Como um argentino entrou para a história da música dançante no Brasil com versos non-sense e muita bunda

Claudia Assef
Por Claudia Assef

Sabe qual artista brasileiro fazia sucesso nas pistas de dança de Buenos Aires no começo dos anos 70? Agnaldo Timóteo. Quando desembarcou no Brasil, em 1973, Santiago Malnati, o Mister Sam, ficou perplexo ao saber que por aqui o inventor da saudação “Alô, mamãe” nunca tinha feito sucesso nas boates.

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Na Argentina, Mister Sam fazia um som pra outro tipo de pista, com a dupla Sam y Dan

Antes de se tornar produtor de hits da disco music brasileira, Sam ficou conhecido na noite como DJ da discoteca Banana Power, uma marca fortíssima em São Paulo naquela década. Dividia o tempo entre as discotecagens na boate e um emprego na gravadora Copacabana. Daí a lançar coletâneas de disco music com a própria cara estampada na capa e ganhar fama no Brasil inteiro foi um pulo. Foram quase trinta LPs, com títulos autopromocionais como Mister Sam em Paris, O Melhor de Mister Sam e Mister Sam DJ.

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Um DJ mucho loko, bitchô!

Em 1977, logo após a morte de Big Boy, primeiro DJ brasileiro a ser realmente famoso no rádio, na TV e nos bailes cariocas, Sam foi convidado para comandar um programa diário na rádio Excelsior. Espalhafatoso, o argentino acabou preenchendo a lacuna de “disc-jóquei muito louco” deixada por Big Boy. O passo seguinte também foi parecido com o de seu antecessor. Mister Sam começou a fazer shows de discotecagem pelo país. Assim como Big Boy, ele era o responsável pela seleção musical e pelas micagens no palco, enquanto um técnico de som respondia pelo som propriamente dito.

Mister Sam clama ter sido, no Brasil, o primeiro dono de um par de Technics MK 1200, o supra-sumo das pick-ups da era moderna, imbatíveis até hoje. Mas não foi por seus dotes de DJ que o argentino entrou para a história da dance music no país.

Em 1978, só havia espaço para música dançante nos playlists das principais rádios de São Paulo e do Rio. As FMs tinham surgido pouco antes, e os programadores de rádio salivavam atrás de hits para atrair o público jovem. Músicas como Born To Be Alive (Patrick Hernandez), Too Much Heaven (Bee Gees), Got To Be Real (Cheril Lynn) e Ring My Bell (Anita Ward) arrebentavam de tocar.  Mister Sam sacou o tamanho do mercado de disco music que havia pela frente.

Dessa sacada nasceu a principal “cria” do produtor, a cantora Gretchen. Além dela, ele botou outras no mercado, mas nenhuma superou a original. Sucesso arrebatador mesmo só com Gretchen, com quem ganhou cinco discos de ouro e três de platina.

Dance With Me – Gretchen

“Queria fazer uma coisa dançante e sensual e consegui. Hoje, meus discos são clássicos da discothèque brasileira”, declarou a cantora para o livro Todo DJ Já Sambou. O estouro veio em 1978, com o compacto Dance With Me. O país inteiro dançou.

Mas Que Linda Estás – Black Juniors no programa Os Trapalhões

Além de Gretchen, Sam também lançou outro fenômeno, o primeiro disco de rap nacional, da banda Black Juniors, em 1984, que estourou no país com a música Mas Que Linda Estás. O argentino também virou ídolo de pequenos nerds musicais nos anos 80, ao apresentar o programa de novidades em videoclipe Realce Baby, na TV Gazeta, além de ter cantado talvez o jingle mais divertido de todos os tempos, da marca Jeans Tarka (Levi’s é no centro, na Jeans Jeans Tarka!), que ganhou um remix zoeira do próprio Sam. Claro que a gente tinha que fazer um entrevistão com essa lendária figura da dance music nacional que até hoje não perdeu o xeitão argentino de hablar! Com vocês, Mister Sam.

É no Centro – Mister Sam

Music Non Stop – Quando você começou com sua banda lá na Argentina, já existiam DJs por lá? Quem eram? O que tocavam?

Mister Sam – Pelo que me consta, que me disse a dona Regine, dona da Boite Regine’s o DJ é um invento argentino. Eu comecei a ser DJ em 1963, no La Cueva – era o passadiscos, tinha o que depois foram chamados de Disc-Jockey de rádio, que não mixava, só falava o nome das músicas no e o operador ou sonoplasta soltava as músicas.

Nos anos 60, para embalar os bailes, se tocava muito rock’n’roll, Beatles, Rolling Stones e muita soul music, Otis Reding, Carla Thomas, Aretha Franklyn. E também nos bailes mais populares Ray Conniff, Elvis Presley, Bill Haley e por aí vai. Os DJs antes de mim me lembro dos Irmãos Rios, que tocavam no Mau Mau, a maior discoteca de Buenos Aires, e depois tinha a Afrika. Também fui ver tocar o Napo na Kokodrillus em Martinez, província de Buenos Aires.

Music Non Stop –  Como vc arrumou o primeiro emprego em gravadora no Brasil?

Mister Sam – Foi na Beverly em 1973, fazendo as versões em castellano para Paulo Sergio, Suely e Gilberto Reis. Depois faria para o Wando, Benito di Paula e outros artistas como Rosemary e Moacyr Franco. Logo eles descobriram que eu sabia gravar e mixar, além de compor, e me contrataram em definitivo para trabalhar na Coapacabana Discos que eles tinham acabado de comprar.

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Music Non Stop –  Como você fazia pra pesquisar sobre música no Brasil?

Mister Sam – Na época existiam as revistas Billboard, a menos importante, e a Cash Box, a mais importante, e a Record World que além da musica americana, cuidava do mercado latino. E onde eu tinha meu amigo Tomas Fundora, que me deu a licença para ter uma coluna na revista que falava do Brasil. Assim conheci o Silvio Santos, coloquei uma foto dele na minha coluna, foi ele mesmo que me deu a foto em 1974. Nas revistas tinha todo o material e paradas de sucesso. Todo mundo comprava elas.

Mister Sam e outro grande amigo, a Technics MK2

Mister Sam e outra grande amiga, a Technics MK2

Music Non Stop – Quando você começou a viajar pra comprar discos? Para onde ia e quanto $$ levava?

Com a Cosa Nostra Disco Band

Com a Cosa Nostra Disco Band

Mister Sam – Eu comecei a viajar para o Midem na França em 1977 e de lá viajava para Alemanha, Inglaterra e Espanha. E depois para New York. Em 1978 a Copacabana Discos inaugurou uma filial em NYC de nome Brasilia Records & Tapes. lá eles lançavam discos da Polygram, RCA e da Copacabana do Brasil. Todas as minhas produções em inglês eram lançadas lá, e faziam muito sucesso. The Vamps com o Disco Blood, Cosa Nostra Disco Band com a Tarantella Disco, The Freedom Machine, etc. A Gretchen saia pelo selo Latino da United Artist.

Eu levava 500 dólares para discos e trazia 300 LPs. O resto do tempo durante o ano, eu tinha um amigo portoriquenho que viajava ao Brasil cada 3 meses e me trazia 50 a 100 LPs e disco mix e eu comprava todo o lote dele. Também trazia agulhas shure para os toca-discos Mk2. Eu comprava na Downtown Records que ficava no metro da 5* avenida com a 42 street acho, e na Tower Records da 42 street.

 

Music Non Stop – Quando você conseguiu entrar na Excelsior, como foi que você começou no rádio no Brasil?

Mister Sam – Eu animava as matinês do Banana Power, e lá o Luiz Fernando Maglioca me viu um dia que teve uma festa para o Wilson Simonal, feita pelo Roberto Carlos e seus amigos. Ele viajou ao Midem e lá encontrou o Antonio Celso da Excelsior, que lhe comentou que, com a morte do Big Boy, ele não tinha nenhum louco para colocar no lugar, foi quando Luiz lhe falou de Sam, um argentino que animava o Banana Power. Ele me encontrou no Midem e me comvidou para ir na radio, mais eu tinha que ficar 6 meses morando em Nova York para agitar a gravadora Brasilia Records e só poderia ir após esse tempo. Ele me esperou, ligava toda semana na Copacabana.

Quando eu voltei fui direto para a rádio, e la ele me batizou de “Mister Sun”, aí eu disse a ele que meu nome era Sam, então ficaria Mister Sam. Ele insistia em ser Mister Sol, mais como no rádio não tem imagem e a pronúncia era a mesma ficou Mister Sun Sam kkkkkkk

 

sam-discoMusic Non Stop –  Me conta que ideia você teve a primeira vez que viu a Gretchen na TV, no programa do Silvio Santos?

Mister Sam – Antes da Gretchen em 1976 eu conheci a música Love in C Minor do Cerrone, que para mim foi a primeira música disco que eu conheci, e eu gostei da suruba que ele fez naquela gravação e quis fazer o mesmo, seguir a linha sexy explícita na musica. Nessa época eu comecei a namorar a Sarah, uma menina que cantava muito bem, super afinada e era a cantora principal da banda de baile Super Som T.A., famosa na época. Eu gravei com ela um compacto em dupla como Sara & Bruce, mas não deu certo.

E depois, quando surgiu a Donna Summer, falei pra Sarah entrar na onda Disco, e foi um sucesso a música Deixe Todo Esse Amor prá Depois, de João Plinta, vendeu mais de 100 mil cópias o compacto, E aí em 1978 fiz um LP chamado A Última Dança, versão da musica Last Dance de Paul Jabara e também Mac Arthur Park. Mas a Sarah era muito bonita, tinha um corpo bonito, cantava muito e era muito discreta.  Não se encaixava na minha ideia de cantora sexy.

Foi quando um belo dia de domingo 28 de maio de 78 aparece na TV do Silvio Santos a Maria Odete (Gretchen) cantando Dance a Little Bit Closer, que a Charo tinha lançado em 1977, e eu gravei ela no meu vídeo cassette e assim descobri a Gretchen. Quando a vi adorei seu jeito de dançar e cantar.

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Music Non Stop –  Talvez a galera de hoje não saiba, mas a Gretchen foi a rainha da Disco no Brasil. Em que cantoras você se inspirou pra “criar” a Gretchen?

Mister Sam – Não me inspirei em ninguém, eu queria fazer a suruba que o Cerrone tinha feito, mais com mais jeito latino. Sou argentino, eu já tinha vendido 1 milhão de cópias na Argentina em 1972 com a musica Se Mete Se Mete, do grupo Sociedad Anonima e de minha autoria, e com os direitos autorais eu vim para o Brasil.

Eu modelei a Gretchen do meu jeito, proibi ela de cantar bem, ela tinha que cantar só as minhas musicas, e eu ia falar dela na rádio que eu trabalhava e ela tinha que falar de mim, como seu produtor Mister Sam, em todos os lugares que ela pudesse, já que os apresentadores no Brasil, não deixam quase nenhum artista falar na TV e no rádio. Hoje nas rádios quase não falam nome de música e cantor. Deveriam ser cassadas as licenças das rádios por não falarem nome do artista e dos autores.

As músicas que eu fiz para a Gretchen são com letras e melodias pequenas, em que a voz é mais um instrumento, são musicas alegres, por isso perduram, e para deixá-las bem alegres, depois da Gretchen colocar a voz, eu colocava a minha voz fazendo a festa que vocês podem ouvir nelas. Como no início tinha poucos canais, eu fazia festa nos buracos onde ela não cantava, e gravava junto com ela, beliscava ela para dizer na hora que tinha que dar os gritinhos sexys, porque não dava para falar, ela até se esqueceu disso. Mais eu beliscava a bunda dela. kkkkk

Só DJs: Sonia Abreu, Seu Osvaldo e Mister Sam

Só DJs: Sonia Abreu, Seu Osvaldo e Mister Sam

Music Non Stop – Que outros artistas de sucesso você lançou?

Mister Sam – Eu lancei em disco, na música gravada, 2 LPs d’Os Trapalhões (1974), Miguel de Deus (samba rock, 1975), Sarah, Gretchen, Sharon, Nahim, Lady Lu, Flor, Black Juniors, Rita Cadillac, Os 3 Patinhos, Tremendo, Tata & Escova, Mocedad de America, Topo Gigio, Gugu Liberato, Banana Split, Ely Correia, Os Maneros, Wagner Montes, Marinho Chagas (jogador da Seleção), Dominó (Baila Baila Comigo), Fernanda Terremoto (chacrete), e muitos outros que não fizeram sucesso.

Também trabalhei, produzi, e gravei minhas músicas e outras com artistas já famosos como Wanderley Cardoso, Angelo Maximo, Secos & Molhados, Rosemeire, Angela Maria…

Vivendo os anos do desbunde ao lado de Wagner Montes

Vivendo os anos do desbunde ao lado de Wagner Montes

Music Non Stop – Você tocava em bailes pra quantas pessoas no auge da carreira?

Mister Sam – Cheguei a tocar para dois milhões de pessoas no réveillon no Rio de Janeiro, junto com a Furacão 2000.

Music Non Stop – Sempre foi sua marca registrada o sotaque argentino. Virou uma assinatura e por isso você nunca quis suavizar?

Mister Sam – Não foi de propósito, é natural em mim.

Music Non Stop – Como era o trabalho no Realce Baby, seu programa na TV? Você que escolhia os clipes?

Mister Sam – Era muito divertido, os poucos clipes que existiam a gente tocava, a maioria era de heavy metal, por isso como não tinha muitos clipes, a gente lançava os novos artistas que apareciam, assim no Realce cantaram pela primeira vez na TV os Titãs com Sonífera Ilha, RPM e as loiras geladas, Ultraje a Rigor, Joe, Made in Brazil, Camisa de Vênus e muitos outros.

Seu disco mais vendido

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Music Non Stop – Quais foram os melhores DJs que você já viu tocar no Brasil?

Mister Sam – Os melhores foram o Gregão, Greguinho, Alan (primo de ambos), o Índio, o Nilton Hucke, Jr do Banana Power e o Hilton, apesar de ele ter todo o set list escrito num caderno, kkkkkk. O Bozo que tocou comigo na Soul Train, e claro o Mister Sam.

A Playboy registrou sua maior descoberta: Gretchen

A Playboy registrou sua maior descoberta: Gretchen

Music Non Stop – Quantos discos de coletânea você chegou a lançar com seu nome?

Mister Sam – Entre Brasil e Argentina mais ou menos 30.

Com Jorge Ben em Paris

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Music Non Stop – Qual é a sua música de pista favorita de todos os tempos?

Mister Sam – Can’t Take my eyes off you – Boystown Gang, comprei a licença por cinco anos por US$ 500 em 1981 no Midem na França.

Uma de suas dezenas de coletâneas em "som contínuo"

Uma de suas dezenas de coletâneas em “som contínuo”

Music Non Stop – Se não tivesse trabalhado com música, que carreira você teria seguido?

Mister Sam – Era para eu ser jogador de futebol, mais aos 18 anos me barraram do time por causa da miopia, na época não podia jogar de óculos, hoje pode. O futebol perdeu um craque, sou canhoto original.

Siga as aventuras de Sam lendo seu blog no R7

 

Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.