No domingo 17 de abril, data que ficará na memória como o dia do impeachment da presidente Dilma Rousseff, a cantora Céu completava 36 anos. Não teve festa. “Nunca passei um aniversário tão triste. A gente recuou muitos anos. O Brasil é um país muito jovem, mas sofreu um bloqueio adolescente. A gente tá numa pior nas mãos dessas pessoas”, diz a cantora num tom desesperançado. “Acho que foi um grande erro. Não tô defendendo partido nenhum, governo nenhum. Mas o Brasil virou um covil de ratos, raposas, cobras. Eu como mãe, tô com muito medo, apreensiva e triste”, desabafa.
Ainda bem que sempre haverá a música como escapismo para momentos assim. E nesse campo o Brasil vai muito bem, obrigada. Céu é uma importante representante dessa nova geração, que não depende de gravadora pra fazer sucesso e que há anos ganhou o mundo em turnês próprias e participando de grandes festivais.
O atual xodó de Céu é seu novo disco, Tropix, o quarto da carreira. Ela aqui botou os sapatinhos de dança e investiu num som mais pista. Saem guitarras, entram sintetizadores. Tropix é uma das melhores surpresas da música brasileira deste ano. Dá uma ouvida.
E o clipe de Perfume do Invisível, já viu? Tem direção do cineasta Esmir Filho e é simplesmente maravilhoso. Uma ideia simples com uma realização genial. Assiste aqui.
Céu – Perfume do Invisível
Céu estreia o novo show no Brasil no dia 28 na choperia do Sesc Pompéia, depois de já ter dado um rolê pela Europa. Com ela no palco estarão David Bovée Swan (guitarra), Pupillo (bateria), Lucas Martins (baixo) e João Leão (teclados). Serão três shows e os ingressos já estão à venda, então é melhor correr pra comprar. Mas, antes, leia a entrevista com a cantora, feita por telefone, esta semana.
Music Non Stop – O álbum Tropix é muito mais eletrônico que seus outros discos. Isso foi intencional?
Céu – Eu não acho que foi assim uma mudança tão drástica, mas acho que de fato tem um flerte com o universo eletrônico que fazia eu tempo que não tinha. No meu primeiro disco tinha bases eletrônica, tinha synths pesados, mas era algo mais tímido, não era tão assumido quanto neste. Eu nunca estrategicamente penso: “agora vou mudar meu jeito, vou fazer um negócio diferente”. Eu tava ouvindo sons que tinham mais beats. Essa coisa de você enxugar no palco tem uma pressão forte de beats. A primeira coisa que eu escrevi no meu caderninho pra este disco foi “beat tropical”. Eu tava com isso na cabeça, com uma vontade de flertar com as máquinas, sintetizadores. Mas nunca deixando de lado a minha brasilidade, a maneira de compor. Essa embalagem que eu coloquei traz uma outra maneira de fazer a brincadeira rolar.
Music Non Stop – Com uma banda menor você acaba usando mais recursos de tecnologia…
Céu – Rolou uma mudança, já no Caravana, onde eu tava fazendo uma versão da banda em trio, tipo power trio de rock. E isso foi muito interessante pra mim, como experiência de estrada, como compreensão das minhas músicas em arranjos mais minimalistas, sabe? Isso foi super divertido e fiquei com vontade de manter isso. Pro Tropix eu tinha vontade de fazer um power trio novamente, mas em vez de a guitarra ser a condutora, a gente botou um sintetizadorzão. Isso deu uma cara bem diferente.
Music Non Stop – Especialmente ao vivo isso deve ficar bem escancarado, essa pegada mais eletrônica?
Céu – Eu acho que tá bem parecido com o disco. A diferença grande é o elemento ao vivo, que é a parte boa. Mas os arranjos são bem baseados no disco mesmo.
Music Non Stop – Pergunta inevitável, como foi o seu domingo, você acompanhou a votação do impeachment?
Céu – Foi um dia muito triste pra mim. Dia 17 foi meu aniversário inclusive. Eu nunca passei um aniversário tão triste. A gente recuou muitos anos pra trás. O Brasil é um país muito jovem, mas sofreu um bloqueio adolescente. A gente tá numa pior nas mãos dessas pessoas. Acho que foi um grande erro. Não tô defendendo partido nenhum, governo nenhum. Pra mim a Dilma é uma laranja dessa história toda. O que aconteceu foi uma manobra mesmo. O Brasil virou um covil de ratos, raposas, cobras. Eu como mãe, tô com muito medo, apreensiva e triste.
Music Non Stop – Você viaja muito, faz muitos shows fora. O que você tem ouvido falar a respeito do Brasil?
Céu – As pessoas estão completamente sem entender. Eu mesma quando tô em turnê eu fico no hotel com a TV ligada, porque minha casa, com criança, é sempre maior barulho e bagunça, eu vejo nos canais matérias do tipo “what’s going on, Brazil?”. Eu tive uma conversa longa com um repórter da BBC na Inglaterra e ele me perguntava, “o que tá acontecendo”? É isso, um show de horror.
Music Non Stop – Nessas horas a música acaba funcionando como escapismo?
Céu – Eu acho que faz bem. Às vezes eu fico me perguntando até que ponto a linha tem que ser tênue entre a música e a cidadania, e até que ponto a gente tem que tirar a mão e deixar a música só exercer o papel de escapar um pouco. Enfim, a música pra mim ela me salva. Mas muitas vezes eu não consigo ficar quieta, acabo falando alguma coisa ou outra.
Music Non Stop – Ao mesmo tempo estamos atravessando uma fase muito prolífica musicalmente falando no Brasil, né?
Céu – Acho que a música tá interessante. No Brasil tem muitas coisas boas acontecendo. Lá fora as pessoas não conseguem acompanhar muito as coisas maravilhosas que estão acontecendo, ainda estão bem presas ao que rolou na bossa nova, mas realmente tem muita música boa, e isso é o que tá salvando.
Music Non Stop – Eu vi pela primeira vez um disco seu numa Fnac quando morava na França em 2001. Como rolou essa sua projeção internacional, especialmente lá, logo no início da sua carreira?
Céu – Eu tenho uma identificação muito grande com a França. Eu fui muito acolhida lá desde sempre. E também tem o Hervé, que produziu o disco. Gostava muito dele, nossa maneira de trabalhar bateu muito. Eu amo estar na França, acho que eles têm um jeito de pensar que eu curto.
Music Non Stop – Você tem feito turnês fora e tem vários artistas novos brasileiros fazendo tours fora. O que você acha que mudou?
Céu – Acho que a internet trouxe a possibilidade de pode distribuir sem depender mais de gravadora. A coisa tá ficando cada vez mais simples. O desafio na verdade agora é você conseguir se destacar entra tantos artistas, mostrar que é um profissional, que você é capaz. Pro artista de pequeno porte isso foi muito positivo. Eu peguei ainda uma rebarbinha de gravadora, mas faço parte dessa geração. Acho então que o fato de termos mais artistas brasileiros em turnês fora se deve à internet, ao interesse do mundo na gente, que eu acho que tem, sabe. Eu andando pelo mundo vejo como tem esse interesse no que a gente tá fazendo. Acho que é uma mistura.
Music Non Stop – Pra quem já participou de um disco de Herbie Hancock, como é seu caso… com que outros artistas você teria interesse de trabalhar?
Céu – Eu tô super numa fase Gilberto Gil, Refavela… mas, sei lá, tem muitos artistas quem eu adoraria trabalhar junto. Essa coisa do Hancock foi absurda. Eu sou muito muito fã dele. Pra mim foi uma coisa doida. Me ligaram do escritório dele e falaram do interesse. Nossa, pra mim foi ooooopa. Ele não só é abençoado pela música, mas é um lorde, um gentleman. Foi maravilhoso.
Herbie Hancock & Céu – Tempo de Amor – Imagine Project
Music Non Stop – E como veio a ideia de regravar Fellini?
Céu – Eu descobri o Fellini meio tardiamente, foi por causa do Pupilo, ele que me mostrou. Eu fiquei encantada, fui ouvindo e gostando de todas as músicas. Nem conseguia decidir muito que música gravar. Eu sempre curti esse som punk, pós-punk. Eles foram demais. Podiam muito bem falar “ah, sei lá”.
Music Non Stop – E este clipe de Perfume do Invisível, que parte de uma ideia simples, mas é belíssimo. Como foi fazer?
Céu – Foi muito divertido. O Tropix, como ele tem uma ideia por trás, a gente brinca com as máquinas, mas uma máquina brasileira, aquela máquina que fica na floresta, então ela tem ferrugem. O Tropix faz essa reflexão sobre o preto-e-branco, sobre o defeito, o glitch, esses defeitos que o mundo digital dá, sabe. Brinca com o pixel, que é uma leitura digital, mas meio tosco. O Esmir (Filho) entendeu e traduziu muito rapidamente, porque o tempo que a gente tinha era muito pouco, a gente não tinha muita verba. Ele arrasou, foi um super-herói.
CÉU
Show Tropix
SESC Pompeia (Rua Clélia, 93, Lapa, SP)
Dias 28, 29 e 30/4, às 21h30
Ingressos: de R$ 9 a R$ 30
Venda presencial nas unidades do Sesc SP