Eu sabia que teria uma única chance, ou a maioria iria gostar do meu produto e do nosso enfoque ou nossa marca seria simplesmente ridicularizada e esquecida. Mas acho que valeu a pena o esforço, hoje a EMW tem um nome sólido e muitos clientes em praticamente todos os continentes, e o que é melhor, a maioria muito satisfeitos.
Music Non Stop – Na sua opinião, porque estamos vivendo um renascimento dos modulares e dos analógicos?
Paulo Santos – Antes só um pouco de história. Isso que podemos chamar de “retromania” começou no meio da década de 90, quando a febre do início do surgimento da tecnologia digital começou a passar e as pessoas começaram a perceber que os sintetizadores digitais eram muito legais, reproduziam timbres antes nem sonhados, mas que algo havia se perdido. Só então alguns começaram a tirar os velhos Moogs dos armários e a perceber que realmente aquela tecnologia analógica era muito boa. E neste ponto vale uma reflexão interessante…. Esta é a magia do som, o que soava bem no ano de 1700, como um violino, por exemplo, ainda soa muito bem hoje. O que era um som muito bom na década de 70 ainda é um som muito bom hoje. A moral da história é que a tecnologia pode evoluir rapidamente, mas seus ouvidos nem tanto.
A resposta ao por que estamos revivendo a época dos modulares agora é bem simples; porque esses equipamentos são muito bons e nada que foi criado até então dá a mesma liberdade de criação e o mesmo potencial sonoro dessas máquinas.
Music Non Stop – Como você compara os synths analógicos produzidos hoje em dia com os vintage?
Paulo Santos – Essa é uma pergunta interessante. É muito difícil determinar até que ponto o layout eletrônico de um instrumento caracteriza ou direciona o resultado final ou a “alma” do sintetizador. Muitos equipamentos antigos como os moogs e os da EML, que particularmente admiro, ao meu ver devem muito à maneira pela qual foram implementados e construídos. Deixando claro que me refiro a várias particularidades da área eletrônica, como a escolha dos tipos de componentes eletrônicos disponíveis da época, o design das placas de circuitos, entre outros detalhes.
Um dos “brinquedos” produzidos na EMW, o Distance Recorder Eurorack Module
Hoje praticamente todos os fabricantes utilizam componentes chamados de SMDs, que são componentes de dimensões extremamente pequenas, como os usados em telefones celulares, tablets e na maioria dos equipamentos eletrônicos produzidos hoje em dia. Não que isso seja absolutamente ruim, mas é muito diferente do que existia na época dos grandes sintetizadores, como os Moogs modulares, ARP2500, e tantos outros.
Por exemplo, hoje em dia os projetistas utilizam softwares para criação das placas de circuito, softwares estes que são projetados para criarem placas para circuitos digitais, não analógicos. Para mim a principal diferença é essa. Nós na EMW procuramos reproduzir ao máximo a tecnologia analógica da forma que ela era quando estava no seu auge. Nós não usamos componentes SMD e projetamos nossas placas de circuito à mão, com trilhas largas e componentes de tamanho padrão, como os usados na época dos grandes sintetizadores que hoje admiramos, e isso para nós faz uma grande diferença.
Music Non Stop – Falando um pouco do Paulo, como surgiu a tua paixão por synths?
Paulo Santos – Minha paixão é anteriormente pela eletrônica, cresci durante o ápice do programa espacial americano e quando criança fui bombardeado por imagens e sonoridades alienígenas (rs), além disso meu pai era técnico em eletrônica, o que me direcionou ainda mais para essa área. Unindo a paixão por música que sempre tive, apesar de não ter formação musical, e pela eletrônica, fica fácil unir as coisas e se apaixonar pelos synths. Os primeiros experimentos com circuitos de phasers, geradores de ruído e filtros realizei na década de 70 quando tinha uns 14 anos, mas ainda não conhecia e nem tinha acesso aos sintetizadores, coisa que vim a conhecer e a desenvolver o gosto no início de 1986, mas essa é uma longa história.
Music Non Stop – É verdade que você tem a maior coleção de sintetizadores vintage do Brasil?
Paulo Santos – Sim, acredito ter tido a maior coleção de sintetizadores da América Latina e uma das maiores do mundo na época, até meados de 2010. Isso pelo menos foi o que pude perceber durante tantos anos mexendo com isso. O maior valor disso para mim foi o conhecimento adquirido por ter tido a oportunidade de conhecer de perto tantas máquinas fantásticas. Não vou enumerar aqui, mas é mais fácil falar em sintetizadores que não tive do que o contrário.
Somente depois de começar a produzir os modulares EMW foi que pude perceber a qualidade e o alcance daquilo que estava criando. A partir daí o interesse pelos outros equipamentos foi naturalmente diminuindo até o ponto que percebi que era hora de deixar o “ramo” de colecionador e começar a me desfazer de boa parte da minha coleção. Hoje em dia ainda mantenho alguns equipamentos de que gosto muito, cerca de uns 20 sintetizadores, módulos, efeitos, etc., mas não me considero mais um colecionador, mas sim um apreciador e designer de máquinas de síntese sonora.
Music Non Stop – Pergunta: se você fosse para uma ilha deserta e pudesse levar apenas um instrumento, qual seria? porque?
Paulo Santos – Esta é a mais difícil das perguntas. Houve épocas que diria um Prophet 5 da Sequential Circuits, outras que diria um MATRIX-12 da Oberheim, mas hoje sinceramente levaria um sistema completo da EMW. : )
Posso dizer o nome de alguns equipamentos que admiro muito. Entre os monofônicos os sintetizadores da EML pela originalidade e pelo som único que produzem, o Minimoog certamente, que é um monofônico de performance praticamente perfeito. Entre os grandes modulares fico com o ARP2500, uma super máquina que tive a sorte de ter e mexi muito, tem até uns vídeos meus no Youtube, só procurar por “ARP 2500 water rythms”, ou “ARP 2500 analog sequence”.
Music Non Stop – Para terminar, que dica você dá para quem tá a fim de começar no mundo dos modulares?
Paulo Santos – Eu dou a dica para que mergulhem de cabeça pois é a direção certa para quem gosta de síntese e tem interesse em criar sonoridades novas e diferenciadas. Para muitos pode representar uma curva de aprendizagem bem acentuada, mas vale muito a pena, pois o resultado é sempre muito bom e prazeroso. Os modulares são algo para se dedicar, algo quase como um hobby e uma diversão sem fim, definitivamente um “GO!”.