Festival que aconteceu no Jabaquara no último final de semana mostra que a consciência ambiental é propriedade das periferias, ao contrário do que muitos pensam
“A periferia está nesse lugar [de preocupação ambiental], mesmo sem saber. A gente tem muito povos originários nela. As benzedeiras, o povo do candomblé, o povo de santo, têm muita relação com a natureza”, me conta Vitória Madeiro, que ao lado de Cintia Adorro, criou o festival que lotou o Centro de Culturas Negras, no bairro Jabaquara, em São Paulo, na primeira edição do Banana da Terra.
Realizado no primeiro final de semana de outubro, o evento nasceu com o objetivo de unir arte e público da periferia. Mais do que isso, reaproximar seu público com as questões ambientais.
“Tratamos, no festival, do racismo ambiental. Embora seja uma perspectiva estadunidense, ele cabe a todos os outros povos. Não é por acaso que os povos negros, os povos quilombolas e os povos indígenas são os que mais sofrem com a questão climática“, explica Vitória.
“Não é por acaso que é nesses territórios que tem enchente, que tem lixão, todos esses atravessamentos. É aqui que, quando chove, as pessoas ficam sem casa. É na periferia que as pessoas demoram três, quatro, horas para voltar para onde moram. Isso é racismo ambiental”.
As duas meninas são o extrato do potencial gigante que a juventude da quebrada tem atualmente. Cintia é atriz e produtora envolvida na cena de slam da região do Grajaú, extremo sul de São Paulo. Vitória cresceu na Cidade Tiradentes (distrito da Zona Leste da capital paulista), é graduada em Gestão de Políticas Públicas na USP e produz ações transformadoras desde 2016.
“Poxa, porque quando chove, é a minha casa alaga. Sabe por que eu como mal? Porque as frutas aqui no meu bairro são muito caras. Então, sim, acho que tudo isso tem relação com o meio ambiente e eu acho que a gente precisa ter consciência de tudo isso”, seguiu.
Além do festival anual, o Banana da Terra ampliará sua presença na periferia com diversas ações para tratar o tema.
“Temos as lives em nosso canal do YouTube. Mas além do online, a gente quer fazer oficinas, roda de conversa e andar aí pelas periferias. Trazer essas conversas para os territórios. Ainda este mês, vamos entregar uma horta lá para o Jabaquara. A gente quer deixar essa esse legado assim”, continuou Vitória.
O Banana da Terra foca na via independente e no empreendedorismo da quebrada. Além da música, o festival também recebeu uma feira de produtos desenvolvidos por artesãos, iniciativa que deve pintar em várias regiões durante o ano.
“Queremos conversar sobre meio ambiente, sobre cultura, sobre arte. A feira foi tão importante, foi tão rica… A gente quer transformar ela numa feira de artistas independentes importantes”, pontuou.
Musicalmente falando, o line up do rolê foi pensado sob este mesmo guarda-chuva: “A gente queria que os artistas tivessem a ver o que com que a gente estava pensando. Que conversassem com a ideia e a essência do nosso projeto”.
A primeira edição recebeu nomes como a artista com raízes indígenas Brisa Flow e o rapper Marechal, entre tantos outros performers e DJs.
“São escolhas políticas também. Vão para esse lado. Assim, a gente tem quem sabe o que a periferia está ouvindo, e o que a periferia quer ouvir. Nos festivais grandes, médios, pequenos, estão indo sempre as mesmas pessoas, as mesmas coisas.”
O ativismo na música importa — e muito — para Cintia e Vitória. Quando o espaço é pouco e urgente, é preciso aproveitar cada momento para transmitir a mensagem.
“A música não está no seu momento mais politizado. E nós queríamos trazer esses artistas que falam de alguma forma de política, que colocam o seu corpo e a sua música nesse lugar. Vamos pensar sobre classe, vamos pensar sobre raça, vamos pensar sobre gênero, sobre violência. Foi uma escolha pensada nesse sentido”, concluiu Madeiro.
Ações fora do eixo, palavra dada a quem tem propriedade de fala e cultura da boa. Gostamos.
Confira o Insta do Banana da Terra e dê uma conferida em mais fotos da primeira edição:
Fotos de Monike Raphaela e Erick Moraes