Brasília, capital do rock nacional, acordou de novo pra música eletrônica. Fique por dentro do fervo que anda rolando no Planalto Central

music non stop
Por music non stop

TEXTO CRAZY CAKE CREW

A noite de Brasília já foi meio parada. Foi. Já tivemos altos – bem altos – e uns baixos bem desestimulantes. Mas a verdade é: quem vive por aqui já percebeu que a cidade tem todas as características de metrópole, mas com aquele ar de interior. Um mar de desconhecidos íntimos.

Nos últimos anos as coisas andam bem agitadas. Além dos projetos que sobrevivem com vigor, mesmo passando por esses hiatos de noite “em baixa”, seguimos dançando. A vida noturna dentro do espectro da música eletrônica underground toma uma nova forma e força, com uma movimentação independente sem precedentes por aqui. É só chegar e se surpreender.

Já começamos com o pé na porta ao citar o 5uinto: “nunca na história deste” cerrado tivemos uma noite semanal mantida com essa periodicidade e por 10 anos. É até ser repetitivo, mas a festa teve uma influência decisiva e motivadora pro trabalho de outros coletivos. Vale dar uma conferida na poderosa lista de atrações que a festa trouxe para o Centro-Oeste. Mas o som por essas bandas invade outras fronteiras, com coletivos como o Confronto Soundsystem que começou com dub, reggae e dancehall, mas já incorpora muita música eletrônica na ativa há mais de 13 anos, a Mistura Fina, também comemorando uma década de fusão de batidas quebradas, hip hop, house e techno, e a My House, que traz um passeio pelo 4×4, do Brazilian bass ao techno, e beira a primeira década de existência. Todos com um bom tempo de estrada e dignos de respeito.

As opções aumentaram, núcleos se organizaram e sempre há algo bom pra se fazer na nossa ilha, pra dinamizar a vida dos partygoers da região. Muita coisa mesmo. Agora a rua é ocupada, a renovação é constante e a musicalidade transborda pra todos os lados.

A festa Bolha, que optou por não anunciar line-up e deixa o DJ escondido atrás de projeções. Foto: Gabryel Matos.

Dá pra começar a enumerar por conceitos radicais como o da Bolha: a curadoria do evento não anuncia line-up, durante a festa as projeções na “bolha” gigante ocultam os DJs e quem vai só fica sabendo quem tocou após a festa, na cobertura fotográfica. O som é conceitual e anda dando bem certo. A Madre traz uma vibração mais intimista, incentivando a interação com desconhecidos, com a trilha sonora viajando entre sons tropicais e nuances mais obscuras, sem perder o movimento dos quadris. O núcleo ÍMÃ traz seu techno potente e investe em cenografia, arte urbana, iluminação inovadora, performances teatrais e numa identidade visual sombria. As festas ocupam pontos longe de áreas residenciais e sempre preenchem espaços no centro de Brasília. E o gigante Picnik? É definitivamente um dos eventos mais charmosos da cidade, por juntar milhares de pessoas num festival de música, estilo e gastronomia, com exposições e shows, mas com aquela pistinha acolhedora que já tocou de disco music a chill wave.

A festa Madre traz uma vibração mais intimista, incentivando a interação entre desconhecidos. Foto: Pedro Lacerda.

A bass culture também é muito bem representada com projetos como o Laboratório, que encabeçou essa lista por 13 anos, movimentando praticamente todos os DJs da cidade que atuam nas terras de drum’n’ bass, breakbeat e jungle, e incorporou sons mais recentes como dubstep, hip hop e trap no decorrer das edições. E trouxe muitos artistas à tona. Outras iniciativas como a Ho! Audio Company, um podcast que virou festa, o Parque Sonoro, gratuito e para um público maior num espaço amplo, a Mini Room, exatamente o oposto, intimista e registrado em áudio e vídeo, e o Perde a Linha, que movimenta uma gama singular de artistas nacionais.

Na cena trance, Psycotrance e Vagalume sempre passam por Brasília e deixam uma boa marca. Da cidade mesmo, a movimentação mais frequente é da Flip Out, que inclusive teve um período semanal, em 2016, e do Festival Alternativo do Kranti, que também faz algumas edições esporádicas, além da anual, que costuma acontecer em julho. É raro um fim de semana livre pros entusiastas do estilo.

Projetos recentes, mas que já demonstraram força na peruca, desenham noites inusitadas. A Acqua Boat Party traz sempre um line-up diversificado, movimentando grandes artistas nacionais num barco em pleno Lago Paranoá. O Praia Sunset tomou as tardes de domingo de assalto e movimenta artistas de inúmeros projetos pros seus habitués. A Traxx agita o Sub Dulcina, um dos picos mais surpreendentes da cidade, com aquela mistura de techno e house nervosos. A 5uina, do 5uinto Bar, trazendo uma trilha suave que se baseia em hip hop e future bass, mas também visita outras sonoridades libertando o DJ de seu som habitual.

A galera da Crazy Cake Crew, que assina este texto, também faz Brasília ferver. Foto: Mari Vass.

Ainda dos últimos tempos, temos o SNM fazendo eventos gratuitos e bem do it yourself, com projeção, feira de discos e muito techno; de vez em quando até com edições de uma squat party, a Crying Club. A também jovem Vapør traz uma cara mais clubber, com eventos sempre recheados de surpresas e com pistas cheias. A Sintra traz aquela microhouse esquisitão e minimal (sim, temos de tudo por aqui). O Nice & Deadly saiu do papel como selo musical e acabou parando na rua também, com sons sinistrões recheados de subgraves. A Sujo mistura duas pistas, uma com bandas de rock de som potente e outra com música eletrônica densa, pra um público bem jovem.

Soundcloud do selo e festa Nice & Deadly

Nós, da Crazy Cake Crew, nos reunimos em 2013 e também estamos na labuta “noturno-diária” da manutenção da nossa noite calorosa. Começou como brincadeira, mas ficou sério logo de cara: uma residência semanal aos domingos com uma movimentação de vários nomes relevantes, festas no decorrer dos anos e incontáveis parcerias com quem acredita numa cena sólida de música eletrônica. Depois de quatro anos, estamos no mapa. Nem todo mundo percebeu, mas temos – falando por Brasília – muito a oferecer.

O podcast Ho! Audio Company virou festa e hypou! Foto: Ketley Nascimento.

Ainda temos os problemas típicos de uma capital, somados aos de ser também o centro do poder do país. A Lei do Silêncio vigente, a burocracia dos órgãos governamentais e aquele velho jogo de influências típico do brasileiro são grandes obstáculos na realização de qualquer evento.

Escapar do circuito Rio-São Paulo e presenciar festas e iniciativas interessantes não é mais tão raro. Vale só dar uma olhada pra agenda dos produtores do DF pra acompanhar o ritmo abundante de opções pra cada público, sempre mais participativo e exigente. O aniversário é só em abril, mas Brasília tá de parabéns.

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