FOTOS FLÁVIO FLORIDO
TEXTO CLAUDIA ASSEF
Eles estava lá no seu primeiro bailinho, quando você aprendeu aquela coreô pós-punk que todo mundo fazia junto, balançado de um lado pro outro com os bracinhos bem colados no corpo.
Eles estavam lá quando você se formou e fez aquele aquele churras pra confraternizar.
Eles estavam lá quando você teve seu primeiro filho e finalmente se tornou adulto. E eles estavam lá, nesta quinta (1), no Espaço das Américas completamente lotado, quando você quis apenas dançar e abraçar os amigos da escola, que resolveram ligar o foda-se em pleno dia de semana pra ser feliz por algumas horas.
O New Order tem essa estranha função nas nossas vidas, de embalar o nosso cotidiano, na saúde ou na doença, na alegria ou na tristeza. Desde que surgiu na Inglaterra, a banda formada pelos ex-integrantes do Joy Division, Bernard Sumner (vocais, guitarra e sintetizadores), Peter Hook (baixo e sintetizadores) e Stephen Morris (bateria, bateria eletrônica e sintetizadores), depois do suicídio do vocalista Ian Curtis, em 1980, e mais tarde com a adição de Gilian Gilbert (guitarra e sintetizadores), criou uma mistura de rock, synthpop e música eletrônica que a transformou numa das maiores bandas de todos os tempos.
No palco do Espaço das Américas, assim como tem sido nos últimos dez anos, Hook não estava. O lendário baixista do Joy Division e do New Order vive há uma década uma pendenga judicial contra a sua ex-banda e estava, na noite de ontem, por esses acasos da vida, não muito longe dali, fazendo um show com seu novo grupo, The Light Substance, no Rio de Janeiro (show este que chega a São Paulo no dia 6/12).
Enquanto isso em São Paulo, a atual formação (Bernard Sumner, Stephen Morris, Gillian Gilbert, Phil Cunningham e Tom Chapman) fazia um show focado no álbum Music Complete, lançado em 2015 (pra muita gente, a derradeira obra do New Order), seu primeiro álbum em dez anos, mas com muito espaço para hits, claro.
Quem fez as honras de esquentar a platéia numa noite atipicamente fria para um início de dezembro foi o paulistano Gui Boratto, fã declarado de New Order e de toda a geração do synthpop e rock inglês dos anos 80. Estava estampada na sua cara a felicidade de estar naquele lugar. Seu set começou como uma linda instalação sonora de camadas eletrônicas que culminou com uma versão instrumental do seu maior hit, Beautiful Life, deixando a plateia calibrada para receber a atração principal.
Pouco antes das onze da noite, o New Order subiu ao palco com a nova, Singularity, com Bernard cada vez mais à vontade no papel de frontman e Gillian como o cérebro eletrônica da banda, com seu jeitão de Norma, a muda santa de Orange Is The New Black.
Ver que Bernard não é mais aquele garoto magrelo e tímido no palco funcionou como uma terapia de espelho. O paradoxo é que Barney (para os íntimos) não se esconde mais atrás da guitarra durante o show inteiro, parece se sentir bem à vontade com os quilinhos a mais que os anos trouxeram, dançando sem saber dançar, lembrando um Bez (Happy Mondays) mais desengonçado, e depois ajeitando a calça, como tantos de nós desaprumados pelos anos de excessos.
O show estava só começando, e a segunda música já botou a casa abaixo. Regret, com sua letra sobre arrependimentos, fez muitxs grisalhxs ficarem com os olhos marejados.
Talvez eu tenha esquecido… do nome e endereço…
De todo mundo que eu conheci.
Não é nada que eu lamente
Guarde para outro dia
É dia de prova, e as crianças fugiram
Fato. Não estamos mais na Up & Down (ou no QG, Area, US Beef Rock, Sound Factory… preencha com o nome da matinê do seu bairro), não temos mais provas na escola. Agora temos contas pra pagar, filhos, funcionários, ex-maridos/mulheres, textão no Facebook, grupos de Whatsapp… A vida passou diante dos nossos olhos, e a banda no pano de fundo sempre foi o New Order.
“Boa noite, São Paulo, we fucking love it here”, disse um simpático Bernard depois de cantar Regret.
O show da turnê trouxe ótimas músicas do disco mais recente, mas todo mundo sabia o que queria ouvir. Uma introdução de quase um minuto antes dos primeiros acordes de Bizarre Love Triangle darem o clique na plateia e… comoção geral. Abraços, sorrisos, cervejas derrubadas, sedentários quebrando recordes olímpicos de salto em altura, o primeiro grande momento do show.
Bizarre Love Triangle (vídeo Cristiano Souza)
Gastamos ali todo o inglês que as próprias letras do New Order nos ensinaram. Em coro. Everytime I see you falling/i get down on my knees and pray/I’m waiting for that final moment you’ll say the words that i can’t say. Foi lindo.
Bizarre Love Triangle foi só o primeiro de uma série de hits. Nossos corações newordistas ainda teriam que suportar uma sequência bombástica com The Perfect Kiss, True Faith, Blue Monday (o single mais vendido de todos os tempos, com mais de 3 milhões de cópias) e Temptation, isso tudo assim, sem nenhuma pausa pra gente recuperar o fôlego.
Blue Monday (vídeo Cristiano Souza)
Não era nem uma da manhã quando o caminhão New Order tinha acabado de nos apresentar 15 músicas, entre elas um belo punhado de hits. Tudo isso amparado por uma moldura de visuais e iluminação impecável, que, com seus fortíssimo feixes coloridos, emulava a capa do décimo álbum da carreira da banda.
Bizarre Love Triangle (clip1) do artista Damian Hale
A banda retornou para o bis com uma dobradinha de Joy Division, a banda que daria origem ao New Order. Como velhos parceiros, Bernard e Gillian se juntam no sintetizador. Surgem os primeiros acordes de Love Will Tear Us Apart, a que a plateia reage como se fosse final de campeonato. O amor nos destroçaria, de novo. Na tela, projeções de capas de discos do New Order e Joy Division.
Bernard de novo faz uma reverência à cidade: “Normalmente terminaríamos agora o show mas, como estamos em São Paulo, vamos tocar mais uma”. Será que ele soube que a cidade havia acabado de ganhar o prêmio internacional Desafio dos Prefeitos, que premia as melhores práticas urbanas no mundo?
A saideira Superheated dizia: “o céu está cinza quando você não está aqui ao meu lado”. Depressão de final de show? Nada disso. New Order é religião, é fundamento. É nosso Truman Show em forma de música, onipresença sonora ao longo da nossa trajetória. Diante da banda, nossas diferenças políticas ficam pequenas e somos capazes de viver, nem que seja por algumas horas, a fantasia de um 2016 repleto de união e harmonia. Por mais noites de dopamina como a desta quinta. Foi lindo.
TRACKLIST
Singularity
Regret
Academic
Crystal
Restless
Your Silent Face
Tutti Frutti
People on the High Line
Bizarre Love Triangle
Waiting for the Sirens’ Call
Plastic
The Perfect Kiss
True Faith
Blue Monday
Temptation
BIS
Decades
Love Will Tear Us Apart
Superheated