Aos 63 anos, Kim Gordon brilha como diva anti-guitar hero em noite de noise e distorções

Claudia Assef
Por Claudia Assef

Para Kim Gordon, o fim significou um novo começo. A musa-mor da nação indie, baixista e vocalista do Sonic Youth, apresentou na noite desta sexta (20) no Sesc Pinheiros, em São Paulo, show de seu novo “começo”, o duo de guitarras Body/Head, que Kim mantém com Bill Nace desde 2011.

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Na verdade, foram “os fins”, já que no caso de Kim foi mais de um encerramento dolorido. Em 2011, o mundo do rock indie entrou em choque com o anúncio do final do relacionamento dela com Thurston Moore, e consequentemente com a notícia do fim do Sonic Youth.

Em 2013, se soube de fato o que motivou a separação de Kim tanto da banda quanto de Thurston, com quem teve uma filha, hoje com 22 anos. Na época, ela contou em várias entrevistas que o então marido a traiu por anos com uma groupie.

Ano passado, ela contou esse e outros tantos bafos da indústria da música, e também de sua trajetória pessoal, que incluiu uma luta contra um câncer de mama, no livro A Garota da Banda (editora Rocco, R$ 34,50). Leitura obrigatória pra qualquer fã de música.

Depois de enfrentar problemas de saúde, traição, fim de um relacionamento de 30 anos, término de uma banda que ela co-fundou e que virou ícone de uma geração, e com a idade avançando (ela completou 63 anos em abril), era de se esperar que ela entrasse no clássico quadro de depressão. Mas não com a Kim.

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Misturando a figura mítica que ela sempre foi no cenário do rock alternativo com o timing perfeito de sua vinda ao Brasil, ainda aproveitando o buzz do lançamento de seu livro em português, Kim Gordon mostrou que é a diva anti-guitar hero de um universo dominado por homens.

Usando apenas amplificadores, cases, microfones e (muitos) pedais de efeito, Kim e Bill subiram ao palco com suas guitarras, debaixo de muitos gritos de “lacradora”, “i love you Kim”, “maravilhosa” etc.

Nada que tirasse Kim de seu ponto focal: a guitarra e os pedais. Pra quem vai ver o Body/Head esperando pelo menos umazinha de Sonic Youth, melhor estar preparado. Aqui não tem Cool Thing, não.

Vestindo um pretinho curto de paetê e bota dourada, Kim mostra a sua arte noise, tocando acordes repetitivamente, desconstruindo o que não se sabe se um dia já foi uma canção ou se é puro improviso. Os pedais são acionados com delicadeza e jorram distorções, camadas, delays, efeitos.

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As músicas (?) do Body/Head, com o perdão do trocadilho, não têm pé nem cabeça, mas isso não é algo ruim. O que se vê no palco é uma entrega libertadora de uma mulher que sabe o que está fazendo, que domina a guitarra como se fosse parte de seu próprio corpo, que sobe no amplificador como se tivesse 18 anos e esta fosse sua primeira apresentação num anfiteatro da UCLA.

O vocal de Kim está ali, vivo e, assim como as imagens na projeção (era um show antigaço do Black Flag, produção?), evocava a memória e o peso de sua importância como artista contemporânea. Kim foi e é um ícone pop – ainda que punk – e uma forte lembrança de que, sim, mulher pode tudo.

Ao seu lado no palco, Bill Nace olha constantemente para Kim, como quem espera um sinal – ou seria só o tesão de estar no palco com ela? Juntos eles criam uma sinfonia noise que mais parece uma tiração de sarro do status e da pose do mito do guitar hero.

 

Letras são cantadas no microfone e depois repetidas em profusão por um sampler, enquanto Kim perambula pelo palco com sua velha amiga Fender Jaguar banca e preta. Ela deita no chão no mesmo momento em que Henry Rollins, novinho, no telão, também deita.

Este lindo balé de guitarras distorcidas e coreografia abstrata se desenrola no palco ao longo de pouco mais de uma hora. Kim se comunica com a plateia pouco antes de sair para o primeiro e único bis: “É muito bom estar de volta a São Paulo, obrigada”.

Nesse momento, um cara de camisa xadrez e óculo sobe ao palco, na tentativa de falar com Kim e é retirado por seguranças. Tem uma cara abobalhada, assim como a de todo mundo ali que fora atropelada pelo caminhão atual da Kim, em cuja placa se lê Body/Head.

Neste sábado (22) tem a segunda e última apresentação da dupla no Brasil. Eu não perderia.

BODY/HEAD

Sábado, 22/10, às 21h
Sesc Pinheiros
Rua Pais Leme, 195, Pinheiros
Preço: de R$ 18 (comerciário) a R$ 60

 

 

 

 

 

 

Claudia Assef

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Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.