Arnaldo Baptista sorrindo Arnaldo Baptista – Foto Fabiana Figueiredo

Arnaldo Baptista no liquidificador. Produtores nacionais revisitam faixa “sustentável” do Mutante. Ouça!

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Arnaldo Baptista lança compilação de remixes da música To Burn Or Not To Burn, produzida por John Ulhoa, e permite que toda uma nova geração revisite, por dentro, sua obra e alma.

Que tal ler esta matéria ouvindo o disco em primeira mão? 

“Você está sentindo o que eu estou sentindo?” — Me perguntou Claudia Assef, minha parceira na jornada, após nos desconectarmos da entrevista por conferência (as tão faladas “calls”) que fizemos com Arnaldo Baptista, o eterno Mutante. Ele em um apartamento em Belo Horizonte e nós aqui, em São Paulo. Era uma tarde de sexta-feira.

Pois eu estava sentindo o mesmo que ela, sim. Uma mística sensação de leveza tomou conta de tudo o que estava aqui dentro e também ao meu redor. As solas dos pés coçavam. Havíamos acabado de conversar com o cara que escreveu “Nossos elmos vasos comunicantes podem um dia se beijar”, um verso da letra de “Ai Garupa“. O autor do disco “Loki?”, considerado por muita gente (a maioria outros músicos), o maior disco brasileiro de todos os tempos. O artista cuja obra foi avalizada por nomes como David Byrne, Kurt Cobain e Sean Lennon, para citar os mais célebres.

No entanto, não são seus feitos pregressos, apesar de importantes na construção do que ele é no presente, que causaram esta sensação. Há algo em sua comunicação. Arnaldo não fala.

Arnaldo cospe borboletas.

As palavras saem de sua boca em um voo desconcertado pela sala, coloridas, e conforme se cruzam vão formando frases que mudam de sentido, seguindo seu passeio hiperbólico pelo ambiente. As novas palavras-borboletas vão saindo e então se tocam às outras que ali estavam anteriormente. E tudo muda de significado novamente.

O motivo da nossa conversa era falar sobre o lançamento do álbum de remixes de To Burn Or Not Burn, a faixa conceito de Arnaldo Baptista, dona de um groove cativante e que já era conhecida, em sua versão original, nas pistas de dança mais malucas do mundo. A compilação está disponível a partir de hoje, 18 de fevereiro, em todas as plataformas.

Arnaldo Baptista no Festival Psicodalia

Arnaldo Baptista no Festival Psicodalia em 2015 – foto: Giovani Paim

O ano que trará a Arnaldo a celebração de 74 voltas em torno do sol está bastante movimentando. Além deste lançamento, sua equipe organizou e publicou uma galeria online com seus quadros, provavelmente a mais pura expressão de sua alma. Se as músicas de Arnaldo são autobiográficas, suas pinturas são autoexplicativas. E assim, vão se organizando a memória e o acervo de um dos poucos artistas no mundo que efetivamente tocou as estrelas.

A dance music trouxe ao mundo a cultura dos remixes. Em sua primeira geração, o objetivo principal era tornar músicas já lançadas um pouco mais atraentes para as pistas de dança: mais atenção aos graves, versões mais longas e com cuidados mais percussivos e hipnóticos, feitas com “pedaços” da gravação original.

Evoluiu, porém, até se tornar um estudo do “desconstrutivismo”. Um ato de entrar no corpo do artista original, desmontá-lo e então criar um novo ser sônico. É como se a mesma pessoa voltasse ao ponto de seu nascimento e experimentasse outra vida, com outra família, com outras interações sociais.

Invejo os talentosos artistas que tiveram a oportunidade de entrar em To Burn Or Not To Burn e, por consequência, em Arnaldo. O time de remixers que integram o álbum representa o que há de mais bacana na produção nacional da última década. Nomes como Tata Ogan, Tetine, L_Cio, Magal e Glocal, entre vários outros de igual estirpe, metem a faixa no liquidificador e extraem um novo suco.

Ao ser perguntado, aliás, sobre o que pensava ao ver uma turma de novos artistas se debruçando sobre sua obra, Arnaldo respondeu, ou melhor, borboletou:

“Estou sentindo que você pode jogar minha música no liquidificador, vai sair uma fumaça que vai deixar todo mundo muito ligado no som”

O álbum também traz a versão original da música, produzida por John Ulhoa, do Pato Fu (que também produziu o aclamado álbum Let It Bed), grande entusiasta da obra de Arnaldo.

Colocar um time de produtores que revolucionam a música através de uma estética antipop — que se estende às suas atuações na sociedade em forma de ocupações urbanas, contestações do que é estável e provocações artísticas — para reinventar uma obra de Arnaldo, é uma das mais autênticas formas de homenagem.

Valoriza-se, aqui, não só o aspecto musical, mas o subversivo – o que propõe novos caminhos. Só existe contramão quando alguém dirige no sentido oposto. É o que fez Arnaldo por toda sua vida.

Capa de To Burn Or Not To Burn, de Arnaldo Baptista

Capa de To Burn Or Not To Burn

A música, que faz um trocadilho com to be or not to be, that is the question (ser ou não ser, eis a questão), de Shakespeare, traz, como não poderia deixar de ser, duas mensagens em uma. Um manifesto ecológico contra a ganância do homem que queima tudo o que é vivo. “A ideia veio de algo que Jimi Hendrix disse em seu álbum, Axis. De que o ser humano vive uma maldição, onde ele queima tudo o que vê pela frente” — nos conta Arnaldo. A partir disso, segue sua provocação: queimar ou não? Ficar ou seguir? Estacionar ou “deslanchar? Eis a questão. Ou, no caso de To Burn Or Not To Burn: qual é a questão?

Arnaldo, inadvertidamente (ou intuitivamente), remixou Willian Shakespeare.

A gravadora responsável pelo lançamento da compilação é a D-Edge Records, braço da D-Edge, um dos clubs mais importantes do mundo, situado na Barra Funda, em São Paulo. Pertinho da Pompeia, bairro em que Arnaldo cresceu e criou suas primeiras bandas. A casa vai promover uma festa de lançamento dia 24.02 para celebrar este baita acontecimento. Confira todas as informações em nosso Super Guia.

O disco finca a bandeira de Arnaldo no presente. E isso o encanta, já que é aficionado por produção musical, equipamentos e timbres. O artista traz consigo uma visão bastante positiva do hoje e do amanhã. Nos contou que acredita que em 50 anos todos seremos vegetarianos. “Vai ser ótimo poder viver sem matar os outros, né?”, diz, com um sorriso indestrutível. Acredita também que todo mundo vai viver para sempre, e que passearemos com facilidade na velocidade da luz.

A pessoa, cuja arte tomou conta de cada célula de seu corpo ao longo do tempo, regendo-o desde então, se mostra como alguém que confiou ao universo seu coração e destino, o que lhe traz tranquilidade. Um otimismo que reverbera (o que aconteceu conosco ao final da entrevista) em quem está à sua volta.

Aquela sensação de que tudo vai dar certo.

FESTA NO D-EDGE 

A DJ Mari Rossi será uma das atrações da festa de lançamento do álbum no D-Edge. Foto: Divulgação.

A festa de lançamento acontece na próxima quinta, dia 24 de fevereiro, no D-Edge, em São Paulo, somente para convidados. No line-up estão Jota Wagner e a DJ Mari Rossi, uma das produtoras/remixers que estão no álbum. O evento acontece a partir das 23h e o Music Non Stop tem 10 ingressos para distribuir. Para ganhar, basta escrever “to burn or not to burn” nos comentários da matéria que entraremos em contato. Os 10 primeiros a comentar serão contemplados.

Deguste a entrevista em vídeo que fizemos com Arnaldo, uma galeria de fotos com ele e os artistas que participaram do disco, e o player para ouvir o disco todo:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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