Apadrinhado pelos Racionais, grupo 5 Pra 1 defende a maconha e não quer saber de machismo

Claudia Assef
Por Claudia Assef

Um grupo de rap que ganhou a benção dos Racionais, já concorreu ao Oscar por uma trilha de animação e se apresenta em eventos gratuitos em prol da democracia só pode estar indo pelo caminho do bem, né?

Depois de estrear com o EP Kush & Garotas, o grupo 5 pra 1 lança seu primeiro álbum pela produtora Boogie Naipe, a mesma que gerencia a carreira dos Racionais MCs. O álbum GoodFellaz faz referência ao filme Os Bons Companheiros, de 1990, dirigido por Martin Scorsese.

No disco há espaço para questões como política, racismo e violência sem deixar de lado as baladinhas mais românticas e também uma pequena ode à maconha. Os integrantes Renan Saman, Will, Filiph Neo, Dee e DJ Murillo trazem forte influência da música black de várias épocas e foram acompanhados no disco por Ice Blue e DJ KL Jay (pai de um dos integrantes da banda, Will) aka 50% dos Racionais.

Vários Lokinho – 5 Pra 1

Nos últimos meses, o 5 Pra 1 tem sido visto abrindo shows para os Racionais. É uma responsa. É como se fosse uma final de campeonato: estádio lotado, todo mundo cantando, com camiseta do time, adrenalina a mil e você entrando em uma partida tendo 40 minutos, visto como uma aposta”, descreve o produtor Renan, que, além da banda, já trabalhou com Marcelo D2 e Emicida.

Eles não fogem do assunto quando o tema é o machismo no rap. “Muitas mulheres e homens têm atitudes machistas, mas não percebem ou não sabem. Pra mim, mulheres têm que fazer tudo aquilo que sentirem vontade. Existem milhares de mulheres rimando e cantando r&b e fazendo milhares de outras coisas. Têm todo o meu respeito e consideração”, diz o DJ Will.

O Music Non Stop bateu um papo com os meninos sobre esses e outros temas. Eis a conversa.

5-pra-1

Music Non Stop – Qual é a história de cada um de vocês com a música? O que faziam antes de entrar pra música?

Renan – Primeiramente, obrigado pelo convite. Sou Renan de Jesus Batista , 26 anos. Sou mais conhecido como Renan Samam e trabalho hoje como produtor, compositor e rapper. Nasci no bairro do Campo limpo e meu primeiro contato com música foi com samba. Fiz parte da bateria da escola de samba do meu bairro, Primeira Lá de Casa da Dona Dirce, em 1995. Meu pai tinha um bar do lado dessa escola de samba e eu via os ensaios na rua. Chapei no ritmo denso e no swing daquele ritmo. Mas o rap sempre tava presente ao mesmo tempo. O rap sempre foi o som da quebrada. Passaram-se 10 anos, depois disso eu montei um grupo de rap e já fazia umas letra e cantávamos em instrumental de rappers americanos. Quando a gente chegava pra se apresentar às vezes três grupos já tinham cantado na mesma base, pois para produzir na época uma base era caro. Tinha um DJ que já fazia uns beats na quebrada chamado DJ Léo e o próprio Fernandinho Beat Box que na época já fazia uns beats muito à frente do tempo. Foi inspiração esse DJ, porque ele instalou em casa o programa Fruity Loops. Depois daquele dia descobri um outro universo e minha carreira começou como produtor e nessa caminhada tive a oportunidade de trabalhar com seu Jorge. Produzi Marcelo D2, Emicida, Fernandinho Beat Box, Kamau, Rashid, Pentágono, Start artistas internacionais entre outros.

Will – Minha história com a música veio da minha família: meu tio Luiz, irmão da minha mãe, sempre comprou muitos discos e colocava sempre samba e disco music nos churrascos que fazia em casa. Mas meu pai, principalmente, como DJ do Racionais MCs, foi minha grande e maior influência. O rap e todos os outros estilos de música vieram através da companhia dele e com tudo que ele me mostrava. Trabalhei de office boy na adolescência, mas não foi por muito tempo. Tenho 28 anos hoje.

DJ Will aprendeu a ouvir as músicas com o pai, KL Jay

DJ Will aprendeu a ouvir as músicas com o pai, KL Jay, e o tio, Luiz

Filiph Neo – Comecei cantando e logo em seguida descobri o cavaco como primeiro instrumento, passando por diversos outros, como teclado, baixo, guitarra, violão e bateria. Aos 11 anos comecei a produzir as primeiras batidas. Mais tarde, cursei canto popular na Universidade Livre De Música/Tom Jobim, adquirindo conhecimento de fontes como Magali Mussi, Itamar Colasso, entre outros.

Diego Oliveira (Dee) – Ainda criança fui imerso nesse universo musical e decidi seguir o mesmo caminho. Já na década de 90, aprendi percussão, a experiência fez com que criasse relação com outros músicos. Fiz parte dos grupos gospel Lael e Blackness Boys, até meados de 2009. Logo após esse período, me juntei ao amigo de infância, Filiph Neo, formando a dupla Dee X Neo.

Murillo – Tive influência de ser DJ pelo meu pai, ele tocava na Kaskatas, baile black que tinha nos anos 90. Desde pequeno eu já via os vinis e ficava interessado, e aí fui pegando o gosto pela música. Aos 10 anos já comecei a tocar. Fiz parte de um coletivo ao lado do DJ Kalfani, do grupo Pollo e estou no 5 pra 1. Individualmente sou produtor musical e como DJ toco em várias festas da capital, como na Mary Pop e na Hole Club, na Augusta.

Bombastic – 5 pra 1 (do EP Kush e Garotas)

Music Non Stop – Como rolou de vocês serem apadrinhados pelos Racionais?

Renan – A gente tinha acabado de fazer o nosso EP Kush & Garotas, que conta com participação do Like do Pac Div integrante do grupo da Califórnia, projeto que era pra disponibilizar pra download. Aí o KL Jay ouviu a faixa Garotas e acabou lançando pelo selo dele (Kl) o nosso EP. Nisso, o Filiph Neo já estava trabalhando com Ice Blue e o Helião no projeto deles. Quando saiu o EP, o Ice Blue convidou a gente pra tocar no show do Balanço Rap (março/2015). Então de certa forma já tinha uma sintonia, no processo do disco Goodfellaz recebemos o convite da Boogie Naipe de lançarmos o disco por eles, tendo as faixas editadas pela Cosa Nostra e com a participação de Ice Blue na faixa Vários Lokinho.

mano-brown-5-pra-1

Aí, vamos comprar o disco dos meninos, falou?

Will – Tivemos todo o apoio deles porque creio que eles se identificaram com a música. É um prazer e uma honra você ter os seus ídolos e maiores referências curtindo seu som, trabalhando com você, ajudando você, dividindo palco, estúdio, músicas e tudo o que envolve nosso universo musical, né? Mas foi algo natural. Ter a KL Música e a Boogie Naipe no suporte é muito gratificante e tem feito totalmente a diferença na propagação do nosso trabalho.

Music Non Stop – Como vocês enxergam o cenário do hip hop nacional em 2016?

Todos – Vemos um cenário em constante evolução no rap, mas muito pouco se faz pelo break, grafite, DJ e pros produtores musicais, que dentro da cultura são pilares importantes, que sustenta a cultura e muitas vezes não são valorizados . O hip hop se movimenta de uma maneira independente aqui no Brasil. As coisas que acontecem na maioria das vezes é no estilo nós por nós. Ainda há preconceito quanto a marcas quererem investir, mas isso deve evoluir. Hoje, com a evolução da tecnologia, muita gente tá fazendo tudo, comprando equipamento, produzindo as próprias músicas, CDs, roupas, vídeos, agindo como empresa. Faça você mesmo ou morra esperando. No lado profissional individual evoluiu muito! No Brasil temos bons MCs, produtores. No ramo de organização, então, deu um grande ponta pé com as produtoras que surgiram. O hip hop está tendo grande suporte no Brasil.

 

Music Non Stop – O que a indicação à melhor trilha de animação ao Oscar trouxe de positivo pra vocês?

Renan – A premiação do Oscar é o supra-sumo, uma vitrine mundial, um prêmio que grandes artistas do mundo inteiro estão concorrendo ou acompanhando como críticos minuciosos e detalhistas. Então, só de você acompanhar a premiação você sente que algo que todo artista trabalha quer ter em sua bagagem e na sua estante é o troféu. Agora ser indicado como melhor trilha é tipo o mundo reconhecendo sua música. Como dizia o Sabotage: o cinema nacional na grande tela é uma grande vitrine, atrai grandes olhares.

Hoje junto com Filph Neo fizemos uma trilha do filme nacional Divina Comédia do Toni Venturi, que vai sair. O Neo tá fazendo trilha pra Vogue, o Will fazendo trilha pra Nike. Enfim, estamos trabalhando com sucesso e aproveitando as oportunidades!

o-menino-e-o-mundo

Will – Isso só engrandece ainda mais o nosso trabalho como produtores e serve pra despertar mais ainda a vontade de estarmos em grandes filmes, games, novelas, documentários, vídeos de skate, comerciais de TV com a nossa música! Estamos trabalhando cada vez mais pra poder chegar mais próximo desse cenário e solidificar nosso nome.

racionais-mcs

Music Non Stop – Qual é o tamanho do frio na barriga de abrir um show pros Racionais?

Renan – É uma responsa, é como se fosse uma final de campeonato: estádio lotado, todo mundo cantando, com camiseta do time, adrenalina a mil e você entrando em uma partida tendo 40 minutos, visto como uma aposta. Vem um filme na cabeça, tipo: “agora é nossa vez”. Somos representantes dos nossos sonhos e das escolhas certas, entre tantos outros irmãos nossos que se perderam no caminhos da vida na nossa quebrada por escolhas erradas.

Will – O lugar muitas vezes me deixa ansioso porque temos que conquistar cada vez mais o público de outros artistas. E isso tem sido uma coisa natural com a abertura de show dos Racionais. Espero que o 5 pra 1 faça show com o Racionais sempre, assim como com outros grandes artistas que admiramos.

Music Non Stop – Hoje em dia as meninas estão muito mais atuantes no hip hop. Vocês, como um grupo formado por meninos, se ligam em ter uma discurso menos machista (o rap já foi muito criticado por isso afinal)?

Renan – Penso o seguinte: todos nós temos os mesmos direitos, tanto as mulheres quanto aos homens. Se você tem algo relevante a dizer, ninguém pode impedir o seu sonho. Quando seu som é bom, já não tem divisão, vira popular. E mulheres também representam muito desde sempre, apesar de serem a minoria tiveram seu espaço. Exemplo: a Dina Dee, Negra Li… Hoje tem várias mulheres com atitude e é assim que tem que ser. O respeito sempre vai imperar. Somos uma família precisamos nos unir e fazer música boa!

A rapper Dina Dee, que morreu em consequência de uma infecção hospitalar em 2010

A rapper Dina Dee, que morreu em consequência de uma infecção hospitalar em 2010

Will – Boa pergunta. Acho que o rap como música foi machista algumas vezes… As pessoas são… Muitas mulheres e homens têm atitudes machistas, mas não percebem ou não sabem. Pra mim, mulheres têm que fazer tudo aquilo que sentirem vontade. Existem milhares de mulheres rimando e cantando r&b e fazendo milhares de outras coisas. Têm todo o meu respeito e consideração. Quanto ao discurso, acho que isso é uma coisa individual de cada homem ou mulher. Mas nós não escrevemos nada a favor de machismo.

Music Non Stop – Outra questão é quanto à liberação da maconha, vocês falam abertamente desse assunto. Qual a ideia por trás disso?

5 Pra 1 – Tropikall Vibez

Renan – O pior cego é aquele que não quer ver. A informação tá aí, números apontam, muita gente morrendo no tráfico, inclusive menores e muita gente de terno lucrando com tudo isso… Em outros países, maconha é usada como tratamento de várias doenças, recomendada até por psiquiatras, o Canabidiol é usado no tratamento do câncer, infelizmente marginalizaram algo é totalmente natural.

Will – Eu sou a favor da liberação por diversos motivos, mas, resumindo, posso dizer que muitas coisas são produzidas com cânhamo e é medicinal também. A legalização iria diminuir o tráfico. Já foi comprovado e estudado que ajuda a curar o câncer, que regenera diversas cédulas do corpo. Nos EUA e em muitos outros lugares existem diversas tipos de ervas para que você possa se animar ou ficar mais calmo ou sentir sono… Mas a ideia por trás disso é a mesma relacionada a outros assuntos de que falamos abertamente.

5-por-1-2

Music Non Stop – Quem são os maiores ídolos de vocês?

Todos – Jorge Ben, Cassiano Michael Jackson, Racionais, Nas, J-Dilla, Pete Rock, DJ Premier, NWA, Pharrel Willians, Snoop Doog, 2pac,Tim Maia, Eumir Deodato, Azymuth, Banda Black Rio, Quincy Jones, Bill Conti, Elis Regina,Wilson Simonal, Bezerra da Silva, Nina Simone.

Music Non Stop – Se pudessem prever, daqui a 5 anos, vocês se enxergam onde?

Todos – Fazendo músicas com artistas do mundo inteiro, nos melhores estúdios e a nossa música tocando em todos lugares, novela filmes, cada vez mais em prêmios, lançando grandes artistas e acompanhando os jovens e a evolução mente jovem pra sempre!

Will – Gostaria muito de estar realizado na carreira e na sua vida pessoal. Ter um disco lançado, me tornar pianista. Quero ter um filho(a), minha casa de frente pro lago ou mar fazendo música com as pessoas que admiro. Viajando o mundo pra conhecer as outras partes, com minha família por perto e meus amigos. Ajudando mais pessoas, vivendo.

Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.