Cassiano em 1998 André Cassiano em 1998 – Foto de André Arruda/Divulgação

Não é possível dizer “nunca ouvi Cassiano”. O Stevie Wonder brasileiro está em todos os lugares. Mais vivo ainda!

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Artista que nos deixou esta semana virou  árvore criativa com raízes espalhadas por toda a música brasileira.

“Tim Maia era James BrownCassiano é Stevie Wonder” – explicou brilhantemente Ed Motta em depoimento no programa Entrevista com Bial em 2018.  Ed, músico brasileiro que já dividiu palco com nomes como Quincy Jones, falava sobre a influência de Genival Cassiano dos Santos (1943-2021) em sua carreira.

Além de Motta, Pedro Bial também pediu a Sandra de Sá, gigante nome do soul pop que balançou o Brasil nos anos 80, sua opinião sobre a influência da música de Cassiano. “Encontrei Cassiano no estúdio, pois estava gravando uma música dele. Ele então me disse: ‘Sandra de Sá… a parte mais importante da música é aquela que não é ouvida’. Levei uns 25 anos para entender o que isso significava”.

A música do paraibano que se mudou para o Rio de Janeiro graças à paixão pela bossa nova, o que certamente influenciou para inserir em sua música o tempero cool e jazzístico que apimenta  o soul único (e brasileiríssimo) que fez,  se espalhou por toda a música brasileira e agregou uma sofisticação que raros países do mundo tiveram em seus ritmos populares nos anos 70 e 80. Cassiano gravou na pedra seus dez mandamentos. Depois disso, se um artista estava se propondo a fazer MPB, ou compunha ouvindo-o, ou gravava uma de suas músicas nos discos, como fez Sandra de Sá.

Pedro Bial, Sandra de Sá e Ed Motta

Pedro Bial, Sandra de Sá e Ed Motta – foto: reprodução episódio

Definitivamente, a música brasileira das décadas de 70 e 80 rodava por grandes estradas paralelas. Uma levava à enorme produção popular então rotulada de “brega” e outra mergulhada em uma sofisticação artística espetacular. O soul brasileiro criado por Cassiano, Hyldon e Tim Maia caiu com uma luva para a turma do black e de lá encantou todo mundo.

A boa notícia é que a molecada de hoje em dia está mergulhada até o pescoço nesta fonte. Cassiano está mais vivo ainda, graças à turma do R&B e de um novo soul brasileiro que solta música fresca na praça o tempo todo.

Radar. O Soul brasileiro de Hyldon e Cassiano está sendo revisitado pela garotada. Conheça os lançamentos mais interessantes da semana

 

O Music Non Stop vem apontando esta tendência desde o final do ano passado em nossa coluna de lançamentos Radar. Nomes como o paraense Reiner, o duo Dulcineia, Caio Prado, Karen Nascimento e Yoún. Tais nomes são exemplos, tem muito mais gente mantendo Cassiano no topo.

Eis que o Stevie Wonder brasileiro atualizou nossa definição de “legado”.  Não é mais possível dizer “nunca ouvi Cassiano”. Nós o ouvimos em todos os lugares, através de outras músicas e pessoas.  Ouvimos nos filmes (geralmente nas melhores cenas), no trem, na pista de dança, nos violões e pianos de um exército de gente.

Seu plano secreto, talvez inconsciente, de dominar o mundo já era colocado em prática no começo de sua carreira. Cassiano docemente colocava sua música na boca de vários outros artistas de ponta. Foi Tim quem primeiro levou suas composições para o todo da paradas e a onipresença da rádios. O seminal disco Tim Maia, de 1970, tinha nada menos do que quatro diamantes compostos por ele. Você Fingiu e Padre Cícero, em parceria com Tim, Eu Amo Você e Primavera, com Sílvio Rochael.  A maioria dos seus sucessos explodiu em outras vozes, como Gilberto Gil, Marisa Monte e Luiz Melodia.

Cassiano no disco Cuban Soul

foto: recorte da capa do disco Cuban Soul, de 1976

Os fantásticos discos de trilhas sonoras das novelas da Globo, motores do pop nos anos 70, tinham sempre faixas de Cassiano e também  foram responsáveis pela penetração de sua música no inconsciente coletivo brasileiro. O disco que é considerado referência para se iniciar em sua obra, Cuban Soul, foi lançado em 1976, após sua admissão ao mundo das trilhas.

Cassiano nos deixou na última sexta-feira, 07 de de maio, devido a uma arritmia cardíaca. O rei do soul estava internado há alguns meses depois de um ataque cardíaco. Seu espólio imaterial, no entanto, segue organismo vivo, se reproduz e multiplica. Ouvir Cassiano é conhecer o presente.

 

 

 

 

 

 

 

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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