Às vezes algumas coisas parecem óbvias pra gente, mas quando se veem escritas é que a gente percebe que não são. A disco music está de volta, e foi esse o tema da minha coluna, publicada neste sábado, no Estadão. Perdeu? Leia aqui:
Eu devia ter uns cinco anos de idade, mas me lembro perfeitamente do cheiro do laquê que minha mãe passava no cabelo para finalizar o visual elegante que ia desfilar com meu pai pelas discotecas de São Paulo no final dos anos 70. Assim como a música de pista daquela década, pomposa e rica em detalhes, o glamour dos dançarinos também era imprescindível nos tempos da disco music.
Naquela época, dançava-se ao som de discos de grandes orquestras como a Love Unlimited, grupo de 40 músicos que acompanhava o mestre da música de alcova Barry White, ou ainda a Salsoul Orchestra, uma das big bands mais cultuadas até hoje por fãs de black music.
Nas discotecas, os DJs – então chamados de discotecários – mesclavam hits orquestrados com música lenta, num domínio tamanho do público que se conseguia vender mais ou menos bebidas de acordo com o que estava rolando no som – havia até o truque de tocar “Champagne”, de Peppino de Capri, para fazer os mais animados comprarem suas garrafas do espumante.
Quem não viveu os anos de ouro da disco pode comprovar em filmes como “Os Embalos de Sábado À Noite” a importância que o visual tinha para aquela geração. Numa das cenas mais engraçadas desse clássico, John Travolta arruma uma briga feia com o pai porque o velho desfizera o penteado que ele havia levado horas para arrumar.
Pode ser que nunca mais se veja a pompa dos dançarinos dos anos 70, mas a trilha sonora dos tempos das discotecas está cada vez mais forte nas pistas de dança do mundo todo. O avanço da tecnologia na produção de música tornou possível a reprodução do som de uma orquestra inteira usando um simples software. Essa facilidade tem aproximado cada vez mais os produtores de música eletrônica do som rebuscado dos anos 70 – seja criando novas músicas com timbres antigos ou então atualizando músicas antigas para ouvidos de hoje (são os chamados re-edits, versões mais fortes e dançantes para velhas músicas).
Um exemplo dessa influência setentista está num dos álbuns mais aguardados deste primeiro semestre, “Head First”, da dupla inglesa Goldfrapp. O disco soa como se tivesse sido feito em 1977. Estão ali referências à programação eletrônica que o produtor Giorgio Moroder apresentou ao mundo através da diva Donna Summer em faixas que viraram hino, como “I Feel Love”.
Uma ouvida geral em “Head First” também traz à lembrança pitadas de Abba, com suas melodias felizes e grudentas. Essa nova cara do Goldfrapp, dupla cultuada desde o disco de estreia, o sombrio “Felt Mountain” (2000), desagradou aos fãs que esperavam algo “novo”, mas vai de encontro à febre que já há algum tempo vem tomando conta da produção de música eletrônica.
Reconfigurado e com o nome de nu disco, o gênero já tem até um país que se firmou como referência de sua produção, a gélida Noruega. São de lá os DJs e produtores Lindstrøm, Prins Thomas, Todd Terje e Bjørn Torske, nomes que andam entre os mais adorados por DJs e por gente que quer abastecer o iPod de boa música para chacoalhar o esqueleto.
O amor dos noruegueses pela disco music começou a se alastrar pelo mundo com o álbum de estreia da dupla Lindstrøm & Prins Thomas, lançado em 2005. Dois anos depois, já havia no país um punhado de produtores de nu disco, gente o bastante para rechear uma coletânea de 16 faixas, compilada pelos DJs da festa Sunkissed, noite que se tornou ícone desse movimento.
No Brasil, vários DJs abraçaram a disco music em suas apresentações. O paulistano Renato Cohen, que já foi famoso por tocar um tecno mais pesado, recheou seu primeiro álbum, “Sixteen Billion Drum Kicks”, lançado no final do ano passado, de timbres setentistas. E não é só isso, Cohen tem investido cada vez mais no garimpo de velhas faixas de disco music obscura para tocar ao vivo.
Muito mais do que saudosismo, esse resgate da música de pista dos anos 70 ajuda a lembrar de onde viemos e que a música eletrônica, graças a Deus, não nasceu com o “rebolation” das raves. Às vezes é bom voltar ao passado para entender melhor o presente.
A jornalista Claudia Assef, 35, é autora do livro e blog Todo DJ Já Sambou e editora-executiva do portal Virgula