Música transitando pelas vielas do centro histórico de Paraty, muito vinho, brasileiros arrebentando e três dias de muita festa. Estivemos em um dos festivais de jazz mais cool do país.
O Bourbon Festival aconteceu entre os dias 20 e 22 de maio em Paraty, Rio de Janeiro
Uma cidade respirando música. É assim que defino a experiência de passar 3 deliciosos dias na charmosa Paraty, RJ, para acompanhar um dos festivais mais bacanas de jazz e blues do país. O centro histórico da cidade já é por si só, uma atração a parte, as ruas de pedra, cheias de casarões lindos trazem um comércio com plaquinhas bem delicadas, que sinalizam a atividade do local, para não interferir na arquitetura e não poluir visualmente os imóveis, algo que aguça a curiosidade de encontrar coisas novas e rende uma boa conversa para cada um contar suas descobertas. A iluminação noturna aconchegante, o sol lindo que se abriu de dia, aquele friozinho delicioso para curtir um vinho, vendido a preços bem convidativos por ambulantes a noite, tudo isso regado a muita música, torna este um dos festivais mais legais do Brasil.
Copos de Jorge Amado (batida tradicional da cidade, que leva maracujá, limão e Gabriela, a famosa bebida licorosa que mistura cachaça com cravo, canela e gengibre) nas mãos, garrafas de vinho, taças, conversas, risadas, cantoria, sons, muitos sons… uma verdadeira multidão esteve em Paraty para curtir os shows e não houve uma confusão, só a paz que a boa música traz. Foram montados 2 palcos grandes, Matriz e Santa Rita, com apenas 500 metros distantes um do outro, e vários pequenos (buskers) espalhados pelas ruazinhas com várias atrações. Somado a isso, artistas de rua se misturavam ao festival com uma qualidade incrível. Um verdadeiro banquete sonoro. Para os que amam música, é o paraíso.
O primeiro dia (sexta, 20/05) contou com a abertura do grande compositor e violinista João Bosco. Impressionante ver a quantidade de jovens acompanhando os shows e cantando absolutamente todas as letras. Presenciar um mar de gente cantando uma canção com o artista e ver que as letras de João Bosco são conhecidas palavra por palavra, foi bem emocionante.
O sábado ensolarado teve shows o dia todo, e no cair da tarde, com público lotado a praça Santa Rita rodeada pelo mar cheio de barquinhos, faz a gente se sentir dentro da canção do Otis Reding (Sittin ‘on) The Dock of the Bay (Watching the tide Roll away). O grande destaque do lindo por do sol em Paraty vai para Joabe Reis, o talentoso trombonista capixaba e seu octeto, que trouxe um espetáculo elegante e impecável como sempre. Joabe é um dos artistas mais importantes do jazz atual no Brasil e conta com o auxílio de músicos excepcionais. Tem um álbum lançado (Crew in Church) e recentemente soltou o single Homem Pássaro, em companhia da cantora Paula Lima. Uma deliciosa surpresa da tarde ficou por conta do Favela Brass, ONG sediada em Santa Teresa (RJ), que ensina jazz para crianças e adolescentes de comunidades cariocas, iniciativa do trompetista britânico Tom Ashe. A garotada mandou super bem em suas apresentações e botou o público para dançar ao som de dixieland e swing jazz.
Toninho Horta abriu lindamente a noite de sábado para um público emocionado. Original de Minas Gerais, o artista fez parte do lendário Clube da Esquina, movimento que estava perceptivelmente em alta em Paraty neste final de semana, e depois ganhou o mundo como guitarrista e violonista. Influência declarada de Pat Metheny, Toninho se mudou pra Nova Iorque e tocou com a nata do jazz. George Benson, Herbie Hancock, Airto Moreira, Wayne Shorter e mais um monte de gente. Incrivelmente habilidoso como músico, mas também para envolver, provocou o apaixonado público (formado por muita gente jovem, diga-se mais uma vez) com um “quem vai me pagar um chope depois do show?”
E ele foi mesmo. Sentou em um bar próximo ao palco, com portas meio fechadas e espaço lotado, batizou a merecida garganta. Nós chegamos a perguntar a ele durante o bate-papo pós show se era verdade mesmo a história do after: “ah, pelo menos um eu vou tomar, e vou agora”, nos respondeu.
“Vim pra cá com a alegria de participar de um festival feito por gente competente por trás trabalhando, que dá pra gente todas as condições técnicas e de suporte pra gente fazer. Então a gente já vem super tranquilo. E tem a coisa de ser Paraty, uma cidade histórica. Eu canso de ir (sic) a Ouro Preto, mas lá não tem mar né!! E aqui é uma maravilha, né. A gente vem e vê esta galera maravilhosa” – disse Toninho ao MNS.
Domingo, último dia de festival, hora de apreciar um dos shows mais esperados por esta colunista que vos escreve. O trombonista de New Orleans Delfeayo Marsalis, membro de uma tradicional família de jazzistas, já tocou com lendas como Ray Charles e Max Roach e costumava produzir os trabalhos dos irmãos (Winton, Jason e Bradford). Elegantíssimo em seu terno azul royal e sapatos brancos, fez um dos melhores shows do festival, no palco Matriz. A desenvoltura de quem cresceu entre músicos e na música, faz parecer que o artista está na sala de casa. Hard Bop e improviso marcaram esse show enérgico e incrível. Depois do show, batemos um papo com ele, extremamente simpático, com a fala swingada , nos arrancou risos.
“Adoro vir ao Brasil. É sempre bom. Sempre legal encontrar as pessoas daqui, então o show foi exatamente como eu esperava”
John Pizzarelli deu ao público o que ele queria em um dos últimos shows do festival, domingo à noite. O guitarrista tem história com o Brasil e com a bossa nova. Tocou vários standards cariocas e ainda fez uma sessão de suas conhecidas releituras de Beatles no violão.
“Vim para o Brasil pela primeira vez em 1996, no Free Jazz Festival. Em 1998 eu fiz uma turnê pelos clubes Bourbon (SP) e Mistura Fina (RJ). Eu não podia acreditar quão incrível era. Eu não podia acreditar. Sempre algo especial. Nesta época (em bossa-nova), eu tinha apenas um arranjo para Girl From Ipanema. Eu toquei pela primeira vez em 1998 e todos cantaram junto. Inacreditável. Em 2014 eu decidi fazer um disco inteiro de bossa-nova e anos depois gravei mais um. Sou um grande fã de bossa e para fazer direito, basta chamar gente muito boa para tocar”. – nos conta Pizzarelli.
O artista conversa olhando no fundo dos olhos. Focando, parece, na nuca do seu interlocutor. A conversa segue fácil, sem pressa e com um sorriso de canto de boca, uma sedução que nos faz perceber porquê o músico vem tantas vezes ao Brasil. A gente é chegado num galanteio, não é?
Um destaque que saltou aos olhos no festival foi a presença, no front, de muita gente jovem. O Bourbon Festival Paraty é gratuito. Os palcos são na rua e qualquer um pode entrar e sair das tendas. No entanto, há uma enorme gama de atrações além-música. Rodar pela cidade, ir em busca de paquera, comer e beber nos bares. Os jovens, porém, estavam no show, na frente da plateia, cantando junto e com discos na mão para serem autografados.
O festival em si é só diversão, mas preciso destacar as coisas mais legais que aconteceram . Uma foi ver um grande músico como Marsalis, perambulando entre a galera, e degustando um saquinho de pipocas. “Só vou partir às seis da manhã, então tenho bastante tempo para curtir a cidade”, disse. A outra foi passear de barco com a Orleans Street Jazz Band, isso foi realmente muito legal. Além de serem exímios músicos e participarem do festival há mais de uma década, são gente finíssima e nos fizeram rir a beça com uma alegria contagiante de quem faz o que ama e passa pelos perrengues de estrada, que não são poucos, sempre brincando. A banda também se apresentou em diversas ocasiões caminhando pelas ruas do centro histórico.
Com produção impecável, o Bourbon Festival Paraty 2022 contou ainda com muitas outras atrações. Confira o line-up completo aqui e aceite nosso conselho: prepare-se desde já para a próxima edição.