Marina Decourt em foto de José de Holanda e direção de arte de Alice Assal

‘Comunidade que vence desafios fica mais forte’, diz Marina Decourt

Fabiano Alcântara
Por Fabiano Alcântara

“O herói do homem é sempre um homem”, assim Marina Decourt define o machismo na música. Qual é o lugar que as mulheres vão ocupar além do posto de diva? Marina é uma das muitas possíveis respostas.

Produtora musical, cantora, compositora e artista visual, ela se destaca no meio do jazz e da música brasileira underground de São Paulo por suas melodias, alcance vocal e a maneira cuidadosa como exprime sua música. É uma ave rara, capaz de dialogar rupestre e high tech em um voo tranquilo.

Insights Sobre Uma Cidade Cinza, primeiro disco de Marina, “é uma história sobre caminhos e a intuição”, como ela mesma define. “O longo caminho em que foi semeado traduz as diversas paisagens das histórias vividas e cantadas, sons que começam envoltos a muitos elementos e terminam numa só voz.”

Com produção musical da própria Marina junto com Leonardo Mendes e Thiago Duar, os Insights também contam com as participações especiais da cantora Lenna Bahule (MOZ), Luana Baptista (URU), Rodrigo Ciampi e Yaniel Matos (CUB) participações estas vindas de diferentes lugares do mundo somam bastante para essa diversidade sonora onde fica difícil datar o trabalho a um estilo musical específico.

Com influências brasileiras, eletrônicas, jazz e muitas outras, sugere um sentimento de unidade, enquanto humanos trocando experiências humanas num mesmo planeta.

Multi, Marina Decourt é artista visual, cantora, instrumentista, produtora musical e compositora para cinema e TV. Em trilha sonora, divide com Thiago Duar a composição da música de abertura da série A Garota da Moto (SBT/FOX), já compôs temas e cantou para Globo Filmes e UFC. No curta-metragem Onde Eu Não Estava foi produtora musical, compondo os beats e baixos para o filme ao lado de Yaniel Matos, Sidmar Vieira, Thiago Duar e Zé Ruivo.

É produtora musical e cantora na banda ACAJÁ, cantora, produtora musical e baixista no duo AWA com Anita Gritsch (AUT), produtora musical e baixista no novo trabalho do cantor Rodrigo Ciampi, além de seu primeiro disco solo recém-lançado Insights Sobre Uma Cidade Cinza, está em estúdio com novo projeto ao lado do guitarrista Pedro Bienemann e também produzindo singles com o produtor musical e DJ DIA, ambos a serem lançados ainda este ano.

Marina Decourt aqui e no alto da página em foto de José de Holanda e direção de arte de Alice Assal

Por que quis fazer o disco e em que momento apareceu o conceito?
Marina Decourt – Esse é um trabalho de longa gestação, já estava marinando a ideia de um disco e em 2013 quando comecei a lidar com produção musical fiz a track de abertura dele, a Prelude. Paralelamente estava imersa a muitas pesquisas sobre a intuição, os insights. Acredito serem poderes fortes e naturais da nossa espécie. Essas pesquisas na verdade são a grande unidade e ligação entre as músicas do disco, relacionando o que são os insights com o mundo de agora.

Desde a percepção de um aqui/agora que alivia os sintomas de ansiedade até a abertura de nós mesmos para a entrada dos insights que precisamos pras nossas resoluções. Porque aprendi que você nunca chega nos insights quando está buscando por eles, numa mesa de trabalho, cercado pelo stress do sistema, o insight é muito relacionado ao descanso. Ele é um fenômeno do inconsciente onde -muitas vezes- involuntariamente somos capazes de solucionar questões. A intuição é sentimento poderoso e repentino, não podemos nos perder dela.

O agora na cidade nos proporciona um movimento de compromissos e tarefas que nos tomam grande parte do tempo, onde sobrevivemos ao invés de exercer a existência, o “entretenimento”, a nomofobia, o estar sempre conectado em rede e não em pele… São um cenário difícil para o descanso, as idéias e aberturas para a criação. Todas as músicas que compus nesse disco foram intuídas, colocava pra gravar e ia saindo, primeiro uma harmonia base e depois cantando as coisas que estava sentindo, histórias que ouvi, que vivi.

As letras saíram todas assim. É um aconchego compor com descompromisso, deixar sair… Alivia muito os acúmulos de dentro! E o resultado foi essa história, de cinco anos. Das nove músicas, sete são minhas e tem a Terra do Sal do João Oliveira em que registrei também o poema Saluba do Tiganá Santana e Bye Bye Babylon do Thiago Duar. Pra interpretar essas histórias chamei o Leonardo Mendes e o Thiago Duar, parceiros de som e vida de longa data, que produziram o disco comigo e trouxeram as vivências, sons e paisagens deles que são muito lindas.

A música pop sempre foi gay e sempre será. Você acha que a tentativa de apagar o arco-íris aumentará sua potência?
Marina – Na comunidade LGBTQI, lidamos com a experiência da opressão e preconceito de maneira muito forte, às vezes não apenas nas relações sociais como também dentro de nossa própria casa. Comigo foi assim. Então, como as máximas bem/mal precisam um do outro para existirem me parece natural pensar que uma comunidade que passa por estes desafios fica mais forte ao vencê-los, com o conhecimento da dor também a maior apreciação da alegria. E entre a comunidade o acolhimento é vital. Agora, a homossexualidade existe em mais de 400 espécies além da nossa… Essa ‘tentativa de apagar o arco íris’ jamais o apagará porque este ser é natural. Deve ser bem triste viver a vida criando inimigos, difamando e sendo violento ao outro. O que temos da vida é o tempo da nossa vida e é triste as pessoas gastarem seu tempo tentando diminuir alguém ou um grupo ao invés de buscarem a própria felicidade sem que isso implique no mal do outro. Triste a idéia de ‘apagar’ alguém para se sentir importante. O movimento resiste e resistirá.

Existe algo na sua música que seja típico de seu lugar de origem?
Marina – Total! São Paulo é esse caldeirão de influências e minha música não poderia ser diferente. E por meio desse desprendimento dos rótulos e de um estilo musical específico vem também a liberdade e inspiração para criar.

Quais são suas principais referências estéticas fora da música?
Marina – Cinema totalmente, trabalho há 12 anos como film maker além da música, impossível negar ser uma fonte direta de inspiração, o cinema, a fotografia e acima de tudo o estado de observação e a apuração do olhar que reverberam não só na música mas em tudo.

Quais são suas maiores influências?
Marina – Erykah Badu, Tania Maria, Bugge Wesseltoft, Coltrane, Elza Soares, Benjamim Taubkin , Robert Glasper, J Dilla, Nina Simone, Oscar Peterson, Hiromi, Chet Baker, Ella Fitzgerald, Billie Holiday, Roberto Mendes, Dominguinhos, Gilberto Gil, Coline Serreau, Tom Jobim… são muitos!

Quais são seus valores essenciais?
Marina – O amor. Por mais que possa soar romantizado é ele o valor necessário e combustível para nossas lutas. Ainda mais em tempos sombrios como o de agora, a preservação e resiliência do amor é ato de resistência e a única forma de não deixar que esses males alcancem nosso íntimo, nossas relações, nossa casa e nossa capacidade de afeto.

Em que aspectos o machismo na música é mais evidente?
Marina – Todos. Hoje mesmo li um texto muito bacana sobre como (mesmo que culturalmente/inconscientemente) a afetividade dos homens é homo mesmo que sua prática sexual seja hétero, colocando a mulher não como igual mas como um produto social da feminilidade, o herói do homem é sempre um homem, os homens sempre enaltecem outros homens especialmente em seus lugares de trabalho, na música não poderia ser diferente. Mas vou aproveitar a pergunta para ressaltar uma enorme conscientização e união entre as mulheres que venho vivendo e aprendendo. E isso é mais importante, mais importante que qualquer cultura machista, porque a união das mulheres é o futuro. E, considerando o histórico que temos governado pelo homem branco que é um histórico sangrento e destrutivo, a união entre as mulheres é um alívio e uma esperança.

São muitos os movimentos que estão impulsionando as mulheres e abrindo espaço para nos conectarmos, criarmos e evoluirmos juntas. Aqui em São Paulo recentemente participei do Sarau Das Mina Tudo comandado por Rhaissa Bittar e Andressa Brandão, um projeto muito legal que aproxima mulheres da música. Esse estímulo entre nós é fundamental e ao que cabe o processo de união entre as mulheres: me coloco à disposição.