BATEKOO Foto: Divulgação

Alegando racismo, BATEKOO cancela edição 2024 de seu festival

Jota Wagner
Por Jota Wagner

O terceiro BATEKOO Festival estava programado para acontecer no próximo 23 de novembro, no Live Stage Arena Canindé, em SP

Maior plataforma de entretenimento, cultura e educação voltada para as comunidades negra e LGBTQIAPN+, a BATEKOO, anunciou que cancelou a edição de 2024 de seu festival anual, prometendo um retorno em 2025. O terceiro BATEKOO Festival estava agendado para o dia 23 de novembro, no Live Stage Arena Canindé, em São Paulo.

Como é de praxe, o comunicado veio sem meias palavras: não rolou por falta de patrocínio. A organização alega ter visto 70% de suas marcas apoiadoras baterem asas, e aponta o racismo estrutural como motivo da fuga.

“É muito bom falar de vitórias, mas também é muito importante falar sobre derrotas. O Festival da BATEKOO foi adiado por falta de patrocínio e tem sido frustrante trabalhar com cultura no Brasil. Sobretudo, se você é uma liderança negra. Se entregamos o mesmo (ou mais) em relevância, números e alcance, por que os festivais propostos por e para a comunidade negra do Brasil ainda estão sendo esquecidos nas decisões de grandes empresas em onde investir? Estamos em 2024 comemorando dez anos de existência e de transformação em um movimento genuíno, diverso e que muda a vida de muita gente, e ainda assim, a gente se vê inseguro com o futuro constantemente. A construção de um festival é um trabalho árduo de um ano que se materializa em um dia, e ver essa comemoração sendo adiada é desmotivador, mas, a única certeza que temos é que não paramos por aqui. Contamos com a troca genuína que temos com nossa comunidade para passar por esse momento difícil”, desabafa o fundador e CEO Maurício Sacramento

A decisão de grandes marcas em apoiar movimentos como os que a BATEKOO propõe flutuam anualmente, ao sabor de suas estratégias de marketing, e isso é um inferno para produtores de eventos. Em determinado ano, uma empresa resolve que é positivo apoiar as mulheres. No outro, tudo muda, e o dinheiro vai para outro canto, muitas vezes oposto. Para quem está na luta, fechar uma parceria com uma determinada marca não garante nem mesmo o apoio no ano seguinte. É o que denuncia o grupo, num movimento experimentado por muita gente que trabalha com eventos voltados a um determinado extrato de público.

Artur Santora, outro sócio e curador do festival, complementa: “O mais difícil é saber que, ainda hoje, existem marcas no Brasil que não cumprem nem 10% de pessoas negras em sua equipe, muito menos nas agências contratadas. […] 90% dos contratos de marcas que a BATEKOO fechou foram encabeçados pelas poucas (e às vezes únicas) pessoas negras existentes na empresa. O pacto narcisístico da branquitude — mesmo que silencioso — pode até levantar a bandeira antirracista, mas não se reflete na hora de desenhar as verbas milionárias anuais. É importante dizer que neste ano a nossa régua de logos diminuiu lá pelos 70%. A pauta é nossa, mas também coletiva. Quando foi que os projetos negros perderam a relevância cultural a ponto de não conseguirem nenhum apoio, muito menos um patrocínio?”.

Diversos festivais brasileiros e internacionais têm adiado ou cancelado suas edições devido às dificuldades em se vender ingressos para alcançar um ponto de equilíbrio financeiro. No caso da BATEKOO, a fratura é mais exposta. Fuga de patrocinadores, grande suporte para um evento deste tamanho.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.