A incrível história da fábrica de enfeites de natal que se transformou num dos melhores estúdios de gravação do mundo: vem com a gente conhecer o Audio Porto

Claudia Assef
Por Claudia Assef

Na entrada no Audio Porto, que fica no 4º Distrito (antiga zona portuária de Porto Alegre), damos de cara com uma porção de árvores de natal, bolas e outros enfeites, que adornam a recepção para a chegada dos quase 300 convidados que vieram conhecer o que está sendo buchichado como o melhor estúdio de gravação do Brasil e um dos melhores do mundo.

Estamos perto do Natal, mas os enfeites e árvores espalhados ali têm outra simbologia. No mesmo endereço que hoje abriga mais de 900 metros quadrados de estúdios construídos, equipados com mesas de som de altíssima qualidade, sistemas de PA dos sonhos, conversores, sistema de monitoração, retornos, tudo de marcas inatingíveis, funciona desde 1942 a Wanda Hauck Decorações de Natal, fábrica que desde 1942 fornece para o mundo todo produtos que ajudam a perpetuar a ideia de que Papai Noel existe.

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Funcionária trabalha na pintura das bolas de vidro da Wanda Hauck Enfeites de Natal

Desde o início, os donos do negócio, Frederico e Wanda, prezaram pela qualidade e ganharam muitos mercados com seus adornos sofisticados, que priorizaram o lado artístico no lugar do preço e da quantidade. Até que veio a China com seus enfeites de plástico, e o poderio da fábrica foi posto em xeque.

Há cinco anos, o bisneto dos criadores da fábrica, Rafael Hauck, de 34 anos, vem construindo o que deverá ficar conhecido como o novo métier da família Hauck, o estúdio Audio Porto, que abriu em esquema de soft launch apenas para convidados no último domingo (11).

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Rafael Hauck investiu R$ 4 milhões em reformas e equipamentos para o Audio Porto

Além de impressionar pelo nível de detalhe em cada um de seus quatro estúdios de gravação, o Audio Porto deixou quem foi conhecê-lo babando com os equipamentos de alto padrão misturados a preciosidades clássicas da história das produções fonográficas. Deu tremedeira ver perfilados tantos sintetizadores raros e baterias eletrônicas lendárias, algumas das quais esta que vos escreve nunca tinha visto ao vivo e em cores.

No meio de uma tarde com DJs, show da simpaticona Abadia Pires (mãe de Alexandre Pires), improviso com Rappin’ Hood, comes, bebes e muito networking, o Music Non Stop conversou com Rafael sobre o rumos do Audio Porto, que ele almeja ver num futuro próximo transformado em centro cultural e num importante pólo da economia criativa de Porto Alegre.

Music Non Stop – Conta um pouco sobre a fábrica da sua família, que viabilizou de uma certa forma a construção do Audio Porto.

Rafael Hauck – A fábrica foi fundada em 1942 pelos meus bisavós, Frederico e a Wanda, durante todo esse tempo eles trabalhavam na essência da arte que ele fazia, que era pintura. Eles sopravam as bolas, faziam cisnes de vidro pintados a mão, sempre houve uma preocupação com a qualidade. Essa fábrica chegou a ter centenas de funcionários, mas vai fechar este ano. A partir da década de 90, acabou-se entrando numa concorrência com os chineses, com bolas de plástico. E isso não deu certo. Daí o negócio entrou num modo de apenas se sustentar. O Natal é um negócio mágico, mas hoje é difícil sustentar, até como ideia. Nosso objetivo então é transformar esse espaço em algo relevante. Queremos transformar esse espaço num centro cultural. Nossa intenção é capturar aquela essência artística através da música. Eu investi todo dinheiro que eu tinha, de situação familiar, e coloquei neste meu sonho. E isso só vai funcionar coletivamente. A gente quer trazer este espírito. É o histórico de um espaço que está sendo reciclado.

Queremos fomentar a economia criativa. Entre as coisas que são necessárias pra uma cidade se enxergar como pólo cultural, é necessário que você tenha um grande estúdio. Aí sim você coloca seu mercado num nível mundial. Claro, se o artista se sente bem em casa e grava lá o seu hit, ótimo. Mas a gente precisa poder colocar isso também de uma forma muito profissional. A gente trabalha dentro do universo digital, mas também trazemos o universo analógico. Temos uma elétrica de nível laboratorial, nosso ar condicionado tem renovação de ar constante, nosso aterramento é de nível laboratorial. A gente pensou em cada detalhe mesmo, atrás da qualidade. A gente sempre trabalhou pra isso, pra ter um produto de qualidade aqui. Consideramos desde a pessoa que está trabalhando aqui até o output, o resultado final, a música no rádio, na internet.

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Todos os instrumentos do Audio Porto estão à disposição dos artistas que bookarem o espaço

Music Non Stop – Vocês começaram a construir o estúdio há cinco anos?

Rafael Hauck – Comecei aos 15 anos a tocar com bandas. Lá se vão 19 anos. Eu fui sócio de outros estúdios. Fui pra Londres estudar produção de áudio. Fui produtor técnico do Brazilian Day em Londres, fiz produção técnica pra turnê do Bruno e Marrone, Comunidade Nin Jitsu, fiz consultoria pro Marcelo D2 no Reino Unidos, e tive a oportunidade de trabalhar num estúdio chamado Classic Sound Limited, que pertencia a dois ex-engenheiros da Decca Records. Lá eu encontrei um dos equipamentos mais raros do planeta, o ISA 110, são 8 canais, é um santo graal da gravação. A gente tem aqui também um sistema da PMC que é único na América Latina. Lá eu acabei encontrando muita possibilidade de expandir esse universo. Quando eu comecei a trabalhar em estúdio, meus pais me ofereceram a oportunidade de eu estudar fora do Brasil, mas eu não quis. Quis trabalhar aqui antes de ir, pra não chegar lá sem saber o que é um capacitor ou um resistor. Eu já cheguei preparado.

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Music Non Stop – Quanto dinheiro foi investido?

Rafael Hauck – Não tenho preciso quando você coloca em jogo a avaliação do prédio e outras coisas que já estão aqui há muito tempo que foram colocadas ao longo dessas várias décadas. Mas eu coloquei mais de R$ 4 milhões aqui, em reforma e equipamentos. Foi um investimento muito pesado pra provar um conceito. E também de tempo. Levamos cinco anos, tivemos três empreiteiras diferentes que não deram certo. São 900 metros de estúdio construídos por quatro ou cinco pessoas, com muita pesquisa, muito carinho, muito desenvolvimento de técnicas. Se você for pensar, esse valor que eu falei não é alto. O último investimento que eu fiz foi pesado, porque peguei a alta do dólar, foram os microfones vintage. Tem gente que não liga pra isso, mas quando você compara esses microfones vintage com os modernos, em dois minutos você já jogou foram 50 microfones. O mesmo aconteceu com os pré-amps, equalizadores, compressores. A gente quis ter os antigos também. Não tem comparação. O nível de cuidado com o que temos aqui dentro é muito grande.

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E este rack recheado de synths e baterias eletrônicas vintage? Todos estão em perfeitas condições de uso

Music Non Stop – E sobre os equipamentos?

Rafael Hauck – O nosso estúdio, Fábrica, temos o live A, Live C e a técnica, vamos trabalhar apenas com diárias, produções que entendam por que estar aqui dentro. Temos o Estúdio 1, que tem três salas. Todos são suspensos. Vamos trabalhar com turnos, por hora. Qualquer situação teremos todo o backline disponível, microfones, sintetizadores, guitarras, baixos, TRs. Vamos dizer que você vai gravar uma voz. Aqui você pode escolher entre uma série de microfones clássicos, AKG Ela 251 E, Nuemann U47 FET. Daí você vai poder decidir o que grava melhor a sua voz. Você vai atrás da solução e não de arrumar depois na mix, entende? É uma série de coisas que diferenciam o estúdio nesse sentido. Você não vai tapar buraco, vai fazer direito do início ao fim.

Music Non Stop – Hoje este é o estúdio mais bem-equipado do Brasil?

Rafael Hauck – Com certeza. É possível que haja mais quantidade em algum outro lugar, mas em termos de qualidade e manutenção, não existe. Ninguém tem tem o nível de equipamentos que a gente tem aqui hoje. Claro que agora é que as pessoas vão decidir se eu estou certo ou tô errado, né, se somos o melhor estúdio mesmo. Além de tudo isso, o artista pode também escolher gravar em fita magnética. Mas aí tem o custo de importação da fita. O disco do Daft Punk que ganhou o Grammy por exemplo foi totalmente gravado em digital e em fita. Então aqui você tem essa opção também. Se você quiser o delay de fita, você vai poder aqui. Tô falando do analógico, mas os processadores digitais são impressionantes aqui também. Dá pra dizer que somos um dos melhores estúdios do planeta, como ferramenta.

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A felicidade de ter um dos equipos mais raros do planeta: o ISA 110

Music Non Stop – Vocês têm ambição de se tornar um estúdio usado por artistas internacionais?

Rafael Hauck – Com certeza! Além do estúdio em si, você tem o custo barato que é de estar em Porto Alegre, que é muito abaixo do custo de permanência em Londres ou Los Angeles.

Music Non Stop – Hoje em dia os home studios acabam cumprindo a função de registrar seja uma banda ou um artista de música eletrônica. O que você diria que é um diferencial de estar num lugar como o Audio Porto?

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Rafael Hauck – Você não consegue programar a física a pleno. Você não vai ter o volume de ar que você precisa no home studio pra que as coisas soem juntas, como tem aqui. É diferente você tocar um violão numa sala sem nenhuma outra movimentação de pressão sonora ou você tocar numa sala onde tem alguém sentando a lenha. O espaço é preciso pra certas questões. Isso pode ser emulado nos plugins, mas ele não vai programar pra sempre um detalhe de um capacitor. Já a elétrica faz isso. Isso que causa o diferencial. Mas isso é pra certas pessoas. Se o cara quer desenvolver sua arte sozinho, que ótimo. O David Guetta quando foi gravar com Black Eyed Peas ficou apavorado, era a primeira vez dele num estúdio gigante pra gravar. E quantos milhões de cópias ele já tinha vendido antes disso?

Music Non Stop – Um disco do Daft Punk como o Random Access Memories não daria pra ter sido feito num home studio, né…

Rafael Hauck – De jeito nenhum! Eles investiram mais de US$ 1 milhão só no disco. Se você faz a coisa com qualidade, existe um custo aí. Então quando uma interface anuncia que “faz tudo”, aqui não é assim. Cada coisa cumpre a sua função. As caixas de som que temos aqui, você não vai ter em casa. Só uma delas custa US$ 15 mil lá fora! O crossover custa US$ 6 mil…

Music Non Stop – Qual é o teu objetivo com o Audio Porto?

Rafael Hauck – Meu objetivo pessoal é conviver com gente criativa e que a gente possa fazer coisas consistentes aqui. Meu objetivo maior é que socialmente a gente faça a diferença pra Porto Alegre. Queremos desenvolver um intercâmbio com pessoas de outros lugares. Temos tentando nos aproximar de profissionais que nos ajudem nesse sentido. A minha felicidade está na colaboração, quer trabalhar com pessoas, diferentes ideias, culturas, ser criticado. No fim, o que interessa é o músico e a composição?

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Rappin’ Hood deu um rolê, conversou e depois cantou com DJ Emerson soltando as bases

Music Non Stop – Existem planos pra ampliar o estúdio pra que ele se torne um centro cultural?

Rafael Hauck – Sim, a gente pensa em fazer no térreo um espaço comum, com auditório, restaurante. No segundo andar queremos fazer um centro educacional no sentido de fazer back office pra que as coisas aconteçam. E no terceiro andar, no estúdio, queremos dar alguns cursos e fazer com que haja um envolvimento da juventude pra fazer com que haja uma melhora nas próximas gerações. Queremos sentir que ajudamos de verdade, que fizemos a diferença.

AUDIO PORTO
R. Câncio Gomes, 609, Floresta, Porto Alegre
Telefone: (51) 3557-6109
Preços: tabela ainda não divulgada

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Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.

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