Arqueologia clubber: descolamos a lista de compras de discos do DJ Marquinhos MS de 1986

Claudia Assef
Por Claudia Assef

São Paulo, anos 80.

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Antes de ficarem conhecido nos Jardins como DJs residente do Rose Bom Bom, Marquinhos MS e Magal faziam o som da pista mais dark que São Paulo já teve, a do Madame Satã.

“Em 1983, o Marquinhos havia sido convidado para tocar num aniversário de um amigo. Depois dessa noite ele ficou como residente do clube. Mas ele trabalhava numa agência bancária, não podia ir às quintas. Aí ele me indicou para os donos. Toquei uma vez numa quinta fria, para apenas 15 pessoas. Mesmo assim eles me quiseram lá. Eu também trabalhava como office boy, mas aceitei, porque precisava do dinheiro pra pagar as contas”, conta Magal.

Casa noturna Madame Satã em 1984

“Ele era uma pessoa maravilhosa, com uma sensibilidade e feeling únicos. Apostava em músicas que qualquer um diria que não funcionaria numa pista. Mas ele estava sempre à nossa frente. Quando você menos esperava, ele colocava a música pra tocar, e a pista ia à loucura. Eu tocava um som mais gótico/sombrio. Ele era mais melódico. Além disso, era um grande amigo, como um irmão. Andávamos sempre juntos, íamos em vários clubes e festas. Frequentava minha casa, conhecia minha família, e eu a dele. Morávamos praticamente no mesmo bairro”, relembra Magal.

Como se criou o mito de Marquinhos MS, até hoje um dos DJs mais citados por DJs brasileiros como o grande influenciador de tudo e de todos musicalmente? Foi basicamente através da música que ele tocava e como a tocava.

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Marquinhos MS pegou seu nome das iniciais do Madame Satã, em que foi residente durante dois anos

Segundo Magal, Marquinhos fazia milagres tecnicamente, mesmo com o som precário que havia no clube. “Eram dois gravadores mono, o som era tosco. Era impressionante como o Marquinhos tinha uma habilidade natural desde o início”, conta. Os dois traziam uma bagagem de disco e funk, da época dos bailinhos. No Satã, misturaram a esse background o som que chegava às pistas inglesas, o cold wave, facção mais dark do rock inglês.

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Magal, já na cabine do Rose Bom Bom

Na cabine do Satã, Marquinhos e Magal iniciaram uma “saudável competição”, como lembra Magal. “Nossa relação estimulava o crescimento dos dois como DJs, porque a gente tinha uma certa rivalidade. Ele aparecia com disco novo, e isso me dava vontade de ir atrás de coisas novas também.” Apesar de soar parecido dentro do contexto do clube, cada DJ seguia uma linha diferente: “Marquinhos tinha um estilo mais melódico, gostava de Smiths, Everything But The Girl, New Order. Eu tocava coisas agressivas, já comecei a me interessar por rock industrial”, lembra Magal.

Corta para novembro de 2016, mensagem de Facebook

– Oi, Claudia. Estou com umas listas de compras do Marquinhos MS. Acho que você vai se interessar

Do outro lado do inbox me escrevia Danilo Andreoli, que além de ter sido segundo DJ de Marquinhos MS na Zoster, no Itaim, entre 1987 e 1888, estava na equipe que produziu a Jeaneration Rave, em 1992, no estádio do Pacaembu, um marco da cultura clubber nacional.

Mas Danilo foi mais que isso. Foi como sócio da Bossa Nova, na rua 7 de Abril, loja que teve lugar de destaque na construção da música eletrônica de São Paulo, que ele ficava por dentro do que os DJs queriam tocar nas pistas de São Paulo.

Danilo Andreoli e Marquinhos MS

Era na Bossa Nova que todo o povo que se interessava por música eletrônica na época (circa 86, 87, 88) ía comprar discos, revistas, camisetas e conversar com vendedores, como o DJ Mauro Borges que foi funcionário da loja. O dono da loja, Carlini, era comissário de bordo. “Ele foi o responsável pela chegada dos primeiros discos de acid house ao país”, lembra Mauro.

Mas DJs do quilate de Marquinhos MS nem pegavam discos na loja. “O Carlini trazia direto pra ele e pro Mauro. E eu passei a frequentar a casa do Carlini nas tardes de sábado, onde rolava muita música e troca de informações de uma galera que estava muito à frente do seu tempo”, conta Danilo.

E é uma dessas listas de compras que Marquinhos passava para Carlini que você vê com exclusividade aqui. Entre os pedidos, tem muita acid house (Phuture, Housemaster Boyz, Blaze…) e coisas finas diversas como Roy Ayers, First Choice, Kraftwerk, Yello, Pet Shop Boys e Giorgio Moroder. Se liga.

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Depois da residência no Madame Satã, Marquinhos ainda tocou no pequeno Anny 44, no histórico clube gay Malícia, Rose Bom Bom, Columbia (onde no porão rolava o Hell’s Club) e depois na casa noturna de elite Allure. Em 1994, aos 31 anos, Marquinhos MS morreu, com a saúde debilitada pelo vírus da Aids. Mas seu legado segue para sempre, ainda que entre os mais iniciados. Disseque esta lista para entender um pouco mais da magia por trás do nome Marquinhos MS <3

Claudia Assef

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Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.