Quando Claire Boucher apareceu, em 2010, era só mais um projeto experimental malucão na rebarba de classificações incompreensíveis como witch house e no-fi no cenário ultraunderground de Montreal, Canadá.
Mas aí, em 2012, saiu o clipe de Oblivion. Nele, a artista canta e dança em diferentes ambientes de um estádio de futebol americano, cada hora com um look diferente. Se musicalmente era apenas um degrau acima das experiências lo-fi em fita cassete de dois anos antes, a imagem freak e adorável compensava. O clipe fazia parte do lançamento de Visions, o primeiro disco da Grimes, lançado em 2012 por uma gravadora de porte: a britânica 4AD (casa de Ariel Pink, Pixies, Cocteau Twins).
Grimes – Oblivion
A mistura de batidas ingênuas e voz etérea pegou – e não fui só eu. Doce, experimental, vagamente pretensioso e ligado tanto em Burial quanto na Mariah Carey, Visions levou Claire para a tela do Pitchfork (o site considerou Oblivion a “música da década”), para a programação da tarde da MTV Brasil e para o Pinterest de garotas ligadas em moda.
Grimes agrada geral porque é uma mistura de quase tudo. No repertório estético-musical de Claire cabem Enya, Bjork e Mariah Carey. Death Note (o anime), Tank Girl (a HQ) e Underworld (o filme). Calças cargo, franjinha lilás e paletó. Cocteau Twins, TLC e The Knife. Tool, Burial e Kanye West. Morrisey, contos de fada e EDM barata. Mas são tantos os termos, que ninguém sabe direito como formular a equação. Nada é descartável. E no meio de tanta informação, você vai encontrar algo para gostar.
Entre 2012 e 2015, Claire (que também desenha, escreve e dirige videoclipe) fez um sem fim de editoriais de moda. Usou Louis Vuitton no Baile de Gala do Met. Entrou para o cast da Roc Nation de Jay Z. Abriu shows da Lana Del Rey. Escreveu uma musica para a Rihanna (que não a usou). Fez uma aparição polêmica no Boiler Room tocando Venga Boys e Mariah Carey. Escreveu seu próprio manifesto feminista. Lançou um selo-coletivo. Fez uma tour mundial. Mudou para Los Angeles. Aprendeu a tocar guitarra e violino.
Grimes @ Boiler Room
O excesso de informação típico do pós-internet deixam a identidade Grimes confusa, mas Claire compensa com muita coragem. Essa ousadia artística torna Grimes irresistível para a mídia e para os fãs. Ela é seu próprio projeto artístico – sempre arriscando, conquistando, desenvolvendo. Ela sabe que sua persona não cabe mais no cenário experimental de onde veio e que é estranha demais para o mundo mainstream pra valer. E também sabe que nem sempre dá certo: Go (a música que Rihanna não quis e que Claire lançou em 2014) e Realiti, suas duas tentativas pela seara da música pop de 2014, não deixaram nem fãs e nem crítica caindo de amores.
Grimes – REALiTi
Mas a recepção fria a jogou no caminho certo. Ela começou de novo. E gravou um disco sozinha, em sessões de doze horas de estúdio. Corta para 2016.
Art Angels, lançado em fins de 2015, foi a chance que Claire teve de mostrar que sabe que é especial. Ela toca os instrumentos, pesquisa os samples, assina toda a composição e produção. Com o hype liderado por dois videoclipes ambiciosos (Flesh Without Blood/Life in the Vidid Dream e a fantástica incursão K-Pop Kill V Main), Art Angels é menos uma revolução e mais uma evolução natural das infinitas combinações e possibilidades de Grimes. É um disco enérgico e cativante, que prova que Claire tem habilidades para muito além do lo-fi bedroom bonitinho-porém-improvisado de Visions. E se em apenas cinco anos Claire controlou sua imagem e música com tanto poder, quem sabe o que virá? Espero que muito.
GRIMES ESSENCIAL: SEIS VÍDEOS
Vanessa (2012)
Genesis (2012)
Go feat. Blood Diamonds (2014)
Kill V. Maim (2016)
Flesh Without Blood/Life In The Vivid Dream
Art Angel Documentary (Fader)