Björk critica ‘jeito masculino’ das turnês
Em nova entrevista, diva islandesa fala sobre tema que leva os artistas ao extremo, mas costuma ser romantizado na indústria musical
A islandesa Björk ataca novamente. E desta vez, o alvo é o pensamento patriarcal de agendar turnês de grandes artistas. Como de costume, batalha no seu estilo: fazendo tudo diferente e propondo uma nova forma de ver as coisas.
Desde 2011, quando lançou seu álbum Biophilia, a cantora decidiu mudar a forma de agendar suas turnês de divulgação. Em vez de ficar pulando de cidade em cidade no mesmo país, fixa uma residência em uma cidade e recebe os fãs de fora, que viajam para vê-la. A principio, todo mundo julgou ser uma questão logística. O show da cantora sempre foi um espetáculo visual de ponta. Desmontar e montar as toneladas de cenários e painéis de luz em suas apresentações é bem mais complicado do que com os demais artistas. Além do mais, não é qualquer casa de shows que permite uma estrutura tão sofisticada. Mas há muito mais do que isso, como não poderia deixar de ser, vindo de Björk.
Em entrevista ao jornal The Guardian (via NME), a artista revelou que seu novo processo também tem a ver com a vida pessoal da equipe envolvida que, segundo Björk, faz com que profissionais cheguem a trabalhar 16 horas por dia: “Tenho lutado gentilmente, desde meus tempos de adolescente, contra este jeito masculino das pessoas organizarem turnês e filmagens. ‘Oh, vamos agora trabalhar 18 horas por dia, sem parar, até que todo mundo vomite.’ Eu sempre gostei de coexistir. Você pode ter uma vida pessoal. Pode ter seus filhos. Pode ter relações lá. Não digo que deu certo, mas eu pelo menos criei um mundo onde a mente está aberta para coisas como essas”.
Björk fala de um tema que sempre levou artistas ao extremo, mas que sempre esteve oculto atrás das cortinas da romantização. Aaaah, a vida na estrada! Voos, bagunça nos hotéis, festas intermináveis. Tudo sempre foi pintado como muito bonito, tanto para o artista quanto para o pessoal da técnica, os que não gozam nem de perto do mesmos luxos, mas, bem, “estão trabalhando com música”.
Quem passa horas pulando de cidade em cidade para cumprir uma agenda apertada de shows sabe que o jardim não é tão florido assim. Keith Richards perdeu o funeral do próprio filho, que faleceu meses após seu nascimento, em 1976. Algo que ele não consegue se perdoar, até hoje. Amy Winehouse foi colocada desmaiada em um avião para não perder o show seguinte. Na verdade, deveria ter sido levada a um hospital.
Estudos identificaram a Síndrome do Quarto de Hotel, que trata da depressão causada pela vida em turnês, responsável por parte considerável dos excessos com drogas e mortes. Sem contar a horda de pais ausentes que o show buzziness criou (e ainda cria) ao redor do mundo, os “deadbeat dads”. Quando se trata de mães, elas dão um jeito, chegando a levar as crianças nas viagens, ou programando-as de forma diferente.
Ao colocar a “vida” na planilha, Björk ajuda a levantar uma discussão que, até então, foi muito pouco debatida dentro do universo da música. É mais fácil um fã pegar um voo para ver sesu artista predileto do que uma equipe gigantesca se deslocar de cidade em cidade.
“As porcas e os parafusos são mais flexíveis. Talvez sendo mulher, ou matriarca, ou o que quer que seja, tento fazer com que as pessoas possam realmente ter uma vida”, continua. A artista trabalha em um filme baseado em sua última turnê, Cornucopia, com atenção às catástrofes climáticas recentes. Incluiu também, no assunto, a produção de cinema, de onde traz péssimas recordações. Durante a produção de Dançando No Escuro, que lhe rendeu a Palma de Ouro como melhor atriz, Björk denunciou o diretor dinamarquês Lars von Trier de assédio sexual insistente, relatando ter vivido um verdadeiro inferno pessoal.