Celebração pós-apocalíptica do Teto Preto sintetiza liberdade e resistência

Fabiano Alcântara
Por Fabiano Alcântara

Depois de B Negão e Linn da Quebrada, o espectro fantasmagórico da censura rondou o Teto Preto. Logo quem? Pautado pela diversidade e liberdade, o coletivo sintetiza os tempos atuais.

No palco da quinta edição do PicniK Festival, no Memorial dos Povos Indígenas, neste fim de semana, a resposta veio da cama de synths e beats, que bateu pesado no PA, da veia jazzy dos vocais de Laura Diaz, do trabalho harmônico de Pedro Zopelar nos teclados, da performance dos músicos e do incrível dançarino.

Sobretudo, a apresentação foi marcada pelo tom político do público, já que em meio às trevas ser gay ou de esquerda se tornou subversivo. Nascida na festa Mamba Negra, o espírito de celebração pós-apocalíptica é o cenário perfeito para a cidade seca e cega pela fumaça do autoritarismo.

Sophia Albuquerque e Laura Diaz/Angela Carneosso por Leonardo Hladczuk, autor também da foto do Teto Preto, no alto

Os que apoiam a ditadura e a tortura não suportam a arte livre e as pessoas livres. Mulheres, trans, povos originários, ribeirinhos, favelados, quilombolas, pretos, todos estão lutando pela sobrevivência. Viver é perigoso, alertou Guimarães Rosa, para alguns é mais.

Por que as sociedades tribais tratam a nudez com naturalidade? Pela ausência de fetichização do corpo. Se você não usa roupa, tirá-la não quer dizer nada. Retrocedemos muitas casas, voltamos a discussões velhas, dos anos 1960. Quando não medievais.

Hermeto Pascoal no Pic niK por Leonardo Hladczuk

O festival também teve Hermeto Pascoal, Otto, Ava Rocha, Felipe Cordeiro, Glue Trip, Dirty Coal Train, Huey, Sick, Noid, Leza, Apicultores Clandestinos e Ivan Motosserra Surf Trash.

Otto é um craque, com ele não tem jogo perdido, os shows são terapêuticos. Feitiçaria, mistério e axé. Ava, idem, é exemplo de artista autêntica, completa e ousada. Bruxos não têm medo de ir cada vez mais fundo. Felipe Cordeiro traz a renovação e os bons ares do Pará.

Crianças no Pic niK por Leonardo Hladczuk

Viagens astrais podem ser cartografadas pela música de Hermeto. Mestre dos magos da música brasileira, ele é o brilho de uma luz eterna. De shows assim, você sai mexido e melhor. Arte é transformação.

Por isso, coube ao Teto Preto o ponto alto desta edição, com a libertação dos corpos por meio da dança, ato notoriamente político. Levantou ainda a questão: por que machos conservadores querem controlar o corpo do outro? O que eles têm a ver com os pelos e os peitos das feministas?

Perguntas respondidas metaforicamente pela resistente flora do Cerrado. Parafraseando Ernesto “Che” Guevara de la Serna (1928-1967), eles podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter o desabrochar da primavera e dos ipês.

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