Depois de B Negão e Linn da Quebrada, o espectro fantasmagórico da censura rondou o Teto Preto. Logo quem? Pautado pela diversidade e liberdade, o coletivo sintetiza os tempos atuais.
No palco da quinta edição do PicniK Festival, no Memorial dos Povos Indígenas, neste fim de semana, a resposta veio da cama de synths e beats, que bateu pesado no PA, da veia jazzy dos vocais de Laura Diaz, do trabalho harmônico de Pedro Zopelar nos teclados, da performance dos músicos e do incrível dançarino.
Sobretudo, a apresentação foi marcada pelo tom político do público, já que em meio às trevas ser gay ou de esquerda se tornou subversivo. Nascida na festa Mamba Negra, o espírito de celebração pós-apocalíptica é o cenário perfeito para a cidade seca e cega pela fumaça do autoritarismo.
Os que apoiam a ditadura e a tortura não suportam a arte livre e as pessoas livres. Mulheres, trans, povos originários, ribeirinhos, favelados, quilombolas, pretos, todos estão lutando pela sobrevivência. Viver é perigoso, alertou Guimarães Rosa, para alguns é mais.
Por que as sociedades tribais tratam a nudez com naturalidade? Pela ausência de fetichização do corpo. Se você não usa roupa, tirá-la não quer dizer nada. Retrocedemos muitas casas, voltamos a discussões velhas, dos anos 1960. Quando não medievais.
O festival também teve Hermeto Pascoal, Otto, Ava Rocha, Felipe Cordeiro, Glue Trip, Dirty Coal Train, Huey, Sick, Noid, Leza, Apicultores Clandestinos e Ivan Motosserra Surf Trash.
Otto é um craque, com ele não tem jogo perdido, os shows são terapêuticos. Feitiçaria, mistério e axé. Ava, idem, é exemplo de artista autêntica, completa e ousada. Bruxos não têm medo de ir cada vez mais fundo. Felipe Cordeiro traz a renovação e os bons ares do Pará.
Viagens astrais podem ser cartografadas pela música de Hermeto. Mestre dos magos da música brasileira, ele é o brilho de uma luz eterna. De shows assim, você sai mexido e melhor. Arte é transformação.
Por isso, coube ao Teto Preto o ponto alto desta edição, com a libertação dos corpos por meio da dança, ato notoriamente político. Levantou ainda a questão: por que machos conservadores querem controlar o corpo do outro? O que eles têm a ver com os pelos e os peitos das feministas?
Perguntas respondidas metaforicamente pela resistente flora do Cerrado. Parafraseando Ernesto “Che” Guevara de la Serna (1928-1967), eles podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter o desabrochar da primavera e dos ipês.