Transmitter 003: A primeira pista em Berlim, a música como filosofia e outras leituras para o feriado
Transmitter é a coluna semanal de Lalai Person
No domingo eu fui ao Else, um club a céu aberto com biergarten no meio de uma ponte às margens do Rio Spree, que tem por trás a galera do Renate. O que me levou a ir foram as saudades de uma pista, ter o Dixon no line-up e também porque eu queria entender como está sendo ir numa festa. Os ingressos se esgotaram tão logo foram colocados à venda mesmo custando 20 euros + taxa de 2,50.
Tem muita gente burlando as regras para fazer festa por aqui, mas tem gente seguindo todos os protocolos à risca para promover uma festa que seja de fato “legal”. Esse é o caso do Else.
As festas no Else acontecem sempre às sextas, sábados e domingos, das 14 às 22 horas. São dois os tipos de ingressos, um normal e outro que você precisa entrar até às 15h. Acabei comprando o segundo que era o que ainda tinha disponível. Lamentei o fato, já que o Dixon tocaria às 19h e eu não sabia se minha disposição daria conta de esperá-lo.
O protocolo da festa segue o mesmo de um biergarten: a máscara só pode ser tirada quando a pessoa estiver sentada. Levantou? Tem que colocar a máscara. Já na pista não rola ficar sem ela. Por lá, todo mundo estava com drink na mão levantando e descendo a máscara entre um gole e outro. Ao redor algumas meninas trabalhavam chamando a atenção de quem ousava tirá-la.
Tudo corria bem até eu espatifar no chão, torcer o pé e ralar feio o cotovelo. Logo pensei que estava sendo castigada por eu estar ali me divertindo, mas prefiro acreditar que foi apenas minha pisada em falso num degrau alto demais. Então eu fui embora antes mesmo do Dixon entrar.
Não sabemos mais até quando essas festas vão continuar acontecendo, mas tudo indica que será por pouco tempo. Elas só podem rolar legalmente a céu aberto e dias chuvosos estão rolando com a chegada do outono. O Else colocou uma cobertura transparente que protege quem estiver na pista caso chova. O teto é muito alto, mas muito alto, e as laterais abertas, ou seja, é “quase” como se ainda estivesse a céu aberto.
No sábado rolou o Dia da Cultura dos Clubs, promovida pelo Clubcommission Berlin, com uma extensa programação espalhada pelos clubs da cidade. Eu fui na famosa festa queer Gegen, no Kit Kat, mas o hedonismo habitual do projeto estava disponível apenas nas fotografias, nas performances e nos filmes exibidos. O protocolo, também seguido à risca, não permitia dançar mesmo com minha amiga, a DJ Laura, fazendo um delicioso set de house. O motivo? O local é fechado.
Na segunda-feira acordamos com os jornais bombando sobre o aumento de casos de coronavírus em Berlim, que atingiu um pico de 339 novos casos na sexta-feira. A faixa etária média dos infectados é 20 a 29 anos, o que obviamente se atribui às festas legais e às muitas ilegais, às aglomerações nos parques, nos canais, nas ruas. Todo mundo apontando o dedo pra todo mundo. Novas regras entraram em vigor neste sábado: Bares e restaurantes só poderão funcionar até às 23h e a partir desse horário é proibido vender álcool e grupos de mais de 5 pessoas se reunirem em locais públicos.
A Alemanha entrou no alerta vermelho após registrar mais de 4 mil novos casos em 24 horas, o número mais alto desde abril. Hoje o país soma 310.144 casos e 9.578 mortes.
Agora recolho a vida pra dentro do escritório-casa onde moro atualmente. A Nina Lemos escreveu um texto interessante sobre as brigas entre amigos e famílias que estão rolando por conta de uns seguirem a vida como se nada tivesse acontecendo e outros estarem numa auto-quarentena. Eu acho difícil demais julgar alguém. Tem muita gente metendo os pés pelas mãos, mas tem muita gente apenas tentando sobreviver. A jornalista Chloé Lula escreveu um ótimo artigo para o Electronic Beats sobre como a cena cultural em Berlim está tentando sobreviver.
“A música é a abreviatura da emoção”, Leon Tolstoy
“A música é uma filosofia rica em ideias que a linguagem não consegue traduzir”, da Xenia Hanusiak, é um dos textos mais bonitos sobre música que li. Hanusiak discorre poeticamente sobre o som, o silêncio, a harmonia e a dissonância na música, onde “compreender que essa dualidade, como a tensão e a harmonia, coexiste é um princípio fundamental para viver uma vida vibrante e realizada. Se aprendermos a nos sentar com os sons inexplicáveis nesse momento histórico, abriremos um caminho inesperado de elucidação e contribuiremos para questionar e redefinir a sociedade que estamos criando.”
Mas nem tudo são flores quando falamos sobre música. O jornalista Alex Ross escreveu um excelente texto sobre o livro “Decomposed: The political ecology of music”, de Kyle Devine, que reflete sobre o lado danoso do consumo de música ao meio ambiente, mesmo em streaming. Mas o objetivo do livro não é que as pessoas parem de ouvir música, mas que o consumo seja mais consciente. Mas como? Devine tem a esperança de que role uma mudança semelhante a que ocorreu com nossa relação com a comida. Quando ouvimos música, podemos nos perguntar em que condições foi feita uma determinada gravação, o quão justo foi o processo pela qual a música chegou até nós, etc., e a mais urgente, de quanta música realmente precisamos. Será que isso é possível?
A história do Nathan Apodaca com o viral que criou no Tik Tok com “Dreams”, do Fleetwood Mac, continua ganhando novos capítulos. De acordo com a Billboard, a música teve mais de 8 milhões de streams só nos Estados Unidos na semana passada, um crescimento de 125% em relação à semana anterior. Apodaca ganhou da Ocean Spray, a marca do suco que aparece no vídeo, uma pickup nova com garrafas do suco; foi parar em todas as grandes mídias, incluindo o NYTimes e a BBC; fez uma loja pop up com merchandising, onde já vendeu mais de 30 mil dólares em produtos; tem recebido doações que já somam mais de 10 mil dólares e teve, além do próprio Mick Fleetwood, o Jimmy Fallon recriando seu meme.
Eu era muito fã do Van Halen na adolescência. “Jump” era meu hino. Descanse em paz, Eddie Van Halen. O mundo perdeu um de seus melhores guitarristas e um gênio do rock and roll. Você sabia que ele criou várias patentes, incluindo a do suporte da guitarra? Para entender sua genialidade, te convido a ler esse texto sobre como ele redefiniu o rock de acordo com ele mesmo.
Mais algumas rapidinhas sobre música:
- A Wired lançou o Wired Games. O lançamento chegou com essa matéria fantástica sobre as mulheres que inventaram a música de video game.
- Eu já desconfiava que os festivais de música no próximo verão no Hemisfério Norte poderiam estar comprometidos. O SXSW anunciou sua edição 2021 online e o Coachella anunciou a mudança da agenda de abril pra setembro.
- A Billie Eilish fará uma live streaming no dia 25. Para assistir é necessário pagar US$ 30. Numa conta de padaria: Ela tem cerca de 34,3 milhões de inscritos em seu canal no Youtube. Se 1% comprar um ingresso, ela arrecadará cerca de US$ 10 milhões; já no Instagram são 67 milhões de seguidores, se também 1% comprar um ingresso, são mais US$ 20 milhões na conta.
- Autora de um dos álbuns mais bonitos de 2020, a cantora Kelly Lee Owens estrelou uma campanha da cerveja Corona para celebrar o poder da natureza na nossa vida.
- O podcast “Table Manners with Jesse Ware” é pura diversão. Jesse Ware convida celebridades para se juntarem à sua mesa do jantar, feito por sua mãe Lennie, para conversarem com as duas sobre qualquer coisa.
- No próximo dia 12 rola o Latitudes, evento para discutir a cena de música eletrônica da América Latina.
- A Pitchfork publicou um capítulo do novo livro “This Isn’t Happening”, de Steven Hyden, sobre o álbum Kid A, do Radiohead.
- Não é só a música que está passando por uma revolução por conta do Tik Tok. Tem muita gente apostando que essa revolução está acontecendo na arte também.
Para relaxar, dá um play nesse vídeo A explicação sobre como o artista produziu o vídeo é complexa demais para a minha cabeça de humanas, mas se quiser saber (e depois quiser me explicar), é só ler aqui.
*Transmitter é a coluna dominical da Lalai Persson e parte da sua newsletter semanal Espiral.