TEXTO POR LAERTE CASTAGNA
FOTOS ACERVO CIRCUITO
E lá se vão quinze anos…
Dizer “lembro como se fosse ontem” sempre me pareceu uma frase mal-aplicada, principalmente para uma época em que a maioria não se lembra nem da noite passada.
Mas eu me lembro.
O tal do techno já não era novidade desde o Hell’s e as raves tocando o estilo, uma realidade em festas deliciosas desde a Groove Nation (depois SP Groove), Patrol até o super-underground do Dirruba.
Lembro perfeitamente da primeira vez que soube da existência da tal da Circuito. Confesso, aqui pela primeira vez, que eu e o Tiozinho torcemos o nariz, como por aí se diz. Foi em uma boate extremamente cheia e quente num lugar quase infecto onde o Henry tocava, que recebi um flyer que exaltava um hit das pistas e das rádios. O autor vinha para o Brasil! O “tardo techno” já não era mais só para iniciados. Fiz carão.
Haha! Poucos meses depois estaria dançando, pulando e aprontando como nunca nessa tal de Circuito. Era o remix de One Night in NYC, o DJ, Chris Liebing, talvez o preferido daquele tempo e que cometeu algumas dezenas de bolachas sensacionais, uma verdadeira hecatombe sonora! A versão é um desses casos em que o underground invadem o mainstream. A música do Horrorist foi dos porões de Nova York para a rádio pop.
The Horrorist – One Night in NYC (Chris Liebing rmx)
Com a Circuito aconteceu algo parecido. O tal do techno saiu do submundo. E saiu em grande estilo.
Agora tínhamos finalmente festas alucinadas todo mês, às vezes toda semana, com banheiros limpos, doses honestas no bar e ótima musica em clima underground. Melhor ainda, muito dos DJs e lives mais fodas do planeta vinham pela primeira vez ao país, caso do Liebing, Rush, Umek e Valentino, além de Vitalic, que vem agora para soprar as velinhas da debutante!
Mas o mais legal era o ambiente familiar. Difícil alguém não se sentir parte daquilo. Oitocentos e mais meia dúzia de privilegiados sabem disso também. De minha parte, como adepto do coturno, entrei para fazer parte da família com os dois pés no peito, na noite de dez horas do Liebing na Blue Space. Mais under impossível!
Lembro claramente, mesmo envolto em tanta fumaça e luz estroboscópica, de como criamos a primeira placa com retalhos de adesivo preto que o André tinha inventado para fazer a contagem dos rounds de hora em hora; e ao contrário do que muitos pensam, não fui o primeiro a exibir uma placa na festa, entrei lá pelo sétimo round. Mas fiz a primeira educativa: “+ 1 hora!”, seguida de “compro ouro”.
Depois, durante esses anos todos, vieram centenas de outras, e lembro de cada uma delas! Tudo bem, isso é mentira, porém algumas foram antológicas como “se é Beyer é bom”, “Carreta é Gigolô nóis é as p..”, “3 anos sem malabares”, “Cirquito”, “O Murphy é louco”, “Mara vilhosa”, “Lenha!”… A minha predileta é “Vocês são foda!”, cria do André. A festa era um pé na bunda do carão.
Se não lembro nem uma fração do que escrevemos naquelas placas, de alguns momentos não esquecerei jamais.
A surpresa de todos com a chegada da escuna na primeira rave no lago, trazendo o Noise no dia de seu aniversário e todo mundo chorando quando a Mama-Noise trouxe o bolo para ele em plena pista!
Contracenar como o capeta, com o genial Zé do Caixão vocalizando uma abertura dos infernos para Grennuirson! (Glenn Wilson). Distribuir tridentes para a galera. Os British Murder Boys, Surgeon e Regis quase pondo abaixo a Blue Space. A Miss Kittin pagando pau pro set do Surgeon na noite de Natal abrindo com Jingle The Bells. Sinos natalinos com Jeff Mills foi o melhor presente aquele ano.
As bodas dos Pets quando ainda eram Ana e Davi. As bodas do Rogério e da Lica. O caminhão-pipa e o banho de esguicho que demos no Ade Fenton à beira do lago. O lago. Os passeios de escuna. Gritar “Limpem o convés!” na escuna.
E naquela parada, num sítio no meio da represa para buscar xibóquinha, ver o Snoopy numa carreira desenfreada fugindo de um touro! (ele pensava que fosse, mas era só um bezerro). O Rush entrar em pânico e quase desmaiar ao ver uma galinha na festa em que tocou no lago (tinham paúra de bichos esses DJs!). Foi no dia das crianças e distribuímos brinquedos, doces e balas (de verdade!) para o público.
E o Camilo mergulhando para procurar as chaves do carro que perdeu enquanto nadava no lago. Sair do bolo em Arujabel no meio da pista calçando as fantásticas botas de sete-lenhas do DJ Rush! A CCE, Comunidade da Caixa Esquerda.
O imenso fã-clube dos Pets se formar e transformá-los nos mais queridos entre os lenhadores. As 24 horas de Techno. Umek e Valentino dançando que nem dois moleques no gramado dessa mesma Arujabel na festa em parceria com a SP Groove.
“Iemanjaca” na invasão ao Rio no ano novo. E a placa pra K-milla, “Garota de Ipalenha!” A Luciana Vendramini tietando o saudoso Disko D enquanto nós marmanjos a tietávamos. Hehe!
Apreciar a evolução de grandes nomes brasileiros, Pets, Cohen, Murphy e tantos outros. Lembro de tudo.
E tem mais. Lembro muito bem da transformação da festa em clube. Foi com Umek e Valentino numa manhã enlameada em um parque aquático decadente em Ribeirão Pires. Nesse dia já sabíamos que haveria o clube, mas o que aconteceu foi simbólico.
Os caras fizeram um set quase de electro-house que chocou todos nós, technoheads. Chato mesmo. Mas naquele dia uma horda de tranceiros estava lá também, e aquele techno mais “electrorrauseado” caiu muito bem para toda uma turma que estava órfã de festas menores e de um som mais grooveado, já que o psy tinha atingido níveis de micareta pelo Brasil.
Me lembro nitidamente de profetizar ao Nessuno que o clube seria um sucesso, muito por essa nova leva de público. E de, após perguntar a ele a ortografia correta, já que não lembrava, fiz a placa: “bem-vindos, trancers!”.
Na época havia uma rixa grande entre techno e trance, hard e psy. Conto aqui, também em primeira mão, que cheguei a ser delicadamente hostilizado e sem delicadeza nenhuma tive a placa apagada por algum lenhador furioso. Mas não adiantou nada, e o clube inaugurou uma nova fase. O underground virava mainstream.
As noites de techno foram diminuindo, dando espaço para outros estilos. Agora tinha que pagar as contas. Mesmo assim houve noites memoráveis. Dave Clarke e Anthony Rother finalmente na casa. Ben Klock fazendo um dos sets mais cabulosos da história. Sven Vath, após tocar por quatro horas, parar o set às oito da manha e no microfone dizer: “Olá, meu nome é Sven, vamos fazer uma pequena pausa, apenas para levarmos o equipamento até o quintal e faremos a festa lá fora. Por mais seis horas!!!”.
É claro que poderiam ter deixado a pista já pronta, mas a opção de carregar tudo e montar na hora foi genial. Old school total! O espírito ainda estava ali. E estará presente neste aniversário também, tenho certeza.
E como dizia o Gabriel, nos vemos na pista. Ou como prefiro: Cola na grade!
Circuito 15 Anos com Vitalic
Terça, 11/10, a partir das 23h
Urban Stage
Rua Voluntários da Pátria, 498, Santana
Preço: de R$ 60 (antecipado) a R$ 120 (na porta)