music non stop

Berlin Atonal 2017: como uma amante de house music se saiu num dos maiores festivais de música eletrônica experimental do mundo

TEXTO AMANDA FOSCHINI
FOTOS CAMILLE BLAKE

Qualquer análise musical do Berlin Atonal feita por mim esbarraria na presunção e tropeçaria no achismo puro e duro. Por isso, transformei meu review em relato pessoal e resolvi contar como uma amante da house music se virou na seriedade da música eletrônica experimental. O batismo da festeira feliz no berço da escuridão musical.

Embarquei para Berlim há pouco mais de uma semana para viver a experiência de um festival completamente atípico, que me chutaria na bunda para fora da minha zona de conforto. O Berlin Atonal te transporta para além de música e revira todas as suas maneiras de se relacionar com os ruídos que te rodeiam. Te faz viver o som de uma maneira nova – e nem sempre fácil.

Fiz o meu dever de casa, pesquisei artistas, influências e edições passadas. Tentei molhar os pézinhos no complicado e extenso mundo da música eletrônica experimental para talvez chegar ao festival podendo ter ao menos uma noção básica do que iria acontecer por lá.

Não funcionou. Nada.

Quando enfiei o nariz na escuridão do Kraftwerk Berlin, deixei para trás não só a claridade e o “verão” berlinense, mas também abandonei minha extroversão, minhas referências e tudo aquilo que até então eu entendia por música eletrônica. Dei adeus ao baile, às cadências melosas e sorrisos gratuitos, e fiz meus ouvidos esquecerem a facilidade das melodias já conhecidas.

Um domingo como outro qualquer no Berlin Atonal. Foto Camille Blake.

Naquela usina escura, de vãos gigantes, colunas imponentes e de um brutalismo cortante, a música se transforma em culto, transe, floresta obscura e prece introspectiva. Batidas ecoam e reverberam à sua maneira, esbarrando nos limites dessa estrutura tão singular, para criar novas sensações e permitir que o desconhecido e estranho se manifestem livremente.

A reconstrução da instalação sonora OKTOPHONIE, que utilizava oito canais para criar um “cubo de som” no palco principal, esfumou os limites do ambiente no primeiro dia com apresentações que arrepiaram o couro cabeludo. O produtor japonês Ena e o engenheiro Rashad Becker quebraram a dureza do espaço com um som orgânico de nuances discretas que só poderiam ser notadas em uma estrutura que engrandece detalhes e sutilezas. Na sequência, PYUR (alter ego de Sophie Schnell) também utilizou a estrutura do OKTOPHONIE para sua reza musical, certeiramente batizada de Oratorio for the Underground.

Em outros momentos, sutilezas e detalhes baixaram do palco para abrir espaço para sentimentos pouco comuns e até desconfortáveis, como na apresentação do duo Demdike Stare com o filmmaker Michael England. O som dark ambient da dupla foi ganhando tons mais obscuros à medida em que os visuais de Michael England evoluíam de abstrações en neon até chegar em mulheres contorcidas, olhares assustadores e personagens bizarros. Techno estranho com cara esquisita que gera medo amarrado em incômodo.

A história da música eletrônica experimental também foi devidamente homenageada. A BBC Radiophonic Workshop quebrou a sisudez coletiva com um show simpático e cheio de referências old school, como nos temas originais de Dr.Who e O Guia Do Mochileiro Das Galáxias. Moritz von Oswald, um dos pilares do techno de Berlim, abriu o after da primeira noite no Tresor como manda a cartilha: com uma lenha seríssima, dura, mas cheia de groove. Outros raros momentos de suingue foram um necessário contraponto à sobriedade geral do festival: Pépé Bradock fez o inferninho do after no OHM ficar ainda mais apertado com um house bem trippy e DJ Deep terminou de derreter tudo.

Moritz von Oswald, um dos pilares do techno de Berlim, abriu o after da primeira noite no Tresor com uma lenha seríssima

Regis, outra instituição do techno inglês, se apresentou com Main e também trouxe batidas pesadas, mas melódicas ao palco principal na reta final da sexta. A música também se fez mais maleável e divertida na Schaltzentrale, a antiga sala de controle da usina, que nesta edição se transformou em um playground de sintetizadores. A sala, ainda muito bem conservada e coberta de painéis e botões que controlavam o Kraftwerk Berlin, ganhou a companhia de sintetizadores modulares de todos os tipos, que a cada noite eram comandados por um grupo de artistas diferentes. A experiência ali era diferente de todo o resto: luzes, almofadas e plantas amaciavam a o som das máquinas.

Fazer o Berlin Atonal do começo ao fim pode ser exaustivo para não iniciados. A cada dia a escuridão parece ficar mais intensa, o som mais sombrio, as apresentações mais tensas e isso faz parte da mecânica do festival. Por isso, os respiros para visitar as instalações funcionam como um golpe de frescor. A instalação Phyllotaxis, no porão da usina, era uma viagem sinestésica entre som e luzes que transformava o espaço em um vortex de cor que batia mais forte que LSD. Two Skies e Earthworks trouxeram mar e terra para dentro do mundo estéril da antiga usina. Um respiro de cor no escuro, os visuais policromáticos do português Pedro Maia ganharam o público em suas duas apresentações, uma com LLC e outra com Shackleton e Anika, em um dos destaques do festival.

A esperada apresentação de Shackleton e Anika, um dos destaques do Berlin Atonal este ano

Participar do Berlin Atonal muda não só o entendimento que você tem da música experimental, mas chacoalha também sua relação com outros estilos musicais. E faz repensar a música como conector social e tradutor de ideias. Leva o público a questionamentos que não caberiam no contexto musical de quase nenhum outro festival. O balanço da experiência no Berlin Atonal é bem subjetivo. Gostar ou não gostar talvez seja o segundo plano de um festival que não tem a pretensão de ser “gostável”, mas sim de encontrar novas formas de expressão musical.

Que tal tentar você mesmo? Se joga neste playlist!

BERLIN ATONAL 2017 

Sair da versão mobile