Bob Dylan - Um Completo Desconhecido Imagem: Divulgação/Searchlight Pictures

O que esperar do novo filme sobre Bob Dylan

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Jota Wagner avalia Um Completo Desconhecido, cinebiografia de Dylan que estreia nos cinemas brasileiros no próximo dia 27

Dia 27 de fevereiro, próxima quinta-feira, estreia no cinema a esperada cinebiografia que conta a história a história dos primeiros anos da carreira de Bob Dylan — até 1966, fase de sua controversa utilização de instrumentos elétricos no folk. O filme é mais um na rescente onda de onda de dramatizações das histórias de artistas da música. Se há tempos os cinemas estão inudandos de filmes de super-heróis, agora chegou a hora dos heróis do rock’n’roll.

Um Completo Desconhecido (A Complete Unknown, lançado no ano passado nos Estados Unidos) é dirigido por James Mangold. No elenco, Timothée Chalamet faz Dylan (e faz bem), Edward Norton encarna o padrinho folk do cantor em seus primeiros anos, Peter Seeger, e Monica Barbaro é Joan Baez, grande referência do novinho. A obra encarna a missão de desvendar os primeiros passos do icônico cantor, prêmio Nobel de literatura e um dos grandes símbolos da contracultura nos Estados Unidos.

Um tremendo desafio, já que Bob Dylan é dono de uma extensa e muito bacana filmografia envolvendo documentários e peças de arte, como  I’m Not There, em que diferentes atores encarnam o astro do folk. Vale lembrar também que, nas biopics, as licenças poéticas são liberadas. Muita coisa é exagerada, suprimida ou trocada de ordem cronológica para valorizar o roteiro. Em Bohemian Rhapsody, por exemplo, as gambiarras roteirísticas irritaram fãs de Freddie Mercury.

Outra característica um tanto quanto enfadonha das cinebios é que elas, por enquanto, seguem uma fórmula de roteiro, assim como acontece nas comédias românticas, na qual a estrutura se mantém, trocando apenas personagens e cenários. Nas biopics, o trem anda no seguinte trilho: um garoto ambicioso e talentoso faz tudo para conseguir seu espaço na música. No começo da luta, conhece uma garota que o apoia. A fama vem, o artista começa a realizar seu sonho, se deslumbra e a correria acaba com a relação. Mais tarde, o artista percebe que se esqueceu que o que importa na vida é cuidar de quem o ama de verdade. É assim com o já citado Freddie Mercury, Ray Charles, Elton John e mais uma tonelada. A de Bob segue a fórmula. O problema é que o cara é diferente dos outros.

Bob Dylan sempre foi extremamente reservado, principalmente no que diz respeito a companheiras e filhos. Um cara complexo, profundo, misterioso, que pode ser rotulado como “o cuzão” ou como “o cara que não quis entrar no jogo das celebridades deslumbradas pela fama e o dinheiro”. Não quebrou quarto de hotel, não precisou de rehab, não deu chiliques em restaurantes ou coisa do tipo. Isso torna mais difícil amarrar um roteiro com grandes acontecimentos, reviravoltas, dramalhões e afins. Se penduraram em Timothée Chalamet e nas letras do cantor, que já assombravam quem o via tocar nos primeiros shows em botecos.

Em um maluco tempo do pós-guerra, a frustração e o medo eram generalizados nos Estados Unidos. Todo mundo pensou que, vencida a Segunda Guerra Mundial, o mundo entraria em uma era de paz eterna. Não rolou. Veio a Guerra Fria, o Vietnã e mais um monte de tempestades bélicas. Dylan colocou isso no folk como ninguém, porque individualizou o sentimento. Suas letras não falavam sobre o que estava acontecendo no mundo, mas sobre como cada um estava se sentindo com aquele mundo em que viviam. Lacrou.

Um Completo Desconhecido vale o ingresso. É melhor para quem não conhece Bob Dylan do que para o fã colecionador de biografias. Estes podem achar o filme meio pop ou raso. Mas é diversão certa nessa nova era de heróis no cinema.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.